Acúmulo de vulnerabilidades pressiona candidatos em eleição em Francisco Morato

Cidade da Grande SP tem histórico de problemas sociais e áreas de risco; prefeita tenta reeleição com apoio de PT e PSL

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Francisco Morato tem moradias irregulares, que ficam em risco de deslizamento durante o período de chuvas

Francisco Morato tem moradias irregulares, que ficam em áreas com risco de deslizamento durante o período de chuvas Bruno Santos/ Folhapress

Mogi das Cruzes (SP)

Município mais populoso da zona norte da Grande São Paulo, a 30,5 km em linha reta da capital, Francisco Morato tem 13% de seus quase 178 mil habitantes morando em áreas de risco. Esse problema estrutural faz com que os moratenses se deparem a cada temporada de chuvas com o medo de novos deslizamentos.

A situação habitacional é uma das mais críticas de uma cidade que acumula vulnerabilidades.

Morato aparecia em maio como a segunda da Grande São Paulo com maior proporção de beneficiários do Bolsa Família, com quase 23%, atrás apenas de Juquitiba, segundo dados Ministério da Cidadania compilados pela Fundação Seade.

Em agosto, segundo a prefeitura, o programa impactou mais de 38 mil pessoas de 13 mil famílias beneficiárias do programa, 88% delas lideradas por mulheres.

“Francisco Morato é quase como se fosse um caso nordestino, mal comparando, dentro da realidade paulista”, diz o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo é proporcionalmente o quinto estado com menos beneficiários do programa, com quase 10%.

A demanda por programas sociais aumentou durante a pandemia. Cerca de 41 mil pessoas na cidade receberam pelo menos uma parcela do benefício do auxílio emergencial, de R$ 600, do governo federal.

É nesse cenário de muitos problemas para resolver que a eleição terá a disputa entre a atual prefeita Renata Sene (Republicanos), com uma coligação ampla de partidos, e quatro adversários — Marcos Alabe (PTB), Jonatha Coelho (Solidariedade), Rogério Lafrione (PDT) e Alex Reis (MDB).

Os candidatos terão que lidar com uma questão estrututal para resolver na cidade: a construção de casas em áreas de risco.

O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, que trabalhou durante trinta anos no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo), aponta o problema acentuado em Morato como algo comum na região metropolitana de São Paulo.

Ele afirma que desde a década de 1950 o custo da moradia empurrou os mais pobres para periferias e encostas, num processo que ele chama de “apartheid social”.

“Estamos avançando [em Morato] sobre relevos acidentados, ocupando áreas que não deveriam ser ocupadas e outras que poderiam ser ocupadas, terrenos inclinados, mas com técnicas inadequadas de terraplanagem", diz Santos.

Em fevereiro, a queda de um barranco no bairro Jardim São João resultou na morte de Alexandre, de 10 anos, filho do auxiliar de eletricista Cirilo Brito Conceição, 40, após o teto da casa da família ceder.

Desde 2017, o pai diz ter cobrado várias vezes da prefeitura uma solução para evitar a queda da encosta.

Ele conta que a última queixa foi em janeiro, um mês antes de seu filho ser soterrado e retirado do local por vizinhos. O apoio da prefeitura se restringiu ao auxílio aluguel, sem atendimento psicológico para a família, diz o pai.

“Ela [prefeita] precisa melhorar muito a gestão de Morato. Só vejo melhoria no centro da cidade. Para eles [políticos], somos porcos revirando na lama", diz Cirilo, que está decidido a não votar na próxima eleição.

A prefeitura diz lamentar a morte da criança e que a família recebeu auxílio da secretaria de assistência social. O bairro de Cirilo não está entre as 91 áreas da cidade classificadas em 163 setores de risco, onde vivem cerca de 24 mil pessoas.

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“Infelizmente, a casa foi feita sem as devidas licenças e sem obedecer aos critérios que garantem a segurança da construção”, diz a prefeitura.

Atualmente, 10 mil pessoas vivem nos 107 setores da cidade classificados como de alto ou de muito alto risco, onde a gestão municipal afirma já ter realizado sete grandes obras com o Ministério do Desenvolvimento Regional.

“É uma área que o município tem que organizar, o pai tem razão. A prefeitura tem que responder com ainda mais presteza e é o que a gente pretende”, diz a prefeita, que busca a reeleição.

Um homem ao fundo dos escombros de uma casa segura o retrato de um garoto. Do lado de fora, a vista da rua de terra e casas empilhadas nas encostas
Cirilo Brito da Conceição segura a foto do filho, morto após a casa da família, no Jardim São José, ser atingida por um deslizamento de terra - Bruno Santos - 24.set.2020/Folhapress

O geólogo Santos diz que a solução para municípios com orçamento baixo passa pela assistência técnica e financeira dos governos estadual e federal para elaboração da carta geotécnica e da carta de risco. A primeira mostra as áreas que não podem ser ocupadas, e a segunda divide a cidade em níveis diversos.

