Descrição de chapéu Eleições 2020

Eleições municipais têm 'ressaca' de 2018, marcado por brigas sobre política

Campanhas e eleitores dividem percepção de um ambiente menos polarizado nas redes sociais

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São Paulo

“Menino, eu nem entro mais no Facebook. Nos últimos tempos, só debato as coisas pessoalmente. E com isso de pandemia, não tenho encontrado muita gente”, diz a radialista Vivan Alano, 35, sobre o uso das redes sociais para discutir política durante o período eleitoral que se encerra neste domingo (29).

Em 2018, o depoimento de Alano deu para a Folha foi diferente, e a mudança de tom dá a medida de um arrefecimento na rivalidade entre eleitores de lá pra cá.

As eleições municipais refletiram uma espécie de “ressaca” das brigas, dos conflitos e da polarização ocorrida no pleito passado, que opôs Jair Bolsonaro (sem partido), na época no PSL, e Fernando Haddad (PT), que assumiu a chapa no lugar do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, na época preso.

Faz dois anos. Com a eleição de Bolsonaro, Alano decidiu criar no Facebook a página "Natal dos Desgarrados Antifascistas Pós-Eleições 2018". Teve mais de 6.000 adesões. O evento na rede social foi uma maneira de Vivian, "pelo menos rir dessa desgraça toda", disse à ocasião. "Era tanta gente brigando que eu já imaginei a catástrofe que seria a ceia", afirma.

A mesma reportagem da Folha com o título “Brigas políticas levam tensão às confraternizações de Natal” retratou um país cindido entre o “ele sim” e o “ele não”. O texto trouxe o depoimento da blogueira e então militante bolsonarista Vivi Amstalden, 35.

Os candidatos à prefeitura de São Paulo, Bruno Covas e Guilherme Boulos, no debate de segundo turno na Band - Danilo Verpa/Folhapress

Na época, Amstalden relatou divergências com familiares do lado materno e uma birra específica com uma prima de 17 anos, que descrevia como uma jovem “criada em apartamento”. Segundo disse, a parente tinha iPhone, se dizia feminista e achava que o mundo era “socialismo puro". Desta vez, Amstalden não quis falar ao jornal. Após ter uma filha, ela deixou o debate políticos para trás.

“Mesmo os aliados do Bolsonaro nas eleições de 2018 não assumem mais o discurso público de ódio. Estão tentando se descolar dele. A polarização tinha muita ligação com o ódio que o partido do presidente propaga, isso certamente diminuiu”, disse a educadora Karla Roberta Brandão de Oliveira, 46, que deu seu depoimento para outra reportagem da Folha, no fim do ano passado, ainda sobre os efeitos da polarização política nas festas de família.

Também contribuiu "decisivamente" para a diluição do confronto entre dois polos o fim das coligações nas eleições proprocionais, diz a doutora em Ciências Sociais Deisy Cioccari.

"Já que não tinha como maximizar as bancadas [de vereadores], os partidos tiveram que lançar candidados a prefeito, e consequentemente aumentou o número de candidatos municipais, o que dificulta a formação de dois blocos adversários na formação da polarização", diz Cioccari.

Karla Roberta Brandão de Oliveira passou o Natal do ano passado longe da família depois que Bolsonaro foi eleito - Zanone Fraissat/Folhapress

Para ela, esse cenário também foi influenciado pela presença menos incisiva de um presidente que está sem partido atualmente e que hoje encontra adversários na própria direita que ele representa.

"A eleição municipal também tem uma característica que vale a gente lembrar sempre. Ela não é feita na TV ou em um cenário maior. Ela é feita na padaria, na praça da cidade, na feira. Não tem espaço para essa polarização tão forte, que existe no cenário nacional", afirma.

A palavra “ressaca” utilizada no início deste texto foi usada pelo publicitário Daniel Braga, que coordenou a campanha de Joice Hasselmann em São Paulo, depois de ter trabalhado nas redes sociais de João Doria, Marcelo Crivella e Henrique Meirelles. Para ele, “pai e filho ou tio e sobrinho não querem mais brigar”, com reflexo no comportamento de internautas.

Braga diz que, ao menos no primeiro turno, esse mesmo recuo dos ânimos exaltados de 2018 representou uma queda no engajamento nas redes. Quando falam sobre engajamento, os publicitários se referem à forma como o internauta interage com cada uma das publicações de cada candidato. Também servem para contabilizar a audiência das campanhas o número de seguidores e as visualizações de cada uma das postagens no Facebook, Instagram e Twitter.

Para Felipe Soutello, da campanha de Bruno Covas (PSDB), a polarização diminuiu nessas eleições porque o líder de intenções de votos nas pesquisas adotou a estratégia de não responder às provocações.

“A polarização é menor porque você tem dois grupos agora que adotam comportamentos distintos. Um grupo adota a postura de militância de aguerrimento, mas ele não encontra resposta no outro grupo”, afirma, sobre a campanha de Guilherme Boulos (PSOL), que tem sido mais agressiva na disputa.

Covas foca sua campanha na sua gestão como prefeito, após assumir o cargo depois da saída de João Doria. Boulos tem apostado na popularidade da vice, Luiza Erundina, na periferia de São Paulo e, tanto na televisão como nas redes, faz diversas menções a Covas. Para Soutello, “a crença em fake news neste pleito também diminuiu muito”, retomando um clima menos polarizado.

O candidato do PSOL usa seu espaço para associar o adversário a João Doria, que deixou a prefeitura para se candidatar ao governo em 2018, e também ataca o vice do atual prefeito, Ricardo Nunes (PMDB), alvo de investigação da promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público do Estado. A promotoria apura indícios de superfaturamento no aluguel de creches privadas que mantêm convênio com a prefeitura.

Se considerados Instagram, Facebook e Twitter, Boulos disparou em relação ao adversário, segundo Manoel Fernandes, diretor da BITES, empresa especializada em opinião pública digital.

Desde que a campanha começou em São Paulo em 27 de setembro até a tarde desta terça, diz, conseguiu 32 milhões de interações. Covas ficou com 7,7 milhões. Pode ser uma explicação para que Boulos também tenha crescido nas pesquisas de intenção de voto.

“Amparado na sua densidade política analógica e na exposição obtida durante a pandemia da Covid-19, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, deixou a comunicação digital em segundo plano na sua campanha”, diz Fernandes.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta (26), Covas tem 54% dos votos válidos, e Boulos, 46%. A diferença para as primeiras pesquisas no segundo turno caiu de 16% pontos para os atuais 8%.

A título de comparação, no primeiro turno de 2018, entre 16 de agosto e 7 de outubro, os 23 mil posts publicados por todos os candidatos conseguiram 225 milhões de interações, tendo Bolsonaro concentrado 48% delas.

A campanha de Boulos não reconhece a queda no engajamento, “pelo contrário, nossa candidatura teve um engajamento recorde nesta campanha, diz Josué Rocha, coordenador da campanha de Boulos.

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