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Paloma Rocillo, Ana Bárbara Gomes e Paulo Rená da Silva Santarem

Regra eleitoral para remoção de conteúdo não pode incentivar censura privada

Ônus de defender a manutenção do publicado passa a ser de quem publicou

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Paloma Rocillo, Ana Bárbara Gomes e Paulo Rená da Silva Santarem

Respectivamente, diretoras e pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris)

"Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura." Assim começa o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI). Tais termos são o coração de todo um modelo regulatório construído a partir de uma visão brasileira, multissetorial e celebrada internacionalmente. Hoje assistimos a uma tentativa dramática de extinção desse modelo por uma inovação eleitoral recém-aprovada pelo Judiciário: a resolução 23.732/2024, que modifica a resolução 23.610/2019.

Apesar de, em janeiro, o Tribunal Superior Eleitoral ter aberto uma consulta pública sobre o tema, a minuta divulgada não afetava o regime de responsabilidade e, portanto, não houve oportunidade para os diversos setores se posicionarem publicamente a respeito —contrariando o art. 24 do MCI que traz como diretriz uma governança da internet multiparticipativa, transparente, colaborativa e multissetorial.

Fachada do prédio do TSE, em Brasília - Antônio Augusto/Secom/TSE

Entre regras restritivas que colocam as empresas como cães de guarda da internet e regras frouxas que as liberam de qualquer compromisso social, o art. 19 é um início de um caminho do meio. As provedoras de serviços online assumem a responsabilidade por danos se não acatarem ordens judiciais e estão autorizadas a moderarem conteúdo de acordo com suas políticas de uso ou normas internas. Essa regra geral foi pensada como uma regulação mínima, sendo que o MCI como um todo demanda normas adicionais, tal como a Constituição Federal se complementa com Código Civil, ECA etc.

Ao radicalizar o regime de responsabilidade de intermediários, no dispositivo 9-E, a nova resolução do TSE afeta a liberdade de expressão, pois pune a inércia das plataformas, que tenderão a repelir o risco jurídico e pecar pelo excesso na remoção de conteúdos ao menor sinal ou questionamento de incorrerem nas hipóteses estabelecidas na regra eleitoral. O ônus de defender a manutenção do conteúdo publicado online passa a ser da pessoa que publicou, a qual deverá conhecer os recursos procedimentais da plataforma e em certos casos, precisará levar o caso à Justiça para que consiga restabelecer o conteúdo.

Combater a desinformação é uma prioridade que não deve ser conduzida sem observar os riscos de determinadas escolhas. Sendo o projeto de lei brasileiro mais amadurecido, o PL 2.630/20 (o "PL das fake news" avança em estabelecer obrigações para as plataformas, ao mesmo tempo em que cria mecanismos para empoderar o usuário. Longe de buscar uma bala de prata, a discussão sobre o PL nos dá sinais de que precisaremos enfrentar esses desafios de forma sistêmica.

A alteração aprovada no TSE é um retrocesso a direitos humanos e debates coletivos, mas se optarmos pelo copo meio cheio, também pode ser uma importante oportunidade política. A polarização que impediu o avanço do PL 2.630/20, agora, pode se tornar uma frente ampla e multissetorial com forças para substituir a derrocada do art. 19 do MCI e, ao mesmo tempo, promover instrumentos mais contundentes de fortalecimento da integridade eleitoral.

Bate à porta a realização do evento Net Mundial +10. A ocasião se mostra oportuna para fortalecer as possibilidades do multissetorialismo e celebrar a aprovação de uma regulação robusta para a construção de uma internet livre e democrática.

Cabe a nós reposicionar o Brasil como protagonista na governança da internet no mundo.

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