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Teresa Sacchet e Ana Cláudia Oliveira

Prazo menor para partidos financiarem campanhas pode ampliar representatividade

Acesso antecipado a recursos ajudará mulheres e negros nas eleições municipais

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Teresa Sacchet

Doutora em ciência política (Universidade de Essex, Reino Unido), é professora na UFBA, coordenadora de pesquisa no IEA/USP e pesquisadora sênior do Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP) da Câmara dos Deputados

Ana Claudia Oliveira

Mestre em igualdade e gênero (Universidade de Málaga, Espanha), é analista legislativa na Câmara dos Deputados e coordenadora de pesquisas do ONMP

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou no final de fevereiro as atualizações das resoluções para as eleições municipais de 2024. Algumas delas, como as regras sobre o uso de inteligência artificial na disseminação de fake news, ganharam as manchetes dos jornais. Mas houve uma importante inovação, incluída a partir de sugestão apresentada em audiência pública pelo Observatório Nacional de Mulher na Política (ONMP), que passou relativamente despercebida: a antecipação no prazo para que os partidos façam o repasse dos fundos públicos a que mulheres e pessoas negras têm direito por lei. Neste ano, isso deverá ocorrer até no máximo duas semanas após o início da campanha, ou seja, 30 de agosto. Essa medida pode ter um grande efeito sobre a eleição de membros desses grupos.

Em política, afirmar que o dinheiro é tudo pode soar como um exagero, mas a realidade não está tão distante disso. Estudos evidenciam uma forte correlação entre os recursos financeiros investidos em campanhas e o resultado eleitoral, e o quanto isso explica o predomínio de determinados grupos nos espaços de decisão política. Em termos simples, mulheres e pessoas negras costumam arrecadar e gastar quantias significativamente menores em suas campanhas do que homens brancos, acarretando maiores dificuldades para serem eleitas.

Cartam onde se diz: "PEC 9 Não"
Protesto durante sessão de instalação de comissão para análise da PEC da Anistia, na Câmara dos Deputados - Zeca Ribeiro - 2.ago.23/Divulgação Câmara dos Deputados - Zeca Ribeiro - 2.ago.23/Divulgação Câmara dos Deputados

A criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha em 2017, como uma iniciativa para compensar a ausência de financiamento das empresas (proibidas de doar em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal), foi um movimento positivo na medida em que permitiu o acesso a recursos para candidatos que não estavam alinhados com os interesses desses grandes doadores.

Mas a principal iniciativa para aumentar a representatividade parlamentar foi a definição de políticas de ações afirmativas para mulheres e pessoas negras, estabelecendo a equivalência entre o percentual de suas candidaturas e o de recursos públicos a serem repassados para suas campanhas.

Contudo, não é apenas a quantia de dinheiro disponibilizada que importa, mas também quando ele chega. O financiamento eleitoral é essencial para a divulgação das candidaturas e de suas plataformas políticas, mas isso requer acesso antecipado aos recursos. É no início da campanha que cada um planeja e organiza seus comitês e define suas estratégias. Aqui reside mais um desafio para a representação política dos grupos minorizados, que frequentemente relatam que os recursos para suas campanhas chegam a poucos dias da votação.

Na tentativa de amenizar o problema, para o pleito de 2022 o TSE aprovou uma resolução que determinava um prazo máximo para que os partidos repassassem os recursos determinados por lei para as campanhas de mulheres e pessoas negras. O repasse deveria ocorrer até 13 de setembro —faltando menos de três semanas para as eleições. Um prazo muito mais folgado para os partidos, mas que a maioria descumpriu. Segundo dados da nota técnica 4/2023 do ONMP, de 22 partidos representados na Câmara dos Deputados, 19 não repassaram os valores mínimos para candidatas a deputada federal até a data-limite. Somente PSOL, PC do B e Rede o fizeram.

Agora, com a data-limite mais próxima do início da campanha, espera-se um melhor desempenho eleitoral de mulheres e pessoas negras. No entanto, isso dependerá do cumprimento efetivo da regra pelos partidos, evitando repetir a situação de 2022.

Além do aperfeiçoamento das regras, é crucial uma fiscalização eficaz. É sabido que os partidos são criativos em contornar as normas de financiamento e frequentemente pressionam por anistias das penalidades impostas pela Justiça. A sociedade civil e a imprensa também têm um papel importante no monitoramento da atuação partidária, e sistemas específicos de acompanhamento disponibilizados pelo TSE e pelo ONMP podem facilitar essa tarefa.

Somente o esforço conjunto pode romper estruturas históricas de poder e construir processos políticos mais democráticos e representativos que melhor reflitam os interesses de diversos segmentos da população.

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