O que pesa contra PRF e Torres em blize na eleição e bloqueios de rodovias

Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, é investigado pelas blitze no dia da votação e por não encerrar manifestações antidemocráticas em rodovias

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São Paulo

A PRF (Polícia Rodoviária Federal) está sendo investigada pela atuação no dia da votação do segundo turno da eleição e também na desmobilização das manifestações antidemocráticas que bloquearam estradas pelo país.

Essa apuração, solicitada à Polícia Federal pelo MPF (Ministério Público Federal) no Distrito Federal, mira o ex-diretor-geral da corporação, Silvinei Vasques, exonerado em dezembro passado. Ele já havia tido o afastamento pedido pelo MPF no Rio de Janeiro, que alegou uso indevido do cargo por ter feito campanha para Jair Bolsonaro (PL) em suas redes.

Silvinei se tornou réu ao ser notificado do processo, que pede ainda sua condenação pela prática dolosa de improbidade administrativa.

Silvinei Vasques, diretor-geral da PRF, no lançamento do Programa Rodovida, em 2021
Silvinei Vasques, diretor-geral da PRF, no lançamento do Programa Rodovida, em 2021 - Clauber Cleber Cetano/PR

A PRF está sob suspeita de atuação política em favor de Bolsonaro por causa da realização de blitze no transporte público de eleitores, principalmente no Nordeste, região onde Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem ampla margem de votos.

Ao realizar as blitze, Silvinei descumpriu uma ordem de Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

Um dia depois da eleição, Moraes determinou que o governo agisse imediatamente para desobstruir as rodovias ocupadas por bolsonaristas e registrou a possibilidade de prisão em flagrante de Silvinei em caso de novo descumprimento.

Como a PRF atuou no dia da votação do segundo turno? No dia 30 de outubro, o domingo de eleição, a PRF realizou centenas de blitze contra veículos de transporte de passageiros para os locais de votação. As ações aconteceram mesmo depois de Alexandre de Moraes ter proibido, um dia antes, a realização de qualquer operação pela PRF contra veículos utilizados no transporte público de eleitores.

Moraes afirmou que o descumprimento da decisão poderia acarretar a responsabilização criminal dos diretores da corporação por desobediência e crime eleitoral.

"O acesso ao transporte público é direito garantido ao eleitor, como assentado na ADPF 1.0013 do STF, corroborado pela normativa regulamentar do TSE, não apresentado motivação prévia que ampare operações excepcionais, fora aquelas já comumente adotadas."

A despeito da decisão de Moraes, a PRF já tinha realizado 514 ações de fiscalização contra ônibus até as 12h35 do dia da eleição. Àquela altura, o número de abordagens no segundo turno já era 70% maior do que na primeira etapa do pleito, no dia 2 de outubro.

As blitze foram montadas sob orientação direta de Silvinei, por meio de um ofício expedido à corporação na madrugada do dia 30. O Nordeste, onde Lula tem ampla vantagem de votos sobre Bolsonaro, concentrou quase metade das operações.

Convocado, o então diretor da PRF se encontrou com Moraes ainda no domingo de votação para dar explicações.

De acordo com o ministro, Silvinei disse que as operações miravam somente motoristas que dirigiam ônibus com irregularidades, segundo o Código de Trânsito Brasileiro. Ele se comprometeu com Moraes a encerrar as operações nas rodovias federais.

A equipe de transição de Lula identificou uma liberação de recursos considerada atípica para a PRF na reta final das eleições. Foram gastos em novembro, sobretudo no início do mês, R$ 6 milhões em operações, contra R$ 3,9 milhões em outubro inteiro.

Como mostrou a coluna Painel, a suspeita é que esse gasto se refira ao financiamento das blitze. A PRF nega a ligação com as eleições e afirma que o dinheiro tem sido usado para debelar as manifestações de eleitores nas rodovias.

As blitze influenciaram na votação? Depois que o TSE declarou a vitória de Lula, Moraes afirmou que as operações da PRF não tinham afetado o comparecimento às urnas. Citou que a abstenção na Bahia caiu de 21,83% para 20,87%, por exemplo. "O prejuízo que causou aos eleitores, eventualmente, foi o atraso. Mas volto a dizer, nenhum ônibus voltou à origem. Todos votaram", disse o ministro.

