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Inquéritos baseados na Lei de Segurança Nacional apontam banalização de ações

Maioria das investigações abertas a pedido do governo tem sido arquivada pelo Ministério Público

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São Paulo

Em outubro do ano passado, um delegado da Polícia Federal pediu que agentes em Santa Catarina procurassem uma mulher que fez o seguinte comentário numa discussão sobre o presidente Jair Bolonaro no Instagram: "Uma facada verídica resolveria tudo". Não há notícia de que a tenham encontrado.

Poucos meses antes, a polícia interrogou no interior de São Paulo um participante de um grupo que faz críticas ao Supremo Tribunal Federal nas redes sociais, chamado "Eu tenho vergonha do STF". Ele afirmou que só havia compartilhado duas mensagens do grupo e não tinha intenção de ofender ninguém.

Embora estejam em campos políticos opostos, essas duas pessoas têm algo em comum. Ambas foram atingidas pela onda de inquéritos abertos para investigar crimes definidos pela Lei de Segurança Nacional, que foi editada em 1983, nos estertores da ditadura militar, e continua em vigor até hoje.

Outdoor com críticas ao presidente Jair Bolsonaro instalado em Palmas (TO) em agosto de 2020, alvo de inquérito da Polícia Federal em 2021. - Reprodução

A investigação que atingiu a mulher de Santa Catarina foi aberta a pedido do Ministério da Justiça, após uma representação do deputado bolsonarista José Medeiros (Pode-MT) contra o deputado Túlio Gadelha (PDT-PE), que curtiu o comentário sobre a facada. A polícia informou Gadelha que ele não é investigado.

O homem ouvido em São Paulo sobre o grupo anti-STF foi um dos que caíram na mira do ministro Alexandre de Moraes, que conduz um inquérito sigiloso para investigar notícias falsas e ataques aos ministros do Supremo. O caso de São Paulo foi arquivado a pedido do Ministério Público em junho.

A Polícia Federal afirma ter aberto 77 inquéritos com base na lei da ditadura em 2019 e 2020, mas não fornece detalhes sobre as investigações, que são sigilosas. O número atingido nesses dois anos supera o registrado nos quatro anos anteriores, quando a corporação diz ter instaurado 44 inquéritos.

A Folha conseguiu reunir nas últimas semanas informações sobre casos de 35 pessoas atingidas pela onda de investigações, com base em documentos oficiais obtidos com a Lei de Acesso à Informação e outros fornecidos pelo Ministério Público Federal e por advogados que acompanharam os inquéritos.

O levantamento incluiu também investigações de caráter preliminar conduzidas por procuradores da República para examinar queixas de políticos e cidadãos comuns e casos em que o Ministério da Justiça pediu à PF para investigar ofensas à honra de Bolsonaro sem enquadrá-las na Lei de Segurança Nacional.

Na maioria dos casos, os inquéritos têm sido arquivados pelo Ministério Público e pela Justiça, sem maiores consequências para os investigados. Mas críticos da lei acusam Bolsonaro e o Supremo de usá-la para intimidar opositores e restringir a liberdade de expressão, garantida pela Constituição.

Em um exemplo recente, a Polícia Civil do Rio intimou o youtuber Felipe Neto a depor sobre um tuíte em que ele chamou Bolsonaro de genocida por ter atacado vacinas que oferecem proteção contra a Covid-19. O inquérito foi aberto a pedido do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.

A juíza estadual Gisele Guida de Faria suspendeu a investigação, argumentando que não cabe às polícias estaduais investigar crimes contra a segurança nacional, de alçada federal. O delegado do caso, Pablo Sartori, informou à Justiça que conduzia outros quatro inquéritos semelhantes, todos sigilosos. ​

Sete partidos políticos moveram ações no Supremo para questionar dispositivos da lei, ainda não julgadas. No último dia 20, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para votar um projeto que revoga a legislação e a substitui por uma lei que redefine os crimes contra a segurança nacional.

