Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Folhajus

Família de Mãe Bernadete irá à Justiça contra Educafro por indenização de R$ 143 milhões

OUTRO LADO: ONG nega que busque qualquer proveito econômico sobre a morte da sacerdotisa e diz que busca políticas públicas que evitem mortes como a dela

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A família da líder quilombola Bernadete Pacífico, que foi assassinada a tiros em agosto deste ano, ingressará na Justiça na próxima semana contra a ONG Educafro.

Herdeiros da sacerdotisa afirmam que não foram consultados pela organização sobre uma ação civil pública que cobra, do estado da Bahia, uma indenização de R$ 143 milhões por danos morais coletivos causados pelo assassinato de Mãe Bernadete. À Justiça, pedirão sua impugnação.

Foto mostra mulher negra sentada em uma cadeira, Ela usa um turbante e veste uma roupa colorida
A líder quilombola Bernadete Pacífico, que também era coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) - Conaq/Divulgação

No entendimento desses familiares, a ONG buscou tirar proveito da morte da líder quilombola e da comoção gerada pelo caso. Eles pontuam, ainda, que a Educafro está ligada a uma instituição eclesiástica controlada pela ordem franciscana, que atentaria contra a identidade de religiões afro-brasileiras.

"A comunidade tem toda razão ao sentir-se ofendida pelo uso do nome de Mãe Bernadete por uma instituição católica", afirma o advogado Hédio Silva Jr., que defende os interesses da família e do Instituto Mãe Bernadete Pacífico, que será criado para preservar a memória da sacerdotisa.

O escritório de Silva Jr. foi contratado recentemente pelo físico nuclear Jurandir Patrocínio, único filho vivo de Mãe Bernardete e atual responsável pela comunidade quilombola em Simões Filho, na Bahia.

É ele também quem cuida dos três filhos de seu irmão, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, assassinado em 2017. Um dos líderes quilombolas mais respeitados da Bahia, Binho defendia a titulação do Quilombo Pitanga dos Palmares.

Em 2021, a Educafro participou da negociação do Termo de Ajustamento de Conduta milionário com o Carrefour após um homem negro ser morto por asfixia em uma unidade da rede. Segundo a ONG, a indenização por dano coletivo racial no valor de R$ 115 milhões é a maior da América Latina.

Para Silva Jr., no entanto, o pagamento teria resultado "em migalhas para familiares" da vítima e, por outro lado, em "milhões" para a ordem franciscana e para "ávidos comitês antirracistas e advogados". "Tudo isso sob o pretexto altruísta de financiar bolsas de estudos para jovens negros e carentes", aponta.

Procurado pela coluna, o fundador e diretor-executivo da Educafro, frei David Santos, diz que a família de Mãe Bernadete tem todo o direito de ir à Justiça por seus direitos e contará com apoio irrestrito da ONG se assim o fizer.

O pároco nega que a organização busque qualquer proveito econômico sobre a morte da sacerdotisa. Ele pontua que a atuação da Educafro se dá no âmbito de direitos difusos e coletivos, de modo a buscar mudanças em políticas públicas de segurança para que casos como o dela jamais se repitam.

"A ação proposta pela Educafro não busca substituir ou suplantar os direitos dos familiares das vítimas, mas, sim, ampliar a luta para que toda a coletividade negra e quilombola seja reconhecida e ressarcida pelos danos sofridos em decorrência de atos de racismo estrutural", afirma Frei David.

"Quanto às alegações de benefícios econômicos obtidos por entidades eclesiásticas ou pela ordem franciscana, afirmo categoricamente que não são verídicas. As ações civis públicas propostas têm como único objetivo a busca pela justiça e pela reparação dos danos causados às comunidades afetadas, sem qualquer proveito econômico para as entidades que apoiam essa causa", diz ainda.

Sobre o termo de ajustamento de conduta fechado com o Carrefour, o diretor-executivo diz que os valores recebidos pela família de João Alberto Freitas, que foi morto por asfixia, "são uma questão privada, resguardada por cláusulas de confidencialidade, decisão essa tomada pela própria família". E afirma que "não procedem as informações de que foram recebidas apenas 'migalhas'."

"Estamos abertos ao diálogo com a família de Mãe Bernadete e com todas as partes interessadas para esclarecer quaisquer mal-entendidos", afirma o frei. "Que São Francisco de Assis, que se dedicou aos pobres e aos marginalizados, nos inspire a seguir adiante com compaixão e determinação."

Leia, abaixo, a íntegra da nota enviada à coluna pelo diretor-executivo da Educafro, frei David Santos:

"É com profundo respeito pela dor da família de Mãe Bernadete e pela memória dessa estimada líder quilombola que abordamos este assunto tão delicado.

Primeiramente, é importante esclarecer que a Educafro, uma entidade que atua há 40 anos na promoção da igualdade material para pessoas negras e comunidades quilombolas, tem como missão somar-se à luta contra as violações sofridas por essas comunidades, especialmente na Bahia, onde os ataques à integridade física e cultural são uma triste realidade.

