Doria usou helicópteros em feriados e na volta para casa em 'Sexta sem Carro'

Governador fez voos em aeronaves do governo para agendas na capital; estado fala em razões de segurança

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São Paulo

Um dos 435 deslocamentos do governador João Doria (PSDB) em aeronaves pagas pelo Governo de São Paulo em 2019 foi feito no dia de uma campanha que estimula o uso de transportes alternativos, a Sexta sem Carro. O estado cita razões de segurança para justificar os traslados aéreos do tucano.

Em 26 de julho, o registro dos voos de Doria, obtido pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação), mostra que ele usou o helicóptero do governo destinado ao transporte do governador para ir do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, para sua casa, no Jardim Europa (ambos na zona oeste).

Nessa data, a agenda pública do tucano teve apenas reuniões internas. Segundo levantamento da reportagem, ele utilizou helicópteros e aviões pagos pelo governo em 2 a cada 3 dias com compromissos externos.

João Doria (PSDB) e a primeira-dama Bia Doria durante evento no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, em julho
João Doria (PSDB) e a primeira-dama Bia Doria durante evento no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, em julho - Mathilde Missioneiro - 15.jul.2019/Folhapress

A maior parte dos traslados (82%) foi feita em aeronaves da frota do estado. O restante foi em voos fretados —que custaram aproximadamente R$ 1,34 milhão.

O levantamento abrange somente trajetos no território nacional, excluindo suas sete missões internacionais ao longo do ano —no total, ele passou 37 dias em viagens ao exterior.

Os deslocamentos aéreos, inclusive os realizados em distâncias consideradas curtas, são atribuídos pelo governo a uma determinação da Casa Militar, órgão responsável pela segurança do governador e da primeira-dama Bia Doria.

O Bandeirantes usou como argumento riscos que as autoridades paulistas correm por ações de enfrentamento a facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e disse que, mesmo assim, houve redução no número de horas voadas em comparação com 2018.

A Sexta sem Carro, que em julho caiu no dia 26, é uma campanha realizada pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) na última sexta-feira de cada mês, para "incentivar o debate sobre o uso do veículo na cidade".

O órgão de trânsito, ligado à Prefeitura de São Paulo, chega a fechar vias do centro da capital para a circulação de automóveis, como forma de chamar a atenção para a causa e "estimular o uso do transporte coletivo e as pequenas viagens a pé ou de bicicleta".

Uma simulação na plataforma Google Maps mostra que o trajeto feito por Doria pelos ares levaria entre 14 e 45 minutos se fosse feito de carro naquela data. A distância por terra é de aproximadamente 5 km. O último compromisso listado na agenda daquele dia no Bandeirantes terminou às 17h30.

De helicóptero, a mesma viagem dura entre 3 e 5 minutos, segundo estimativas.

O heliponto usado para embarque e desembarque do governador nos trajetos que têm sua casa como ponto de partida ou destino final fica no topo do edifício Plaza Iguatemi. O prédio abriga a sede do Grupo Doria, empresa fundada pelo governador e desde 2016 controlada pelos filhos dele.

O prédio, na avenida Faria Lima, está a cerca de 800 m da casa onde ele e a primeira-dama moram, na rua Itália.

O traslado de 26 de julho não foi a única vez em que Doria se valeu de aeronaves custeadas com dinheiro público para sair de sua residência ou voltar para ela. Na maioria dos casos, contudo, o trajeto foi feito como parte de plano de voo que incluía ida a mais pontos para cumprir agendas.

Outros voos que se restringiram à rota palácio-casa ocorreram em 28 de junho e 19 de julho.

No primeiro caso, os apontamentos dos voos registram um "traslado para residência", que levou a bordo Doria e o secretário estadual de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, que também é presidente do PSDB no estado.

No segundo, além do governador, viajaram a primeira-dama e o prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB). A justificativa foi: "traslado ao Plaza Iguatemi para embarque em helicóptero particular com destino a Campos do Jordão".

Os três voos do Bandeirantes para casa têm em comum o fato de que foram realizados em dias anteriores a viagens de Doria para Campos, onde o governador tem uma casa, a Villa Doria —cujo heliponto também serve para pousos e decolagens de aeronaves a serviço dele.

Nessas três idas a Campos, o tucano não utilizou aeronaves do estado para chegar à cidade, segundo o levantamento. Uma vez em Campos, porém, ele usou voos custeados com verba pública para, em duas oportunidades, cumprir agendas em municípios próximos.

O governo afirmou, em nota, que Doria é "o primeiro governador do estado a custear voos de helicópteros com recursos próprios, por meio de sua aeronave pessoal". Não detalhou, porém, quais trechos foram percorridos no helicóptero próprio, um Bell 429 com capacidade para oito pessoas.

​Na avaliação do professor de gestão pública da FGV-SP Marco Antonio Teixeira, a situação é controversa.

"Há uma zona cinzenta aí. Reforça a tese de que a fronteira entre público e privado não está clara na legislação e abre brechas para interpretações ao sabor do governante da hora", diz ele, que é cientista político.

Governador usou aeronaves também em feriados

Em feriados, quando congestionamentos na capital costumam ser menores, o que reduz o tempo no trânsito, Doria e Bia também utilizaram voos requisitados pela Casa Militar.

Em 7 de setembro, o helicóptero de prefixo PR-GSP, que pertence ao governo e é reservado para traslado de autoridades, pegou o casal no Plaza Iguatemi e o levou para o Museu do Ipiranga (zona sul), onde o governador fez solenidade para marcar o início das obras de recuperação do local.