A própria Câmara recorreu à lei em março ao pedir a Alexandre de Moraes que investigasse a conduta do humorista Danilo Gentili, acusado por deputados de pregar violência contra os parlamentares num tuíte publicado em fevereiro. O ministro diz que Gentili não tem prerrogativa para ser investigado pelo STF.

O Ministério da Justiça pediu à PF a abertura de inquéritos que investigaram pelo menos 12 pessoas, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o ex-candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) e os jornalistas Hélio Schwartsman e Ruy Castro, colunistas da Folha.

A maioria dos pedidos foi feita durante a gestão do ministro André Mendonça, recentemente deslocado para a chefia da Advocacia-Geral da União. Partidos de oposição pediram ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que investigue a conduta do ministro, a quem ele pediu esclarecimentos.

O caso de Lula e as investigações sobre outras cinco pessoas atingidas pelos inquéritos instaurados por solicitação do Ministério da Justiça já foram arquivadas, a pedido do Ministério Público. O Superior Tribunal de Justiça suspendeu os inquéritos abertos contra Schwartsman e o advogado Marcelo Feller.

Em todos esses casos, a conclusão foi que os investigados manifestaram opiniões e fizeram críticas legítimas. Para o ministro do STJ Jorge Mussi, que mandou suspender os inquéritos sobre Schwartsman e Feller, não houve "lesão real ou potencial" à segurança do país, nem atentado contra as instituições.

"Muitas vezes é difícil estabelecer limite entre a liberdade de expressão e tentativas de atentar contra as instituições", afirma a advogada Marina Pinhão Coelho Araújo, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. "Só uma nova lei permitirá construir um entendimento mais uniforme no Judiciário."

O levantamento feito pela Folha indica que os únicos inquéritos que produziram consequências sérias para os investigados foram os que tiveram como alvo aliados de Bolsonaro, como o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que se tornou réu na última quarta (29) por causa de seus ataques ao STF em fevereiro.

Silveira está em prisão domiciliar por ordem de Moraes, assim como o jornalista bolsonarista Oswaldo Eustáquio, um dos aliados do presidente que são investigados sob suspeita de terem articulado atos antidemocráticos no ano passado, contra o Congresso e o Supremo. O inquérito tramita sob sigilo.

"Um congressista que jurou defender a Constituição deve ser submetido a padrões mais rigorosos quando seu discurso incentiva o ódio e o descrédito nas instituições", diz o advogado Davi Tangerino, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo. "O sistema precisa reprimir casos assim."

Outro processo que avançou na Justiça foi o movido contra o coronel da reserva do Exército Antônio Carlos Alves Correia, que atacou a ministra Rosa Weber e outros integrantes do STF na reta final da campanha presidencial de 2018, em vídeos que lançavam suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral.

O procurador José Maria Panoeiro, do Rio, acusou o coronel de incitar animosidade entre as Forças Armadas e o Judiciário. Como o crime é considerado de baixo potencial ofensivo, com pena mínima de um ano de prisão, o Ministério Público propôs a suspensão condicional do processo, aceita pela Justiça.

A suspensão livrou Alves Correia de condenação e deverá levar à extinção do processo no fim deste ano, se até lá o coronel respeitar as condições estabelecidas pela Justiça, que exigem prestação de contas de suas atividades a cada três meses e o proíbem de publicar mensagens contra o Judiciário na internet.

Conheça 20 atingidos por investigações de crimes da Lei de Segurança Nacional e opositores de Bolsonaro

FELIPE NETO (mar.2021)

Enquadramento: LSN, Código Penal

Crime investigado: calúnia contra o presidente

Situação: inquérito suspenso pela Justiça

O youtuber Felipe Neto virou alvo de um inquérito da Polícia Civil do Rio em março deste ano, quando publicou um vídeo com declarações do presidente Jair Bolsonaro contra vacinas e o chamou de genocida no Twitter. A Justiça Estadual mandou suspender a investigação no dia 18 de março.

O delegado que abriu o inquérito, Pablo Sartori, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, atendeu a uma representação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. Ele apresentou queixa contra Felipe quatro dias após a publicação do tuíte contra Bolsonaro.

