O Mundo É uma Bola

O Mundo É uma Bola - Luís Curro
Luís Curro
Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022 LGBTQIA+

Faltou coragem aos capitães de seleções da Copa na causa LGBTQIA+

Ameaçados de punição pela Fifa, líderes deixam de fazer história ao desistir de usar braçadeira multicolorida no Qatar

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Com uniforme laranja com o número 4 nas costas e apontando o dedo indicador da mão direita para o alto, Virgil van Dijk, capitão da Holanda na Copa do Qatar, usa tarja amarela no braço esquerdo com a inscrição

Virgil van Dijk, capitão da Holanda na Copa do Qatar, usa tarja com a inscrição "No Discrimination" na partida contra o Senegal, em Doha Kai Pfaffenbach - 21.nov.2022/Reuters

Era para ser marcante. Era para ser imponente. Era para ser histórico.

Os capitães de algumas das 32 seleções participantes da Copa do Mundo tinham decidido entrar em campo usando uma braçadeira com as cores do arco-íris e a inscrição "One Love".

Essa expressão em inglês tem o significado de "unidade e inclusão", podendo ser traduzida, a meu ver, assim: "Amor universal".

Braçadeira branca usada pelo jogador inglês Harry Kane traz a inscrição "One" ao lado de um coração com as cores do arco-íris com o número um dentro dele
Harry Kane em jogo da Liga das Nações com a braçadeira que desistiu de usar na Copa do Mundo depois de a Fifa ameaçar punir quem o fizesse - Carl Recine - 26.set.2022/Reuters

A intenção era mostrar apreço pela causa LGBTQIA+ e confrontar o Qatar, país-sede do Mundial, uma monarquia absolutista que considera crime as relações homoafetivas, com pena de prisão.

A nação do Oriente Médio também é acusada de outras atitudes condenáveis relacionadas aos direitos humanos, como a exploração do trabalho de imigrantes, denunciada há anos por organizações não governamentais como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, e o desapreço às mulheres.

Em um evento cuja audiência prevista é de 5 bilhões de pessoas –bem mais do que os 3,6 bilhões da Copa de 2018, na Rússia –, o impacto da braçadeira multicolorida tinha de tudo para ser gigante.

Mostraria que os jogadores, muitos deles figuras de renome mundial, ídolos de torcedores em todas as regiões do globo, discordam com veemência do regime qatariano em relação à discriminação e à diversidade.

Tinha de tudo para ser gigante... mas não foi. Pois não ocorreu, depois que a Fifa avisou, na véspera dos jogos, que a arbitragem puniria com um cartão amarelo o atleta que usasse essa tarja.

Na Copa, receber um cartão amarelo é esportivamente arriscado, já que dois deles suspendem o jogador da partida seguinte. A regra é válida até o jogo das quartas de final –nas semifinais, os amarelos são zerados para evitar que um atleta advertido fique fora da decisão.

Sob essa ameaça da entidade máxima da bola, dona do Mundial de futebol, e que vergonhosamente preferiu "lamber as botas" dos líderes do país que organiza a Copa deste ano, os jogadores desistiram da braçadeira "One Love".

Nesta segunda (21), segundo dia da competição, o inglês Harry Kane, o holandês Virgil van Dijk e o galês Gareth Bale, os mais destacados futebolistas de suas seleções, foram a campo contra Irã, Senegal e EUA, respectivamente, com a mensagem "No Discrimination" ("Sem discriminação").

A frase, correta porém bem menos eloquente, veio sob encomenda da Fifa, que entregou às seleções o ornamento que ela considerava adequado ser usado.

Braçadeira preta usada pelo capitão da Inglaterra, Harry Kane, no jogo contra o Irã na Copa do Qatar traz a inscrição "No Discrimination" escrita em amarelo
Braçadeira de Harry Kane, o capitão da Inglaterra, no jogo diante do Irã em Doha, o de estreia das seleções na Copa qatariana - Paul Ellis - 21.nov.2022/AFP
Braçadeira branca usada pelo capitão do País de Gales, Gareth Bale, no jogo contra os EUA na Copa do Qatar traz a inscrição "No Discrimination" escrita em preto
Gareth Bale, do País de Gales, usou tarja recomendada pela Fifa, e não a que defende a causa LGBTQIA+, no jogo contra os EUA, em Al Rayyan - Pan Yulong - 21.nov.2022/Xinhua

Kane, Van Dijk e Bale possivelmente se renderam às ordens dos dirigentes de suas respectivas federações. Neuer (Alemanha), Xhaka (Suíça), Kjaer (Dinamarca) e Hazard (Bélgica) também devem capitular.

"Precisamos de você mais do que os LGBTs precisam", imagino que eles tenham ouvido dos cartolas, mais preocupados com a glória esportiva, que vem acompanhada de milhões de dólares, do que com as agruras por que passam as minorias.

Um erro dos atletas. Eles deveriam ter batido o pé. Se havia uma hora para mostrarem no que acreditam, de passar a mensagem de que os valores humanitários superam interesses pessoais ou de um grupo restrito, a hora era esta.

Se os jogadores fossem mais dignos, honrariam esse compromisso. Uniriam-se depois da punição com o amarelo ao capitão e diriam aos seus superiores: "Ou a Fifa anula o cartão, ou não jogamos".

Duvido que a Fifa não retirasse a punição. Imagine o dano à imagem se um jogo de Copa do Mundo não ocorresse por W.O. (a ausência de uma das equipes), afora os problemas jurídicos com os detentores dos direitos de transmissão, patrocinadores, torcedores.

A ação dos jogadores era para ser marcante, imponente, histórica. Faltou coragem.

Em tempo: Se este texto chegar aos jogadores da seleção brasileira, a mais vitoriosa em Copas, que eles reflitam e concluam que têm todas as condições de serem protagonistas nesse tema. Que seu capitão (Thiago Silva, Casemiro, Marquinhos?) faça o que líderes de outros times não fizeram. Façam a diferença

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