Como está essa investigação? Nesta terça-feira (4), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, falou em múltiplos indícios da ação do ex-ministro da Justiça Anderson Torres contra eleitores de Lula no 2° turno.

A Polícia Federal apura uma viagem do então ministro à Bahia no ano passado —a informação foi publicada pelo jornal O Globo. Na ocasião, Torres teria pedido à Polícia Federal que atuasse com a PRF (Polícia Rodoviária Federal) nas rodovias.

Segundo o ministro Flávio Dino, desde janeiro há indícios de elaboração de relatórios, viagens e comandos para interferência no 2° turno da eleição para tentar beneficiar o candidato à reeleição Bolsonaro.

"O que eu posso afirmar é que há múltiplos indícios de elaboração de relatórios, viagens, comandos. E temos um indício muito eloquente, o fato ocorreu no dia 31 de outubro nessas ditas operações atípicas", disse em entrevista para o canal do Youtube de Marco Antonio Villa.

Como a PRF atuou nas manifestações antidemocráticas? No dia após a eleição de Lula, a PRF registrou 321 pontos de bloqueios ou aglomerações em vias de 25 estados e no Distrito Federal. O órgão, no entanto, não agiu imediatamente.

O número de policiais rodoviários federais que atuaram nas estradas do país naquele dia, 2.310, foi similar ao de outras segundas-feiras de outubro.

Em outras três segundas-feiras do mês (3, 10 e 24), os efetivos foram de 2.018, 2.271 e 2.333 agentes, respectivamente. Portanto, não houve reforço para a situação emergencial.

A polícia ampliou o efetivo apenas na terça (1º), chegando a 3.327 agentes, depois de Moraes determinar que o governo adotasse imediatamente "todas as medidas necessárias e suficientes" para desobstruir as rodovias e afirmar que havia "omissão e inércia" na atuação da PRF.

Em um vídeo ao qual a Folha teve acesso, agentes da PRF diziam que a ordem era só permanecer no local. "A única coisa que eu tenho a dizer nesse momento é a única ordem que nós temos é estar aqui com vocês, só isso", disse um policial que acompanhava um bloqueio em Palhoça (SC).

Em um outro vídeo, um policial em Rio do Sul (SC) disse que estaria ali para monitorar a manifestação, mas não emitiria nenhuma multa.

"Outro compromisso que eu faço com vocês aqui, nenhum veículo que está aqui na manifestação será alvo de qualquer notificação. Eu não vou fazer multa nenhuma", disse o policial.

Nos dias 1º a 6 de novembro, a PRF havia aplicado apenas 55 multas com o maior valor previsto entre as infrações do Código de Trânsito durante a atuação para acabar com os bloqueios —apenas 0,8% das 6.200 multas aplicadas.

As punições se referem a ação para interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito.

No dia 10 de novembro, Moraes voltou a determinar que a PRF, a Polícia Federal e as Polícias Militares dos estados adotassem medidas imediatas para desobstruir as vias públicas.

Àquela altura, os bloqueios em rodovias federais no resto do país já haviam sido liberados, segundo a PRF. Mas os atos voltaram a ganhar força e chegaram a 29 bloqueios no país no dia 19 de novembro.

No dia 22, a PRF afirmou que as rodovias federais estavam livres. Segundo a polícia, mais de 1.200 manifestações foram desfeitas desde o fim das eleições.

Quem era o diretor da PRF? Silvinei Vasques, 47, teve uma gestão marcada por crises, como a iniciada pelo assassinato de Genivaldo de Jesus, em Sergipe.

Natural de Santa Catarina, ele tomou posse em abril do ano passado, dias após a nomeação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres —um dos principais aliados do presidente.

Desde então, ajudou a consolidar uma mudança no eixo de atuação da corporação iniciada no governo Bolsonaro, priorizando operações de combate ao tráfico de drogas em detrimento da fiscalização de rodovias.

Foi por decisão de Silvinei que, no dia 3 de maio, a PRF revogou o funcionamento e as competências das comissões de direitos humanos. Menos de um mês depois, Genivaldo de Jesus Santos foi asfixiado no porta-malas de uma viatura durante uma abordagem da corporação.