O policial chegou a intimar o youtuber para depor, mas ele pediu habeas corpus à Justiça. A juíza Gisele Guida de Faria, que suspendeu a investigação, afirmou que não cabe às polícias estaduais investigar crimes contra a segurança nacional e a honra do presidente, que são de alçada federal.

DANIEL SILVEIRA (fev.2021)

Enquadramento: LSN, Código Penal

Crimes investigados: incitação à animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições, tentativa de impedir o funcionamento do Judiciário, coação

Situação: réu no STF, em prisão domiciliar

O Supremo Tribunal Federal aceitou nesta quarta (28) denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), preso em fevereiro após a divulgação de um vídeo em que atacou ministros do STF e defendeu o AI-5, ato que inaugurou a fase mais repressiva da ditadura militar.

Com o recebimento da denúncia, o STF tornou o parlamentar réu e abriu ação penal para processá-lo e julgá-lo. Sua prisão foi mantida. O Ministério Público acusa Silveira de incitar animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições democráticas e tentar impedir o funcionamento do Judiciário.

Aliado de Bolsonaro, Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes. A Câmara dos Deputados confirmou a prisão dias depois. O deputado está preso em regime domiciliar e enfrenta processo no Conselho de Ética da Câmara, que poderá levar à cassação do seu mandato.

RUY CASTRO E RICARDO NOBLAT (jan.2021)

Enquadramento: Código Penal

Crime investigado: incentivo a suicídio ou automutilação

Situação: sem intimação

Em janeiro deste ano, numa de suas colunas na Folha, o jornalista Ruy Castro afirmou que o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que perdera a eleição para o democrata Joe Biden e estava prestes a deixar o poder, deveria se suicidar, e sugeriu que Bolsonaro fizesse o mesmo.

"Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo", escreveu o colunista. "Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo demais."

O ministro André Mendonça pediu inquérito para apurar o crime do artigo 122 do Código Penal, incitação ao suicídio e à automutilação, e pediu que o jornalista Ricardo Noblat, que compartilhou o artigo no Twitter, também fosse investigado. Ruy Castro não recebeu notificação para depor até hoje.

ERIKA SURUAGY (dez.2020)

Enquadramento: Código Penal

Crime investigado: injúria contra o presidente

Situação: inquérito arquivado sem denúncia

Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Erika foi investigada por causa de um outdoor em Recife que culpava Bolsonaro pelas mortes por Covid-19. Ela foi uma das responsáveis pela contratação da publicidade em dezembro, quando era dirigente da Associação de Docentes da Uferpe.

Outdoor que culpa o presidente Jair Bolsonaro pelas mortes por Covid-19, contratado pela Associação de Docentes da Universidade Federal Rural de Pernambuco em 2020. - Reprodução

O inquérito foi solicitado pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça, Tercio Issami Tokano, a pedido do próprio presidente Jair Bolsonaro, que achou o outdoor ofensivo. "O senhor da morte chefiando o país. No Brasil, mais de 120.000 mortes por Covid-19", era a mensagem do painel.

O caso foi arquivado pela Justiça Federal de Pernambuco, a pedido do Ministério Público. "O conteúdo veiculado no outdoor não ultrapassa o constitucionalmente aceitável em críticas a autoridades políticas", disse o juiz Francisco Renato Codevila Pinheiro Filho em despacho no dia 19 de abril.

CIRO GOMES (nov.2020)

Enquadramento: Código Penal

Crime investigado: injúria contra o presidente

Situação: inquérito em andamento, sob sigilo

No mesmo ofício em que pediu ao Ministério da Justiça medidas contra os responsáveis pelo outdoor de Recife, Bolsonaro disse que também considerava ofensivas declarações do ex-ministro Ciro Gomes numa entrevista concedida à Rádio Tupinambá, de Sobral (CE), em novembro.

"O Bolsonaro para mim é um boçal, irresponsável e criminoso. E ladrão", afirmou Ciro. "Ele é ladrão, os filhos são ladrão, e ele corrompeu os filhos." Ciro pretende disputar a sucessão de Bolsonaro em 2022 e desafiou o presidente a processá-lo, dizendo ter documentos para provar o que disse.

