Descrição de chapéu jornalismo

De sucesso por telefone a Google da era analógica, Banco de Dados Folha faz 50 anos

Departamento de arquivo e pesquisas se tornou um dos principais ativos do jornal ao mostrar importância de ser fonte segura de informações

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vista do acervo de fotos do Banco de Dados Folha

Vista do acervo de fotos do Banco de Dados Folha Rubens Cavallari/Folhapress

Jair dos Santos Cortecertu Cristiano Cipriano Pombo
São Paulo

Há 50 anos era criado o Banco de Dados Folha.

De extrema importância para o jornal e para os leitores na era sem internet e sem Google, o departamento sanava as dúvidas por telefone, cresceu a ponto se tornar um dos principais ativos da Folha e hoje é o maior guardião da história escrita desde 1921.

A origem

A trajetória do Banco de Dados pauta-se pela evolução tecnológica da Folha. Tanto que começou como serviço telefônico, com gênese no Folha Informações, que surgiu em 1943 e foi febre entre os leitores.

Criado e chefiado pelo jornalista Guilherme de Almeida, o serviço por telefone recebia, segundo a Folha noticiou em 22 de julho de 1958, cerca de 15 mil consultas por dia ao número 52-6161. Era uma cifra e tanto para a atividade que previa só oferecer a hora certa e quiçá funcionar como despertador pelo telefone a quem solicitasse.

A ideia do serviço, que se tornou único na América Latina, foi de Almeida, quando estava num hotel em Montevidéu e precisava de informação. Indicaram a ele ligar para um número. Ao resolver o problema, ele trouxe a ideia para a Folha da Manhã, onde foi diretor de 1943 a 1945 —e viu o sistema uruguaio minguar.

Nesse auge, em 1958, o Folha Informações deixava só dez indagações por dia insolúveis. A maioria por brincadeira de leitores ("Qual cavalo vencerá o páreo no sábado?"). Boa parte das indagações era enviada à seção de pesquisa, que se incumbia de investigar no Arquivo das Folhas (então Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite) e encontrar as respostas, que, depois, eram levadas aos leitores e também e aos jornalistas da Redação.

Funcionárias pesquisando em arquivos do Folha Informações
Funcionárias do Folha Informações durante expediente - 23.set.1972/Folhapress

Neste ponto, o Folha Informações, a seção de pesquisas e o Arquivo das Folhas (que tinha até biblioteca) eram o tripé do Banco de Dados Folha.

O batismo

Em 29 de outubro de 1973, quando foi batizado, o Banco de Dados já nascia como um dos acervos mais completos da América Latina e servia, na mesma proporção, a Redação da Folha e ao público externo com pesquisas e Folha Informações —que atuou até 2006.

Isso porque, de um lado, a fusão com o Folha Informações fez o Banco de Dados se tornar referência em pesquisa jornalística e acadêmica.

De outro, o setor ficou responsável pelo Arquivo da Folha, passou a organizar suas relíquias (entre elas charges de Belmonte e fotos raras, como a assinada por Carmen Miranda, de 1948) e virou guardião da história do jornal —hoje são 16.287 volumes com os jornais encadernados desde 1921.

Foto autografada por Carmen Miranda para a Folha Noite e Folha da Manhã, de 1948
Foto autografada por Carmen Miranda para a Folha Noite e Folha da Manhã, de 1948 - Rubens Cavallari/Folhapress

Tornou-se, então, uma usina de dados, em especial para a produção jornalística.

"A gente não tinha um minuto. Eram pesquisas na hora do almoço, de manhã, de tarde e de noite. Um amigo meu não acreditava que fazíamos tantas pesquisas. Um dia ele me chamou para jantar e fui. Começamos a comer e logo me chamaram, pois eu teria que ir ao jornal para uma pesquisa para a Direção da Folha. Aí meu amigo teve que me levar e viu que eu falava a verdade", disse Hebe de Rangel Pestana de Campos Salles, em 1996, ao contar sobre seus 12 anos no setor. "Os jornalistas queriam as coisas mais difíceis, e a gente tinha que localizar. Cheguei a fazer até pesquisa para o [Antônio] Houaiss na Folha."

O BD guardava tudo. Isso valia para eventos da Folha, como a Jam Session, show de música realizado toda primeira segunda-feira do mês no prédio do jornal nos anos 1960 —foram 50 exibições, com Rita Lee inclusive, e a mais icônica foi a que Dick Farney e Booker Pittman gravaram LP (parceria com RGE) na Folha.