Logo após o caso, a PRF soltou uma nota em que afirmava que a vítima tinha resistido ativamente à abordagem.

A versão acabou desmentida por vídeos que mostraram Genivaldo rendido, com as mãos algemadas e os pés amarrados. Depois da repercussão, Silvinei determinou o afastamento dos policiais envolvidos e reconheceu que o caso era grave.

Na PRF desde 1995, um dos últimos cargos de Silvinei no Rio de Janeiro foi o de chefe de operação voltada para o combate ao crime organizado no estado. Ele também foi fiscal de contratos na secretaria de grandes eventos criada para a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016.

O alinhamento da PRF com o Planalto se intensificou em 2020, após Bolsonaro demitir o diretor-geral Adriano Furtado.

O motivo da exoneração foi Furtado ter escrito, em abril daquele ano, uma nota afirmando que um agente da corporação havia morrido vítima da Covid-19. Após a demissão, o presidente nomeou para o cargo Eduardo Aggio de Sá.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), o diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal), Silvinei Vasques (à esq.), e o ministro da Justiça, Anderson Torres, durante cerimônia sobre o progama Agenda Brasil para Todos, no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro (PL), o diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal), Silvinei Vasques (à esq.), e o ministro da Justiça, Anderson Torres, durante cerimônia sobre o progama Agenda Brasil para Todos, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 21.fev.22/Folhapress

Qual era a relação de Vasques com Bolsonaro? Vasques foi nomeado por Bolsonaro após se aproximar do senador Flávio (PL-RJ), filho do presidente, quando era superintendente da corporação no Rio de Janeiro —último cargo que ele ocupou antes de assumir a PRF.

No dia da eleição, o então diretor da PRF pediu votos para Bolsonaro nas redes sociais. Vasques publicou uma imagem da bandeira do Brasil com as frases "Vote 22. Bolsonaro presidente". A postagem foi apagada.

No Instagram, o inspetor acumula fotos com o presidente, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o ministro da Justiça.

Em uma delas, agradece a Bolsonaro "pelos investimentos históricos na PRF" e diz que a corporação "está se transformando e fortalecendo seu processo de presença e ações por todo Brasil".

Em março, recebeu a medalha de Ordem do Mérito do Ministério da Justiça —cujo objetivo, segundo o governo, é "agraciar autoridades que prestam notáveis serviços" ao ministério.

Quais as suspeitas de crime contra o ex-diretor da PRF? A Polícia Federal abriu um inquérito para que Vasques seja investigado sob suspeita de prevaricação. O Ministério Público Federal no DF, que solicitou a apuração, tem o objetivo de averiguar a conduta de Vasques no dia da votação, quando ele descumpriu a ordem de Moraes e montou as blitze.

Além disso, o inquérito também investiga a condução da PRF no desmantelamento dos bloqueios de rodovias.

O crime de prevaricação é definido no Código Penal como "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal". A pena é de até um ano de prisão, mais pagamento de multa.

O MPF disse que os vídeos sobre os bloqueios mostram "não apenas a ausência de providências da PRF diante das ações ilegais dos manifestantes, mas até declarações de membros da corporação em apoio".

Segundo o MPF, Vasques pode incorrer no crime contra o Estado democrático de Direito, segundo a Lei nº 14.197/21.

Vasques também é alvo do MPF no Rio de Janeiro, que pediu seu afastamento por uso indevido do cargo por ter feito campanha em suas redes sociais para Bolsonaro.

O juiz José Arthur Diniz Borges, da 8ª Vara Federal do Rio, não analisou o mérito da ação civil pública proposta pelo MPF. Mas, ao notificar Vasques, o tornou réu no processo.

Além do afastamento, o MPF propôs a condenação do ex-diretor da PRF pela prática dolosa de improbidade administrativa.

Na ocasião, a PRF informou que o então diretor-geral estava em férias e que não tinha como confirmar se ele já tinha sido notificado da decisão. A corporação também afirmou que acompanhava "com naturalidade a determinação de citação" dele e que esse procedimento é normal "após representação formulada pelo órgão ministerial".

Ressaltou também que o magistrado do Rio "não acatou o pedido" de afastamento imediato de Vasques.

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