O inquérito solicitado pelo Ministério da Justiça é conduzido sob sigilo. Ciro foi intimado a prestar depoimento em março, mas ainda não foi ouvido.

PEDRO MILLAS SOUZA e MARCELLO TAMARO YAMAGUCHI (set.2020)

Enquadramento: Código Penal

Crimes investigados: apologia e incitação a crimes, aliciamento de menores

Situação: inquérito arquivado sem denúncia

Os donos da produtora Gorila Company foram investigados por causa de um vídeo em que pessoas jogam futebol com uma escultura que representa a cabeça de Bolsonaro. Eles se inspiraram em vídeos estrangeiros feitos com cabeças do americano Donald Trump e do presidente russo, Vladimir Putin.

O vídeo começou a circular nas redes sociais em setembro de 2020. Carlos Bolsonaro pediu investigação. A Polícia Civil enquadrou os produtores no crime de aliciamento de menores, por causa da participação de crianças em algumas cenas do vídeo, mas não por incitação a crimes contra Bolsonaro.

No dia 16 de abril, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, do Distrito Federal, pediu o arquivamento do inquérito na Justiça Federal. Ele argumentou que o vídeo representa exercício de liberdade de expressão, sem nada que signifique incitação ou prática de crimes.

TIAGO COSTA RODRIGUES (ago.2020)

Enquadramento: Código Penal

Crime investigado: injúria contra o presidente

Situação: inquérito arquivado sem denúncia

O professor Tiago Rodrigues contratou a instalação de dois outdoors com críticas a Bolsonaro em Palmas (TO). "Cabra à toa, não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment já", dizia um dos painéis. "Aí meeente! Vaza Bolsonaro, o Tocantins quer paz”, era a mensagem principal do outro.

Outdoor com críticas ao presidente Jair Bolsonaro instalado em Palmas (TO) em agosto de 2020, alvo de inquérito da Polícia Federal em 2021. - Reprodução

Os outdoors foram instalados em agosto de 2020. O ministro André Mendonça pediu que os responsáveis fossem investigados por ofensa à honra do presidente. Em março deste ano, a procuradora Melina Castro Montoya Flores pediu arquivamento, por considerar as manifestações críticas legítimas.

MARCELO FELLER (jul.2020)

Enquadramento: LSN

Crime investigado: calúnia contra o presidente

Situação: inquérito suspenso pela Justiça

Advogado e comentarista de um programa da CNN, Feller acusou Bolsonaro de responsabilidade pelas mortes na pandemia de Covid-19. "Não é o Exército que é genocida, é o próprio presidente, politicamente falando", afirmou, em julho do ano passado. "Criminoso, esse sim, o nosso presidente."

André Mendonça pediu uma semana depois que o advogado fosse investigado, sugerindo que fosse enquadrado na Lei de Segurança Nacional. "Feller [acusou] o senhor Presidente da República de ter cometido assassinato em massa por omissão durante a pandemia do novo coronavírus", escreveu.

O inquérito aberto pela Polícia Federal foi suspenso por decisão do ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça. Ao julgar habeas corpus apresentado por Feller em janeiro deste ano, o ministro concluiu que as críticas do advogado a Bolsonaro eram legítimas, sem motivação política.

HÉLIO SCHWARTSMAN (jul.2020)

Enquadramento: LSN

Crime investigado: calúnia contra o presidente

Situação: inquérito suspenso pela Justiça

Em julho do ano passado, quando Bolsonaro contraiu Covid-19, o colunista da Folha escreveu um artigo em que disse torcer pela morte do presidente. "Torço para que o quadro se agrave e ele morra", afirmou. "A ausência de Bolsonaro significaria que já não teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando medidas para mitigá-la."

O ministro Mendonça pediu que a Polícia Federal abrisse inquérito e sugeriu que o jornalista fosse enquadrado no artigo da Lei de Segurança Nacional que trata de ofensa à honra do presidente. "Quem defende a democracia deve repudiar o artigo", disse, ao anunciar a medida nas redes sociais.