Disco com Dick Farney e Booker Pittman, que foi gravado no auditório da Folha
Disco com Dick Farney e Booker Pittman, que foi gravado no auditório da Folha - Reprodução

Foi o BD também quem catalogou as censuras impostas ao jornal pela ditadura nos anos 70. Nessa época, o setor já tinha 110 mil pastas com recortes de jornais e revistas e fotos de todo tipo de tema. E ostentava uma biblioteca então com mais de 8.000 obras.

Comunicado da Polícia Federal sobre censura nos jornais
Comunicado da Polícia Federal sobre as restrições ao tratamento do cantor e compositor Geraldo Vandré nos jornais brasileiros. - 18.jul.1973/Folhapress

"O Banco de Dados sempre foi o ponto de grande atenção da Folha. Na fase analógica, em conjunto com a Biblioteca Nacional do RJ, fizemos a primeira microfilmagem de jornal no Brasil. E, no caso da Folha, foi desde seu exemplar inaugural. Como pioneiros na América do Sul de composição digital, fomos o primeiro jornal a digitalizar texto e imagem", diz o engenheiro Pedro Pinciroli Júnior, que foi diretor industrial da Folha e atuou na empresa de 1967 a 1999.

Funcionário do Banco de Dados da Folha manuseia microfilme
Funcionário do Banco de Dados da Folha manuseia microfilme - Lalo de Almeida - 19.jan.2018/Folhapress

Segundo ele, o departamento era colocado como principal ativo da Folha, ao lado do jornal e da gráfica. "A gente ainda dizia que era o acervo mais completo do hemisfério Sul."

A diferença aí para um acervo comum é que o da Folha crescia todos os dias com conteúdos produzidos por jornalistas, fotógrafos e colaboradores de diferentes setores da empresa —outros acervos, como biblioteca e museu, em geral, crescem por meio de aquisição/compra, recebimento de doação e permuta de obras.

Veia comercial e jornalística

Com envergadura para atuar dentro e fora do jornal, o Banco de Dados logo virou empresa: Banco de Dados de São Paulo Ltda. E, por indicação do publisher Octavio Frias de Oliveira, iniciou a venda de fotos da Folha. Também passou a ter autoria diária no jornal com o Há 50 Anos, que estreou em 21 de novembro de 1979 —o que segue até hoje, com o Há 100 Anos ou o Há 50 Anos.

Logomarca do Banco de Dados, de quando atuou como empresa
Logomarca do Banco de Dados, de quando atuou como empresa - Folhapress

A partir daí, nos anos 80, o setor estreitou seu elo com produção jornalística —fazia cerca de 120 pesquisas por dia para a Redação— no momento em que a Folha encampou a campanha pelas Diretas.

E Otavio Frias Filho, como extensão do Projeto Folha, determinou a criação de um departamento de pesquisa no BD em 1986.

Esse impulso e a autonomia para testar equipamentos e formas de organizar a informação levaram o Banco de Dados a se aproximar das inovações que a gráfica da Folha trazia.

Assim, primeiro ajudou a desenvolver base de dados em convênio com a Editora Abril — a partir de janeiro de 1988, isso resultou num índice eletrônico da Folha e de revistas brasileiras. E, depois, ganhou uma equipe de indexação e adotou o lema de que, mais do que ter a informação, era preciso encontrá-la.

Nesse ano o jornal passou a ser encadernado em coleções pelo filósofo Guido Fiorentini e sua esposa, Iole Stignani Fiorentini, que até hoje atuam com a Folha. "Nos anos 90, eu coloquei um cartaz no BD: ‘Cuide bem do livro’. Isso valia para a história deste jornal. Uma coleção de jornais da Folha |2| é como uma garrafa de um bom vinho, tem que ser bem cuidada e manuseada com carinho."

Acervo com as coleções encadernadas de edições antigas da Folha
Acervo com as coleções encadernadas de edições antigas da Folha - Rubens Cavallari/Folhapress

Informatização

No anos 1990, com indexadores no BD, os conteúdos do jornal, em vez de serem recortados e divididos nas 110 mil pastas, foram "informatizados".

A partir daí leitora de microfilmes e máquina de xerox, mesa de luz, lupa monocular e scanners de mesa e de negativos dividiram espaço com computador. Tanto que o BD foi o primeiro setor da Folha a testar terminais de computadores em rede, em 1993. E, se todos os outros aparelhos até ali só faziam reproduzir o acervo —escanear foto, ampliar negativo—, os computadores permitiram unificar textos da Folha no ambiente digital e catalogar todo o arquivo.