A prefeitura diz que os dois documentos estão em fase final de conclusão. Em 2017, foi feito um plano de metas de recuperação das áreas de risco e iniciado o monitoramento da defesa civil, com emissão de alertas em períodos de chuva. A administração busca recursos federais e estaduais para um plano habitacional.

“Nós temos áreas referenciadas para isso. Já manifestamos ao governo federal, logo nos primeiros anos da gestão, a necessidade de programas de habitação”, diz a prefeita, que aponta a dependência desse suporte.

Dados do IBGE mostram que, em 2015, 80% das receitas do município vinham de fontes externas.

Mais experiente entre os adversários, Alabe destaca que a ocupação irregular de áreas públicas e privadas vem da década de 1980 e que os prefeitos sempre fizeram vista grossa para o problema.

"Nossa preocupação é fazer a regularização fundiária e fazer um programa de habitação popular com casas populares para justamente remover essas pessoas que moram em áreas de risco", diz.

Coelho também fala da regularização fundiária a partir de um mapeamento geológico e uma planta topográfica, além da criação de programas de moradia em parceria com governos e a iniciativa privada.

Também candidatos, o vereador Alex Reis e o empresário Rogério Lafrione vão na mesma linha. Reis diz que as parcerias são a forma de resolver o problema. Lafrione acrescenta a necessidade de reflorestar as áreas após a desocupação e criar abrigos temporários.

Moradores ouvidos pela reportagem dizem que a conclusão de obras, como o esqueleto do paço na entrada da cidade, são marcas a favor da prefeita. A pressão feita por ela para que o governo do estado terminasse a reforma da estação da Linha 7-Rubi, na cidade, iniciada em 2013 e entregue em agosto, também é lembrada.

Segundo a CPTM, foi preciso rever o projeto inicial, devido a necessidade de adequar as vias férreas e um atraso da prefeitura na entrega de obras de drenagem.

Outra melhoria foi na ponte seca, que liga a Vila Espanhola à região central por baixo da linha férrea, revitalizada em 2017, com iluminação e pintura. Moradores reclamam da segurança à noite no local, onde assaltos são comuns.

Uma mulher dentro de um túnel, escuro apesar das lâmpadas de led e paredes brancas
Moradora de Francisco Morato atravessa o túnel da Ponte Seca, local onde os moradores dizem sofrer com a falta de segurança à noite - Bruno Santos - 24.set.2020/ Folhapress

Para tentar a reeleição, a prefeita conseguiu apoio de oito siglas, entre elas PT e PSL, que dividiram a cidade na eleição presidencial de 2018. Morato foi o único município da região em que Fernando Haddad (PT) venceu Jair Bolsonaro, num resultado apertado com 50,87% para o petista dos votos contra 49,13% do atual presidente.

O ator de teatro Eduardo Bartolomeu, 37, foi um dos eleitores do candidato do PT.

“Morato não é diferente de outras periferias. Tem muita pobreza, igrejas evangélicas, algo que acho que está alimentando a ascensão dessa direita nociva. O que diferencia é que temos muitos nordestinos [23,24% dos moradores, segundo o censo de 2010, vieram da região] e sinto que há um olhar diferente para a política”, diz.

Agora do mesmo lado, representantes do PT e do PSL disseram à Folha que o apoio é dado ao Republicanos, sigla da candidata. Sene diz se identificar como progressista e afirma que não negociou espaço no governo com petistas e pesselistas.

Como é comum em disputas locais, em Morato é difícil classificar a ideologia do candidato olhando ápenas o partido ao qual ele está filiado. O prefeito que mais comandou a cidade foi Zezinho Bressane, primeiro pelo PSDB e depois pelo PT, siglas rivais nacionalmente desde os anos 1990.

Nas últimas duas eleições, os candidatos que tentaram se reeleger na cidade fracassaram. Neste ano, os adversários de Sene tentarão fazer a história se repetir apostando na priorização dos bairros, construção de viadutos e geração de empregos.

Coelho diz ter ao seu lado mais de 120 comerciantes locais e que seu foco será gerar empregos e atrair empresas. Assim como ele, Lafrione, Reis e Alabe prometem obras de infraestrutura.

"Em Francisco Morato todos os prefeitos se dedicaram a fazer uma maquiagem no centro da cidade e abandonaram as periferias e a resposta veio de imediato: nenhum foi reeleito", diz Alabe.

Homem passando diante da rua do prédio da prefeitura
O paço municipal de Francisco Morato, obra parada desde 2012 e entregue em junho - Bruno Santos - 24.set2020/Folhapress

Colaborou Flávia Faria

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