Intimado a depor na PF em agosto, Schwartsman pediu habeas corpus. Mussi, do STJ, mandou suspender o inquérito. Para ele, o artigo do jornalista foi uma manifestação de crítica legítima, sem motivação política nem implicações que justificassem o enquadramento na Lei de Segurança Nacional.

SILAS MALAFAIA (jun.2020)

Enquadramento: LSN

Crimes investigados: incitação à animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições, tentativa de impedir o funcionamento do Judiciário, calúnia contra chefes dos Poderes

Situação: representação arquivada sem inquérito

Em junho de 2020, o líder evangélico Silas Malafaia protestou contra medidas tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes contra aliados de Bolsonaro acusados de organizar atos antidemocráticos, defendeu a prisão do ministro do Supremo e sugeriu que o presidente convocasse as Forças Armadas.

Um cidadão pediu que o Ministério Público Federal investigasse Malafaia por crimes contra a segurança nacional, incluindo incitação à animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições, tentativa de impedir o funcionamento do Judiciário e ofensa à honra dos presidentes da Câmara e do Senado.

Em julho, o procurador Mário Sérgio Ghannagé Barbosa, de Santa Catarina, arquivou a representação sem abrir inquérito. Ele considerou as manifestações de Malafaia legítimas. "Em nenhum momento o Estado brasileiro se viu sob risco de colapso por conta [desses tuítes]", escreveu.

RENATO AROEIRA E RICARDO NOBLAT (jun.2020)

Enquadramento: LSN

Crime investigado: calúnia contra o presidente

Situação: inquérito arquivado sem denúncia

O cartunista Aroeira publicou em junho do ano passado uma charge em que associava Bolsonaro à suástica nazista, após o presidente sugerir a seguidores que invadissem hospitais públicos para fiscalizar suas despesas. O jornalista Ricardo Noblat compartilhou a charge nas redes sociais.

A cruz vermelha da saúde está pintada com arestas pretas que lhe transformam em suástico; ao lado, Bolsonaro corre com uma lata de tinta preta e pincel nas mãos
Charge de Aroeira, alvo de inquérito aberto a pedido do Ministério da Justiça e arquivado. - Aroeira

O ministro André Mendonça pediu investigação e sugeriu o enquadramento de ambos no artigo da Lei de Segurança Nacional que trata de ofensas à honra do presidente e dos demais chefes de Poderes. Em 17 de março, a procuradora Marina Selos Ferreira, de Brasília, pediu arquivamento do caso.

Ferreira caracterizou a charge de Aroeira como crítica legítima à atuação do governo na pandemia, sem intenção de ofender a honra do presidente.

OSWALDO EUSTÁQUIO FILHO (jun.2020)

Enquadramento: LSN

Crimes investigados: crimes contra a segurança nacional

Situação: em prisão domiciliar, sem acusação formal

Em prisão domiciliar desde 26 de janeiro, o jornalista bolsonarista é investigado sob suspeita de ter participado da organização de atos antidemocráticos no ano passado. O inquérito sigiloso foi aberto a pedido da Procuradoria-Geral da República e é conduzido sob supervisão do STF.

Eustáquio foi preso pela primeira vez em junho de 2020, em caráter temporário, quando o ministro Alexandre Moraes autorizou várias medidas contra aliados de Bolsonaro que são alvo do mesmo inquérito. O jornalista teve computadores e telefones celulares apreendidos e ficou preso por dez dias.

Ao pedir a prisão de Eustáquio, a Polícia Federal disse que Eustáquio poderia atrapalhar as investigações se não fosse detido. Segundo a polícia, o jornalista instigou seguidores nas redes sociais contra o STF e o Congresso e "estimulou discurso de polarização e antagonismo, por meios ilegais".

Em julho, com o fim da prisão temporária, o STF impôs restrições a Eustáquio, proibindo-o de frequentar redes sociais na internet, manter contatos com outros investigados, viajar sem autorização, participar de manifestações contra instituições e se aproximar da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Em dezembro, Moraes ordenou prisão preventiva, alegando que ele tinha desrespeitado restrições. Com a conversão da prisão para regime domiciliar, Eustáquio passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica e segue proibido de frequentar redes sociais e manter contato com outros investigados.