"Foi uma revolução. A informatização do BD cresceu comigo, pois entrei na Folha com 16 anos. Os primeiros computadores eram em tela verde, DOS. Mas isso movia todos a serem melhores, a buscarem mais formação, cursos. No BD, antes de ser jornalista, era preciso ser ótimo pesquisador. E, com isso, o setor já mostrava o que representa ter uma fonte segura de informação", diz o jornalista Alexandre Pollara, que ficou de 1989 a 2017 no setor, levado pelo pai, Eduardo da Silva, que atuou na Folha por 33 anos.

Funcionária trabalha num terminal do Banco de Dados em 1992
Funcionária trabalha num terminal de computador do Banco de Dados em 1992 - Arquivo/Folhapress

De 1993 em diante era possível apontar pelo sistema onde estava a coleção nº 1 da Folha, de 19 de fevereiro de 1921, e cada uma das 110 mil. Ficaram "localizáveis" até pastas mantidas restritas, como a de fotos de colunas sociais de Tavares de Miranda que revelavam traições de casais, obras raras (tal um poema escrito por Gilberto Gil) e recordações, como troféus ganhos pelo jornal.

A partir daí o Folha Informações foi computadorizado, com conteúdo direcionado: Folha Informações Fovest (correção de prova), Folha Informações Esporte (boletins sobre futebol, F1, basquete), Folha Informações Dólar (cotações da moeda).

Nesse tempo, com o desejo da Folha de remontar sua trajetória, o BD entrevistou dezenas de pessoas no Projeto História Oral.

E, apesar de o BD lidar com todos os tipos de mídias (disquetes, CDs, DVDs, LPs, fitas cassetes e VHS), o programa chamado Folio, instalado com 11 disquetes, tornou possível levar o conteúdo do arquivo até a Redação, transformação que foi levada aos leitores. Tanto assim que, em fevereiro de 95, o Banco de Dados lançou o "CD-ROM Folha", com o texto integral das edições do jornal do ano anterior.

Propaganda do lançamento do CD-ROM, realizado em 1995
Propaganda do lançamento do CD-ROM, realizado em 1995 - Rubens Cavallari/Folhapress

Em julho desse ano, começou a funcionar a Folha Web, serviço de notícias do jornal pela internet e que trazia conteúdos levantados pelo BD.

Ao mesmo tempo em que a Folha batia recordes de tiragens, o BD só sobreviveu ao advento da internet e do mobile graças ao DNA jornalístico.

Após incorporar os arquivos dos jornais Notícias Populares, Folha da Tarde e Agora São Paulo, o BD mergulhou no mundo digital. Primeiro, em 2011, quando a Folha fez 90 anos, e, com custo de R$ 3 milhões, lançou o Acervo Folha —foi primeiro jornal do país a ter seu acervo digitalizado (a partir de microfilmes). "É uma vantagem a mais para o leitor da Folha", disse à época Antonio Manuel Teixeira Mendes, então superintendente do jornal. Hoje o acervo digital tem cerca de 2,1 milhões de páginas.

O BD ainda se destacava por municiar teses, livros e documentários. "Fizemos pesquisa para o livro do Belmonte, o ‘A Era dos Festivais’, de Zuza Homem de Mello, o ‘São Paulo nas Alturas’, do Raul Juste Lores, e outros", diz o pesquisador Luiz Carlos Ferreira, que atuou no setor de 1996 a 2018.

Maior digitalização

Após lançar o Acervo Folha e de já ter habitado quase todos os andares do prédio da Folha na alameda Barão de Limeira, 425, o Banco de Dados iniciou um dos maiores processos de digitalização da história da imprensa no país, ao digitalizar as 110 mil pastas e 2,5 milhões de fotos que estavam em papel ou negativos em seu arquivo, esforço estendido aos acervos do jornal Última Hora e do Notícias Populares.

Ao todo o BD abriga cerca de 30 milhões de fotogramas. E a digitalização teve até um ferro de passar roupa, parte das tecnologias criadas no setor.

Esse trabalho fez o BD lançar o Blog do Acervo Folha, o Saiu no NP e o site do Banco de Dados, além de encampar produções jornalísticas, entre elas o Especial 100 Anos de Corinthians x Palmeiras, com Esporte.

O setor é agora a ponta de uma parceria da Folha com o Google. Firmado em 2019, esse elo permitiu, com cruzamento de dados e ações que a inteligência de softwares permite, navegar nas imagens e nos textos da Folha em segundos.

Se foi como o Google no passado, na época sem internet, o Banco de Dados chega aos 50 anos e todos os dias faz como o leitor da Folha, que acompanha o site e espera a versão impressa. Com a diferença de que acompanha todo o fluxo do texto e, depois, alimenta o acervo com o jornal encadernado e as bases, agora, eletrônicas de pesquisa.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.