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Rafael Mafei

Os votos dos ministros do STF deveriam ser sigilosos? NÃO

Deliberação às escondidas poderia alimentar mais teorias conspiratórias

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Rafael Mafei

Advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP e da ESPM; autor de “Como Remover um Presidente” (ed. Zahar)

Difícil ter certeza quanto ao que realmente motivou a ideia, lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de trazer sigilo às deliberações do Supremo Tribunal Federal. Talvez a causa genuína seja a que ele apresentou: preocupação com ameaças, que violam liberdades e põem em risco o livre julgar, sofridas por ministros e seus familiares.

Nesse caso, a proposta teria de ser rejeitada por não dar conta da patologia que identifica. Se o que se teme são violências e atentados contra pessoas, difícil acreditar que as falanges que as promovem deixariam de fazê-lo por serem as decisões coletivas fruto de julgamentos secretos.

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, o ministro Luiz Fux e o presidente Lula durante a cerimônia de posse de Cristiano Zanin na corte - Pedro Ladeira - 3.ago.23/Folhapress - Folhapress

Aliás, o mais provável é que a própria deliberação às escondidas alimentasse umas tantas teorias conspiratórias, que serviriam elas próprias como motivos para novas violências. A turba voltaria-se então contra a "sala secreta do STF".

O anedotário do extremismo depõe contra a intuição de Lula. No Brasil, algumas das recentes decisões da corte, contra as quais se voltam esses agentes violentos, foram tomadas por unanimidade, sem fulanização do veredito.

Mas isso não arrefece o impulso dos inimigos do Supremo. Perguntem a um patriota de porta de quartel o que ele acha de o STF ter tornado réu o ex-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, deputado Otoni de Paula (MDB-RJ). Ele espumará, ignorando o fato de que a decisão foi unânime, e que seu relator foi Kassio Nunes Marques, o ministro mais querido pelos bolsonaristas. E, se soubesse, nada mudaria.

O ministro Flávio Dino, tentando salvar Lula, invocou a Suprema Corte dos EUA, que delibera de modo diferente do STF. E como vão as coisas por lá? No ano passado, um homem armado foi preso perto da casa de um ministro —planejava assassiná-lo. A tradição deles de extremismo antijudicial é inclusive bem mais antiga: o ministro Blackmun, autor da recentemente revertida decisão de 1973 que reconheceu o direito constitucional ao aborto, sofreu ameaças de morte por anos a fio (em 1985, um tiro foi disparado contra a janela de seu apartamento).

Boas práticas deliberativas são fundamentais e qualquer tribunal, inclusive o Supremo, deve sempre melhorar as suas. Mas não é isso que resolverá a ameaça da qual Lula diz querer poupar nossos ministros.

A alternativa então é considerar que a razão invocada é pretexto para esconder outra: a intenção de tirar dos ombros dos ministros (e do presidente que os indicou) o peso das críticas públicas por seus votos.
Isso explicaria por que a fala deu-se agora, quando apoiadores do presidente frustram-se reiteradamente com o ministro Cristiano Zanin e o pressionam cada dia mais para que a próxima indicação tenha um perfil que, parece, não é o que ele buscará.

Nesse caso, a rejeição à proposta deve ser ainda mais enfática: ao arrepio da transparência que a democracia exige, ela trabalha contra a centelha de accountability que existe sobre um tribunal com já escassos mecanismos de controle.

Difícil imaginar que um governo com base instável no Congresso, que negocia votações no varejo, gastará munição de emenda constitucional com causa tão infame, sem eco no próprio STF.

Ao Supremo, sobra o alerta de que o mundo político, com boas razões ou falsos pretextos, ensaia debater algo que acadêmicos discutem, e criticam, há tempos: as imperfeições de seu modelo deliberativo, onde sobram individualismos e faltam boas razões para o exercício de muitos de seus poderes.

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