GUILHERME BOULOS (abr.2020)

Enquadramento: LSN

Crime investigado: incitação a atentado contra o presidente

Situação: inquérito em andamento, sob sigilo

O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que concorreu à Presidência da República pelo PSOL em 2018, foi intimado a depor num inquérito aberto para apurar se cometeu crime contra a segurança nacional ao publicar a seguinte mensagem no Twitter: "Um lembrete para Bolsonaro: a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina..."

A mensagem foi publicada em abril do ano passado, em resposta a uma frase de Bolsonaro que Boulos associou ao rei Luís 14, que governou a França com poderes absolutos no século 17. "Eu sou a Constituição", disse Bolsonaro, durante manifestação na frente do quartel do Exército, em Brasília.

O ministro André Mendonça pediu abertura de inquérito após receber uma representação do deputado José Medeiros (Pode-MT) e sugeriu o enquadramento de Boulos no crime de incitação a atentado contra o presidente. A PF levou um ano para intimar Boulos a depor. O inquérito é sigiloso.

TÚLIO GADELHA (abr.2020)

Enquadramento: LSN

Crime investigado: Incitação a atentado contra o presidente

Situação: PF diz que ele não é investigado, mas seguidora é

A mesma representação de José Medeiros levou André Mendonça a pedir investigação sobre o deputado Túlio Gadelha (PDT-PE), que teria cometido o mesmo crime atribuído a Boulos ao curtir o seguinte comentário feito por uma seguidora em seu perfil no Instagram: "uma facada verídica resolveria tudo".

Comentários de seguidores do deputado federal Túlio Gadelha (PDT-PE) no Instagram, que levaram à abertura de inquérito com base na Lei de Segurança Nacional em 2020. - Reprodução/Instagram

Em setembro, após questionamento do deputado, a Polícia Federal informou a Gadelha que ele não é investigado. Em outubro, um delegado pediu que agentes da PF em Santa Catarina tentem localizar a autora do comentário sobre a facada e a intimem a prestar esclarecimentos. O inquérito é sigiloso.

CARLOS BOLSONARO (abr.2020)

Enquadramento: LSN

Crimes investigados: propaganda de processos políticos violentos e incitação à violência

Situação: representação arquivada sem inquérito

Em 19 de abril de 2020, o dia em que Bolsonaro participou da manifestação na frente do quartel do Exército, seu filho Carlos publicou no Twitter um vídeo mostrando vários homens disparando armas num estande de tiro e gritando o nome de Bolsonaro. Alguns vestem camisetas com seu rosto.

Um cidadão pediu que o Ministério Público Federal investigasse Carlos por fazer propaganda de processos políticos violentos e incitar a prática de crimes contra a segurança nacional. O procurador Carlos Renato Silva e Souza arquivou a representação em 28 de abril, sem abertura de inquérito.

"O fato de gritarem o nome de Bolsonaro, notório apoiador do porte de armas e responsável por medidas que o facilitaram, não configura por si só apologia a constituição de milícias ou mesmo incentivo ao uso ilegal de armas de fogo", escreveu o procurador no despacho em que arquivou o caso.

RICARDO NOBLAT (mar.2020)

Enquadramento: LSN

Crime investigado: incitação a atentado contra o presidente

Situação: sem intimação

No fim de março de 2020, o jornalista Ricardo Noblat publicou o seguinte comentário no Twitter: “Do jeito que vão as coisas, cuide-se Bolsonaro para que não apareça outro louco como o Adélio”. Era uma referência a Adélio Bispo de Oliveira, que esfaqueou Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018.

Em abril, após receber a representação do deputado José Medeiros que também tinha Boulos e Gadelha como alvos, André Mendonça pediu inquérito para apurar se o jornalista cometeu crime contra a segurança nacional com essa mensagem. Noblat não recebeu intimação para depor até hoje.

