O Brasil que deu certo é o vendedor de um PlayStation 4 na OLX que recebe como proposta de negociação dois anos de pizza e refrigerante grátis. É também o registro trágico de uma bola de futebol que atinge uma panela com sopa fervente durante a distribuição beneficente. Pode ser ainda o empreendedor que anuncia um churros por R$ 2 e dois por R$ 5.
Essas três situações estão na página de memes O Brasil Que Deu Certo, administrada pelos jornalistas Ciro Hamen e Matheus Laneri, e podem ser consideradas a essência da conta. "A ideia nunca foi rir da desgraça que é ser brasileiro. Pelo contrário, é uma admiração por coisas que são muito peculiares da gente", diz Ciro ao #Hashtag.
"A gente faz uma exaltação do Brasil em nossas redes sociais, da cultura muito popular brasileira, aquilo que só poderia acontecer aqui", complementa Matheus.
Um outro exemplo, presente no "pack de brasilidades" —como os administradores chamam a coletânea de memes— publicado na página, é o de uma captura de tela que mostra o diálogo entre um motorista de aplicativo que cancela a corrida com o passageiro porque está tomando caldo de cana.
Diferentemente de outras páginas de memes com abordagem mais local, a dupla quer dialogar com toda a população a partir do recorte de imagens que poderia acontecer em qualquer região do país. Afinal, para Matheus, quando se trata de engajar e conseguir transmitir uma mensagem ao público, o meme é o principal meio contemporâneo.
"É a forma mais eficaz de comunicação que a gente tem atualmente para todos os campos possíveis, independentemente se é política, se é saúde, se é futebol. Ele é mais eficaz do que a leitura de um texto que a gente sabe que a grande imprensa está enfrentando dificuldades para fazer com que as pessoas leiam", afirma Matheus.
A inspiração para o nome da conta veio após uma declaração de Carlos Alberto Parreira viralizar. O então coordenador da comissão técnica da seleção brasileira afirmou em entrevista, em maio de 2014, que a CBF era um exemplo do Brasil que deu certo.
A frase foi resgatada e usada de forma irônica durante os meses que sucederam a Copa do Mundo daquele ano e para ilustrar a memória do placar 7x1 na partida do Brasil contra a Alemanha. Desde então, virou um bordão de Ciro, que sempre citava para amigos no dia a dia.
A primeira conta que a dupla criou com essa frase foi no YouTube, em julho de 2015. A intenção do canal não era ser uma página de memes, como a que hoje reúne 765 mil seguidores no Instagram, mas trazer pessoas para contar histórias que compõem o cotidiano do povo brasileiro.
Ciro contou com a ajuda de amigos para a produção, mas não definiu uma periodicidade para os vídeos. Ele criou uma página no Facebook (hoje com 2,4 milhões de seguidores) na qual fez a divulgação das produções e, para preencher as lacunas entre um vídeo e outro, ele compartilhava alguns memes de terceiros.
Após a boa repercussão, a dupla resolveu deixar os empregos formais e investir integralmente no projeto. Atualmente, O Brasil Que Deu Certo é sustentado pelo tripé redes sociais, YouTube e loja virtual com produtos exclusivos.
Os administradores contam que a manutenção do feed depende da colaboração dos seguidores, que enviam conteúdos por mensagem direta. Ciro e Matheus fazem a curadoria e afirmam que, depois de oito anos nesse ramo, têm uma boa percepção do que é engraçado, mas não negam que isso pode ser questionado. "A gente gosta de um monte de bobagem que sabemos que o nosso público não se interessa muito, mas postamos mesmo assim, por exemplo o que o Regis Tadeu fala", diz Matheus.
"Trazemos muitas referências noventistas de televisão principalmente", afirma Ciro.
Durante a seleção dos posts, os dois definem como linha editorial que o meme não pode ofender minorias e evitam conteúdos que envolvem crianças. "Somos pessoas caminhando para os 40 anos", diz Matheus. "Sabemos o que não podemos postar por uma questão moral ou jurídica e também lá no fundo a gente sabe que o que a gente faz é um negócio. A partir do momento que a gente começa a postar coisas que ferem o bom senso geral, perdemos dinheiro com isso."
Fora isso, a rotina dos administradores não envolve um cronograma e é toda feita a distância, com Ciro em Santos (SP) e Matheus em São Paulo.
A gente faz uma exaltação do Brasil em nossas redes sociais, da cultura muito popular brasileira, aquilo que só poderia acontecer aqui
No caso do canal do YouTube, a produção é autoral e quem toma mais a frente é Ciro. Aqui, o público tem uma relação mais próxima com os criadores, que comentam assuntos pop, como estreias de novelas, reality shows, retrospectivas e previsões para o ano e até mesmo ranking de mascotes da Copa do Mundo.
Em 2016, eles abriram a lojinha virtual, mas impulsionaram o comércio em 2018. O site fica mais sob a gestão de Matheus, com sede na República, no centro de São Paulo. As estampas são todas baseadas em memes, como a meia da grávida de Taubaté, a caneca com o tuíte "Brazil, I’m devastated" da cantora Lady Gaga e a camiseta com o personagem Sonic dizendo: "Mano, num me dirige a palavra não. Faz favor".
Mesmo com alguns anos de experiência no ramo e fazendo dinheiro com o que antes era um hobby, a dupla diz que não se leva a sério demais a ponto de contaminar a espontaneidade da dinâmica. "Muita gente fala que quando algo vira trabalho fica um pouco chato, mas eu não vejo dessa forma. A maior parte do tempo é divertido, é ficar quebrando a cabeça para postar uma coisa engraçada", afirma Ciro.
E o fato de ter como tema principal um país com extensão continental e inúmeras possibilidades de conteúdo também ajuda.
"A gente não é um negócio nichado, o Brasil produz conteúdo todos os dias que nos fazem rir", diz Matheus.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.