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Priscila Cruz e Mariana Luz

Primeira infância exige urgente política nacional

Estado brasileiro é como o pai ausente ou distante

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Priscila Cruz

Presidente-executiva do Todos pela Educação

Mariana Luz

CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Temos convicção de que chegou a hora de uma política nacional e integrada para crianças de até seis anos. E podemos aprender com bons exemplos pelo país. Mais de 2,5 milhões de crianças nascem no Brasil, em média, todos os anos. Elas não têm como saber, mas hoje não há uma Política Nacional Integrada para a Primeira Infância. Ainda.

É verdade que avançamos nas últimas três décadas. É improvável uma criança chegar à adolescência sem ao menos ter tomado as vacinas prioritárias, estar matriculada no sistema público de educação e ter alcançado algum acesso, ainda que aquém do ideal, a equipamentos públicos de lazer e cultura. Mas é muito pouco. Em um paralelo com a vida real, o Estado brasileiro é como o pai ausente ou distante. Pode dar algum suporte financeiro e condições materiais, mas não participa ativamente do desenvolvimento das crianças. E as crianças e as mães estão precisando muito desse apoio.

Crianças entre 3 e 4 anos brincam com celular em creche de Jarinu (SP) - Raquel Cunha - 27.jul.15/Folhapress - Folhapress

O Brasil também está mudando com velocidade. As famílias são cada vez menores e está em curso um acentuado envelhecimento da população, fatores que diminuem a "comunidade" disponível para partilhar o cuidado de cada criança. É nesse cenário que cresce a urgência de se criar uma política ambiciosa para nossas crianças, que integre diversas áreas —educação, saúde, assistência, cultura, esporte— e contemple as dimensões do desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional com prioridade às crianças que acumulam vulnerabilidades. Não podemos tolerar que crianças passem fome, não tenham acesso a livros e a espaços seguros para brincar, não consigam vaga em creches, não recebam vacinas e tenham doenças evitáveis e sofram violências físicas ou sexuais.

Esse é o caminho que enxergamos para o Brasil conseguir, finalmente, quebrar a roda da desigualdade e interromper o "jogo do CEP" —quando uma criança nasce em uma região mais rica, ou numa família com melhores condições, e tem chances maiores de ter acesso a bons serviços e se desenvolver. Pesquisas demonstram que, quando investimos em políticas públicas nesse sentido, as crianças têm desempenho acadêmico superior; tendem a estudar por mais tempo e conquistar melhores empregos e salários na vida adulta; têm menos doenças crônicas e problemas de saúde ao longo dos anos; e têm menos propensão à violência e risco de encarceramento. Todo mundo tem uma vida melhor.

E, sim, existem caminhos para virar esse jogo no Brasil. Temos bons exemplos de políticas para a primeira infância pelo país: no pilar da proteção, a política estadual Centro da Criança e Adolescente do Ceará; para o desenvolvimento, a política do Recife, a partir do Centro de Referência em Primeira Infância (Criar). Há ainda outras iniciativas valiosas em cidades como Boa Vista (RR), Jundiaí (SP), Londrina (PR), na capital paulista e outras.

Também não faltam leis. Temos o artigo 227 da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Marco Legal para a Primeira Infância. Precisamos de ação coordenada entre os entes da Federação, atuando de forma decisiva para mudar a história das nossas crianças, famílias e do país.

Não tem como dar esse passo sem a criação de um cadastro único nacional voltado para a primeira infância, com informações e histórico completo sobre o acesso à educação, saúde, assistência e proteção social, cultura e esporte. Com essa ferramenta poderosa será possível ter informações para fazer o Estado chegar a todas as crianças, em especial àquelas que estão numa situação socioeconômica de maior vulnerabilidade e que mais precisam turbinar seu desenvolvimento.

Outro eixo é criar incentivos financeiros e técnicos para expandir equipamentos públicos capazes de atender as crianças com integração de serviços, como já nos ensinam as cidades citadas acima, com protocolos específicos de integração dos serviços. Tudo isso dando mais atenção para quem mais precisa e ofertando diferente para as diversas necessidades.

Temos convicção de que chegou a hora de uma política nacional e integrada para crianças de até seis anos. Se garantirmos que toda criança de até seis anos tenha as oportunidades para o seu pleno desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional, mudaremos o Brasil de forma definitiva. Se nada for feito, continuaremos a enxugar gelo com pouco sucesso. Escolhas.

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