MARCELO DE OLIVEIRA SANTOS (nov.2019)

Enquadramento: Código Penal

Crime investigado: difamação

Situação: inquérito arquivado sem denúncia

Pintor e candidato a vereador derrotado nas eleições de 2016 em Tatuí (SP), Marcelo de Oliveira Santos foi alvo de um inquérito da PF por ter participado de grupos críticos ao Supremo Tribunal Federal nas redes sociais e de uma campanha pelo afastamento do ministro Dias Toffoli da corte.

Desdobramento do inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes para investigar fake news e ameaças a integrantes do STF, iniciado em 2019, o caso foi arquivado depois que Santos foi ouvido pela polícia, que não conseguiu encontrar as postagens consideradas ofensivas ao tribunal.

Santos admitiu ter participado dos grupos e disse que apenas curtiu e compartilhou mensagens. Em julho do ano passado, o procurador Rubens José de Calasans Neto pediu arquivamento do caso. "O descontentamento com a atuação de órgãos públicos faz parte da ideia de democracia", afirmou.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (nov.2019)

Enquadramento: LSN

Crime investigado: calúnia contra o presidente

Situação: Inquérito arquivado sem denúncia

Em novembro de 2019, o então ministro Sergio Moro pediu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fosse investigado por ofensa à honra de Bolsonaro, após receber do deputado Filipe Barros (PSL-PR) uma entrevista em que Lula associara o governo a milícias e ao assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018.

"Não é possível que um país do tamanho do Brasil tenha o desprazer de ter no governo um miliciano, sabe, responsável direto pela violência contra o povo pobre, responsáveis pela morte da Marielle, e responsável pelo impeachment da Dilma, responsável por mentir a meu respeito", declarou Lula.

O ex-presidente foi ouvido, a Polícia Federal sugeriu o arquivamento do caso, e o procurador Mario Alves Medeiros fez o mesmo em maio do ano passado. Para Medeiros, o petista expressou sua opinião sobre o governo, sem ofender a honra do presidente nem atacar as instituições democráticas.

ANTÔNIO CARLOS ALVES CORREIA (out.2018)

Enquadramento: LSN

Crimes investigados: incitação à animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições, tentativa de impedir o funcionamento do Judiciário

Situação: réu na Justiça Federal, com processo suspenso

O coronel da reserva do Exército foi alvo de buscas da polícia e passou a ser investigado na reta final da campanha presidencial de 2018, após atacar a ministra Rosa Weber com um vídeo em que levantava suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral. Ela presidia o Tribunal Superior Eleitoral na época.

Em outros vídeos analisados no inquérito, Alves defendeu a convocação das Forças Armadas para fazer uma auditoria nos sistemas do TSE e sugeriu que militares seguidores de Bolsonaro prenderiam os ministros do STF se ele não vencesse as eleições. "Se resistirem à prisão, morrem", afirmou.

O procurador José Maria Panoeiro, do Ministério Público Federal no Rio, acusou o coronel de incitar animosidade entre as Forças Armadas e o Judiciário, um dos crimes previstos pela Lei de Segurança Nacional, mas descartou outros delitos apontados pela polícia ao denunciá-lo à Justiça, em 2019.

A PF também indiciou Alves por atentado contra a liberdade de autoridades e tentativa de impedir o funcionamento dos Poderes com violência. Para Panoeiro, seria exagero associar a esses crimes um coronel da reserva sem ascendência sobre tropas. "Suas palavras soam mais como bravata", disse.

Como o crime de incitação é considerado de baixo potencial ofensivo, com pena mínima de apenas um ano, o procurador sugeriu a suspensão condicional do processo, livrando o coronel de condenação. A juíza Adriana Alves dos Santos Cruz, da 5ª Vara Criminal do Rio, acatou a proposta.

O processo deve ser extinto no fim deste ano. Até lá, o coronel deve prestar contas de suas atividades à Justiça, não pode viajar para fora do Rio sem autorização e está proibido de publicar mensagens ofensivas ao Judiciário nas redes sociais, ou que defendam a intervenção dos militares na política.

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