Descrição de chapéu Eleições 2020

Escolha de vice e elo com Doria desafiam Bruno Covas em campanha com clima de já ganhou

Pré-candidato à reeleição apostará em debate sobre questões da cidade e discurso de defesa da política

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São Paulo

A poucos dias de o PSDB confirmar a candidatura de Bruno Covas à reeleição, uma dúvida e uma certeza agitam os bastidores da campanha: o posto de vice continua vago, à espera de uma decisão considerada delicada, e o elo do prefeito com o governador João Doria (PSDB) é um tema a ser enfrentado.

Aliados políticos e assessores do prefeito de São Paulo têm demonstrado nos bastidores um clima de certeza da vitória. Parte da equipe chega a prever um triunfo já em primeiro turno, ao mesmo tempo em que outros integrantes evitam comemorar precocemente e, assim, dar combustível a seus rivais.

À frente do Executivo municipal desde abril de 2018 (quando Doria, de quem era vice, saiu para disputar o governo do estado), Covas é favorito à reeleição nas sondagens internas de partidos aliados e adversários.

Pesam ainda nesse clima de otimismo os atritos na esquerda (entre as candidaturas de PT e PSOL) e a ausência de um candidato oficial apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A convenção do PSDB que oficializará Covas como postulante será no próximo dia 12.

Em relatos feitos à Folha, integrantes da campanha afirmaram que as preocupações no momento estão ligadas à preparação do que seria um terreno seguro para a reeleição. O trabalho, segundo eles, inclui acertos partidários, calibragem de discurso e "vacinas" para temas espinhosos.

No passo mais urgente a ser dado, a escolha do (ou da) vice tem demandado longas conversas, na tentativa de contemplar arranjos com as legendas aliadas (Covas possui a maior coligação até aqui, com oito siglas), mas também de afastar nomes que eventualmente criem algum problema.

Em uma comparação com o futebol, correligionários dizem jogar pelo empate: o vice não precisa agregar atributos decisivos para a reeleição, mas não pode ser alguém que traga atritos dispensáveis ou passivo de escândalos. É preciso ter certeza, ainda, de que o companheiro de chapa manterá lealdade ao prefeito durante o mandato no caso de vitória.

Com a desistência do apresentador José Luiz Datena, que é filiado ao MDB e era dado como certo para a função, entraram no páreo nomes como os da ex-prefeita Marta Suplicy (Solidariedade), da senadora Mara Gabrilli (PSDB) e do deputado federal Celso Russomanno (Republicanos, hoje pré-candidato a prefeito).

Nas palavras de um integrante do PSDB, mais do que acertar, é preciso não errar na decisão. Marta, apesar de ter se oferecido para a posição, está praticamente descartada por causa do histórico de 33 anos no PT. A hipótese de chapa pura, com dois tucanos, é fortemente cogitada.

A definição passa por um acordo com partidos aliados, principalmente Democratas e MDB, peças-chave de uma negociação costurada por Doria com vistas à sua virtual candidatura à Presidência da República em 2022.

A relação do prefeito com o governador, aliás, é desde já uma questão monitorada pelos estrategistas de Covas, que calculam os prós e contras de uma participação mais efetiva de Doria na campanha.

Outsider eleito no primeiro turno em 2016, Doria deixou a prefeitura com reprovação em alta e perdeu na capital para o rival Márcio França (PSB), hoje pré-candidato a prefeito, no segundo turno da eleição de 2018 ao governo. Acabou vencendo o pleito com margem pequena, de 4%, empurrado pelos votos do interior do estado.

Oponentes de Covas de variados campos, desde Guilherme Boulos (PSOL) até Joice Hasselmann (PSL), passando por França, Jilmar Tatto (PT) e Filipe Sabará (Novo), têm mirado no governador para acertar no prefeito, difundindo o discurso de que os dois tucanos são faces de um mesmo projeto.

O peso de Doria na campanha será calibrado com o andar da disputa. Se está descartado plano mais radical para descolar as imagens do prefeito e do aliado (o que poderia soar como ingratidão ou sinalizar conflito), tampouco há intenção de superdimensionar o tamanho do governador e presidenciável.

Aliados de Doria afirmam que ele participará da campanha, dentro do que sua agenda e a legislação eleitoral permitirem, mas parte do PSDB pressiona para reduzir as aparições ao mínimo.

Wilson Pedroso, chefe de gabinete de Doria, assumiu o posto de coordenador-geral da campanha municipal do partido. O governador, por sua vez, tem mantido posição discreta e evitado interferências.

A estratégia planejada para as propagandas, entrevistas e debates de Covas prevê que ele defenda a solução de problemas por meio política, apresentando-se com todas as letras como um político. Ele também ostentará o discurso de que é um prefeito que gosta de exercer esse papel e não usa o cargo como trampolim para outros mandatos.

Implicitamente, as mensagens são um contraponto a desgastes sofridos por Doria, empresário que se elegeu com o rótulo de gestor, surfou a onda de negação da política e caiu em descrédito ao abandonar a prefeitura com 15 meses de gestão, após a tentativa de se cacifar no PSDB para disputar o Planalto em 2018.

