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O que a Folha pensa drogas

Senado ameaça piorar a já ruim Lei de Drogas

Proposta reforça graves defeitos da guerra aos entorpecentes, uma política nefasta que deveria dar lugar à legalização

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Plenário do Senado, em Brasília (DF) - Pedro França/Agência Senado

Faz tempo que se conhece um grave equívoco da Lei de Drogas, aprovada pelo Congresso Nacional em 2006: ao endurecer as penas para traficantes e amenizar a punição de usuários, a legislação não estipulou critérios objetivos capazes de diferenciar um do outro.

O resultado foi trágico para o país. Milhares de brasileiros terminaram atrás das grades com base na nova norma, mas diversos estudos mostraram que o encarceramento em massa passou longe de representar algum ganho em termos de segurança pública.

Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, analisou 41 mil casos de 2019 e concluiu que em apenas 13% deles havia menção a facções criminosas. Além disso, em 80% dos processos, os réus ficaram presos de forma preventiva.

Não é difícil imaginar que, uma vez inseridos num sistema penitenciário subumano, muitos desses prisioneiros acabaram reforçando as hostes do mesmo crime organizado que se pretende combater.

Tampouco é difícil imaginar as características mais comuns a essas pessoas: são, em sua maioria, homens, jovens, negros e pobres.

Que a desigualdade social tenha se convertido em critério para a aplicação da Lei de Drogas, eis uma chaga indecorosa com a qual nenhum Estado democrático de Direito deveria conviver. Daí por que o Supremo Tribunal Federal, desde 2015, vê-se instado a dar sua palavra sobre o assunto.

Ocorre que o Judiciário não constitui o foro adequado para a definição de parâmetros sobre uso e tráfico de drogas; esse tipo de ajuste compete ao Legislativo, e o julgamento do STF avança perigosamente sobre o terreno do ativismo.

A reação do Senado, no entanto, foi buscar um retrocesso. A Comissão de Constituição e Justiça da Casa aprovou proposta que inclui na Constituição termos ainda semelhantes aos da Lei de Drogas.

Em outras palavras, os senadores intentam reforçar os mesmíssimos erros da norma de 2006 —o que tornará quase impossível qualquer avanço do Brasil nessa seara.

Diversos países desenvolvidos já aprenderam que a guerra às drogas não faz sentido sob nenhum ponto de vista. O fracasso da repressão se expressa também em cifras: um estudo estimou que, em 2017, São Paulo e Rio de Janeiro somaram R$ 5,2 bilhões em gastos com esse tipo de política, sem que sejam perceptíveis ganhos de segurança.

Para romper com esse ciclo irracional, é preciso ir além de corrigir —de verdade— a lei. É preciso promover a legalização gradual dos entorpecentes e tratar o tema sob a ótica da saúde pública. Pois uma coisa é certa: se há vencedores dentro da atual abordagem, eles estão nas facções criminosas.

editoriais@grupofolha.com.br

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