Doria e Bia também usaram a aeronave em 1º de maio para sair de casa e ir ao autódromo de Interlagos (zona sul). Os dois participaram da abertura oficial do Senna Day Festival, que celebrou a história do piloto Ayrton Senna (1960-1994).

Viviane Senna, irmã do campeão da Fórmula 1 e presidente do Instituto Ayrton Senna, foi a anfitriã. Como mostrou a Folha, ela foi uma das pessoas que pegaram carona em voos com Doria —foi na volta de um evento do Lide, o grupo privado que o tucano fundou e do qual está oficialmente afastado.

Para comparecer à Marcha para Jesus, em 20 de junho (Corpus Christi), o casal também embarcou no helicóptero PR-GSP. A decolagem foi no Plaza Iguatemi e o pouso, em uma unidade militar nas imediações do evento evangélico. O tucano discursou em caminhão de som perto da Luz (região central).

Helicópteros a serviço do estado foram usados por Doria em todas as dez visitas mensais que fez em 2019 à Assembleia Legislativa de São Paulo, no Paraíso (zona sul), a cerca de 8 km da sede do governo.

A reunião de fevereiro com os deputados estaduais foi a única que aparentemente teve ao menos uma perna da viagem feita por terra —os registros do governo não explicam como ele chegou, mas mostram que ele só usou helicóptero para voltar para o palácio.

Deslocamentos do governador para a região central, em idas à Prefeitura de São Paulo, ao Tribunal de Justiça e a pontos na avenida Paulista e arredores, também foram feitos com transporte aéreo.

Doria desembarca em São Roque (SP) do helicóptero PR-GSP, que pertence ao governo e é usado para o transporte de autoridades; no local, governador participou de inauguração de aeroporto privado voltado à aviação executiva
Doria desembarca em São Roque (SP) do helicóptero PR-GSP, que pertence ao governo e é usado para o transporte de autoridades, em 16 de dezembro de 2019; no local, governador participou de inauguração de aeroporto privado voltado à aviação executiva - Cadu Rolim - 16.dez.2019/Fotoarena

A análise da tabela de traslados aéreos permite ver ainda que Doria chegou a fazer sete deslocamentos em um mesmo dia. Isso ocorreu em 22 de outubro e 18 de novembro.

No primeiro caso, um helicóptero do governo pegou o chefe do Executivo no heliponto perto de casa e rumou para o aeroporto de Congonhas, onde ele embarcou em um jato fretado (que custou R$ 60 mil ao governo) para a Araçatuba (SP). Lá outro helicóptero o aguardava para levá-lo a Lavínia (SP) e depois voltar.

Em Araçatuba, subiu no mesmo jato alugado, partiu em direção a Brasília e retornou à capital paulista. Ao pousar em Congonhas, usou helicóptero da frota paulista para seguir para casa.

As idas e vindas foram necessárias porque sua agenda incluiu inauguração de centro de detenção em Lavínia pela manhã, reunião à tarde com o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em Brasília, e encontros com empresários à noite no Bandeirantes.

Dos 264 dias em que sua agenda registrou compromissos no território brasileiro, em 70 dias ele teve atividades só dentro do palácio. Dos 194 dias em que saiu, Doria utilizou aeronaves para chegar até os destinos em 63,4% das vezes.

Outro lado

A Secom (Secretaria de Comunicação), em nota, disse que os deslocamentos do governador João Doria (PSDB) seguem "critérios de segurança, transparência e moralidade" e mencionou riscos ao tucano após a decisão de transferir líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) para presídios federais.

Segundo o Palácio dos Bandeirantes, houve diminuição de 33% nas horas voadas pelo chefe do Executivo no ano passado, em relação a 2018, ano em que o estado foi comandado por Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB).

"Não preciso desse tipo de benesse de governo", disse Doria nesta quarta-feira (15), após a publicação da reportagem da Folha, ao ser questionado em entrevista coletiva sobre os voos com aliados.

O tucano acumulou 120,9 horas voo, ante 180,4 horas no ano anterior, somando ​os períodos de Alckmin (janeiro a abril) e França (abril a dezembro), conforme o comunicado.

"Todos os deslocamentos do governador, terrestres ou aéreos, são planejados e executados pela Casa Militar, seguindo critérios de segurança, transparência e moralidade, de acordo com o decreto estadual nº 48.526, de 2004", afirmou a Secom.

"A norma estadual vigora há 15 anos e estabelece de forma clara as possibilidades do uso de aeronaves. A frota de aeronaves da PM teve uso de apenas 1,7% das suas horas voadas, realizadas em 2019, para o transporte do governador."

O valor total economizado por Doria não foi informado. O estado também não explicou se há regras para caronas ou se as autoridades podem convidar qualquer um para embarcar.​

O tucano tem à sua disposição um helicóptero do estado reservado para transporte do governador, além dos cerca de 30 helicópteros Águia da Polícia Militar e de um avião com capacidade para nove pessoas.

O governo ainda fretou aeronaves para a locomoção de Doria, que na maioria das vezes teve a companhia de secretários estaduais e assessores, cujo transporte aéreo está previsto na regulamentação estadual.

"Todos os deslocamentos e viagens aéreas, sem exceção, em que o governador e demais dignitários utilizaram aeronaves públicas ou locadas pelo governo foram realizados para cumprir compromissos funcionais e otimizar tempo de agenda", informou a Secom.

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