Covas entregou a coordenação de comunicação a Felipe Soutello, que foi marqueteiro da campanha de França ao Palácio dos Bandeirantes em 2018. O consultor já trabalhou com o PSDB em outras eleições.

O prefeito quer imprimir um tom municipal à disputa, na contramão da maioria dos adversários, que buscam uma nacionalização, em uma espécie de plebiscito sobre Bolsonaro.

A expectativa na equipe de Covas é centrar o debate em questões da cidade. Ele pretende apresentar um resumo de suas realizações em pouco mais de dois anos, como entregas de hospitais, de CEUs (Centros de Educação Unificados) e de obras de zeladoria urbana, como asfaltamento e iluminação.

Recentemente, a reforma do Vale do Anhangabaú sofreu uma série de críticas depois que viralizou nas redes sociais uma foto da obra. Com inauguração prevista para este mês, a revitalização foi questionada por candidatos adversários, tanto pelos resultados quanto pelo custo de R$ 94 milhões.

O enfrentamento à pandemia de Covid-19 será explorado como um aspecto positivo da gestão, ao mesmo tempo em que oponentes apontam problemas na condução da crise, citando os recuos na adoção de um rodízio ampliado de carros e no fechamento de vias para diminuir a circulação de pessoas.

"A postura de Bruno [como candidato à reeleição] tem sido cautelosa e objetiva", diz o ex-presidente do PSDB estadual José Aníbal, comparando o prefeito ao avô Mário Covas (1930-2001).

"Mário Covas tinha profundo respeito pelo eleitor. Eleição ganha não existe. Existe campanha bem construída e coordenada, com propósito e valores", completa o ex-senador.

Para ele, o desafio do correligionário agora será buscar os eleitores e mostrar o que foi feito em sua administração. "Mário Covas dizia que o eleitor não erra, mas pode estar desinformado."

Aspectos mais subjetivos do atual prefeito, como a imagem de superação construída a partir de sua batalha contra um câncer no trato digestivo, e o laço sanguíneo com Mário Covas, que foi prefeito e governador de São Paulo e um dos fundadores do PSDB, devem aparecer com moderação.

Covas continua em tratamento contra a doença, detectada no ano passado. Pessoas próximas dizem que ele está bem disposto e quase curado. Boletins médicos recentes atestaram eficácia das técnicas de terapia e afirmaram que ele está em boas condições de saúde e liberado para atividades, sem restrições.

A ordem é que o personagem central da campanha seja, de fato, Bruno Covas (que assim será chamado, com nome e sobrenome). Daí a intenção de deixar de lado questões envolvendo Doria, Bolsonaro e a disputa de poder entre eles —se o plano poderá ser mantido, aí já é outra história.

"Esta será uma campanha para discutir as questões da capital. A pauta nacional entra na discussão quando envolver os interesses da cidade de São Paulo", afirma Fernando Alfredo, presidente do PSDB municipal.​

A pretensão de passar ao largo de escândalos que envolveram caciques do PSDB paulista nos últimos tempos dependerá do apetite dos adversários para resgatar recentes acusações de corrupção e caixa dois contra o senador José Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin.

Alckmin deixou o posto de coordenador do plano de governo de Covas depois de ser denunciado pelo braço eleitoral da Lava Jato em São Paulo, mas segue contribuindo com o PSDB municipal.

Como mostrou o Painel, Covas está tentando se desconectar das suspeitas contra os correligionários. "Não há nenhum áudio de Serra ou Alckmin pedindo dinheiro", disse, buscando diferenciá-los do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), gravado solicitando R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista.

A tendência é que ele busque se distanciar dos casos, afirmando que não está implicado nas investigações e que cada político deve responder por seus atos. Parte dos assessores do prefeito acredita serem baixas as chances de rivais trazerem à tona as acusações, já que também têm colegas de sigla envolvidos em denúncias de desvios.

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Campanha de Bruno Covas à reeleição

Pontos favoráveis

  • Aparece como favorito em sondagens internas de partidos aliados e adversários
  • Deve ter o maior tempo de propaganda gratuita na TV e no rádio
  • Seu partido, o PSDB, está unificado em torno de seu nome, diferentemente do que ocorre no PT e no PSL
  • Até então pouco conhecido, ganhou projeção nacional ao travar publicamente luta contra o câncer
  • Adversários diretos têm pouca tradição eleitoral na capital e outros possuem baixa experiência na política e na administração pública

Pontos problemáticos

  • Elo com Doria é questionado por adversários, que acusam o hoje governador de ter usado o cargo de prefeito da capital como trampolim
  • Escândalos envolvendo colegas tucanos como Serra e Alckmin podem ser explorados
  • Teve até agora dificuldade em apresentar obras e programas de seus cerca de dois anos de gestão
  • Por estar no cargo, está mais suscetível a ser cobrado por problemas atuais da cidade, inclusive os decorrentes da pandemia
  • Estado de saúde ainda inspira cuidados, o que deve aumentar o escrutínio sobre o vice, que assume a prefeitura em caso de afastamento
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