A ação proposta pela Educafro não busca substituir ou suplantar os direitos dos familiares das vítimas, mas, sim, ampliar a luta para que toda a coletividade negra e quilombola seja reconhecida e ressarcida pelos danos sofridos em decorrência de atos de racismo estrutural.

Quanto às alegações de benefícios econômicos obtidos por entidades eclesiásticas ou pela ordem franciscana, afirmo categoricamente que não são verídicas. As ações civis públicas propostas têm como único objetivo a busca pela justiça e pela reparação dos danos causados às comunidades afetadas, sem qualquer proveito econômico para as entidades que apoiam essa causa.

Em relação ao caso mencionado envolvendo o Carrefour, é importante ressaltar que os valores recebidos a título de indenização pela família de João Alberto Freitas são uma questão privada, resguardada por cláusulas de confidencialidade, decisão essa tomada pela própria família. Portanto, não procedem as informações de que foram recebidas apenas "migalhas". Os advogados da entidade que lutaram bravamente para conseguir de 115 milhões de reais fossem destinados diretamente à população negra, sem passar pela entidade, jamais foram remunerados, pois o Carrefour entende que trabalhos de advogados de entidades afro-brasileiras devem ser prestados gratuitamente.

A Educafro está comprometida com a defesa dos direitos humanos e com a luta antirracista, sempre em consonância com os valores cristãos de amor ao próximo e de justiça social e como o maior aprofundamento respeito pela fé do nosso povo afro-brasileiro. A luta pela vida e pela segurança das comunidades quilombolas é, de fato, uma responsabilidade de toda a sociedade brasileira.

A família de Mãe Bernardete tem todo o direito —e pode contar com o nosso irrestrito apoio— de buscar o ressarcimento devido pelo Estado da Bahia e por todos os demais responsáveis por esse crime atroz. A Educafro litiga noutro campo: o dos direitos difusos e coletivos, não buscando com isso qualquer proveito econômico, mas a implementação de mudanças nas políticas públicas de segurança a fim de caso como esse jamais se repita. Uma iniciativa em nada rivaliza com a outra.

Estamos abertos ao diálogo com a família de Mãe Bernadete e com todas as partes interessadas para esclarecer quaisquer mal-entendidos e para fortalecer a nossa missão comum de combater o racismo e promover a igualdade. Que São Francisco de Assis, que se dedicou aos pobres e aos marginalizados, nos inspire a seguir adiante com compaixão e determinação.

Se houver mais alguma dúvida ou se desejar mais informações, estou à disposição para conversarmos. Que a paz esteja com todos nós e que a justiça prevaleça para as comunidades quilombolas da Bahia e de todo o Brasil."

Após a publicação deste texto, a Educafro também enviou uma nota oficial. Leia, abaixo, a sua íntegra:

"A Educafro Brasil, atuando há mais de 40 anos pela igualdade material para pessoas negras e comunidades quilombolas, propõe ações não para substituir os direitos de familiares de vítimas, mas para ampliar a luta contra o racismo estrutural, beneficiando coletivamente essas comunidades.

Os familiares das vítimas do Estado têm o direito de abrir, imediatamente, ações por danos individuais.

Nenhuma entidade tem o direito de abrir ações por danos individuais, sem ser à pedido dos parentes da vítima.

As ações por danos coletivos pertencem à sociedade do grupo atingido e não aos parentes. No nosso caso em debate, estipulamos a multa ao estado da Bahia, em R$ 143 milhões e mais de 30 obrigações de fazer.

Equivocadamente a imprensa está focando na Mãe Bernadete e a Educafro Brasil está focando nos 12 quilombolas assassinados e com a omissão dos sucessivos governadores da Bahia.

A ação civil pública por danos coletivos não é um direito das famílias. Pertence à comunidade afro-brasileira.

Mais uma vez estamos pedindo à imprensa que faça essa reparação. Caso contrário, seremos obrigados a abrir processo contra cada órgão de imprensa por divulgar notícias falsas.

A comunidade afro-brasileira não usava esta ferramenta jurídica. A Educafro Brasil decidiu usar, fortemente e, temos certeza de que todas as entidades afros que querem enfrentar e resolver problemas difíceis, irão entender que nasceu uma nova escola do direito popular.

As alegações de benefícios econômicos para entidades eclesiásticas ou a ordem franciscana são infundadas, pois as ações civis públicas visam apenas a justiça e reparação, sem proveito econômico para as entidades envolvidas. Elas não podem, por lei, usar um centavo. Elas, aí sim, tem total possibilidade de dizer como quer que o dinheiro seja aplicado. No caso Carrefour, a Educafro Brasil, brigou muito para que 60% das verbas fossem para universidades abrirem bolsas para o mestrado e doutorado, exclusivo para as pessoas afro-brasileiras.

Até a USP ganhou um forte edital e colocou muitos afros no doutorado!

Por lei, entidades que movem ações civis públicas não têm direito a um centavo destas ações.

Elas, por lei, não podem ser beneficiadas com os recursos delas decorrentes.

No caso do Carrefour, os valores de indenização individuais são privados, mantidos em confidencialidade pela família de João Alberto Freitas. Foram mais de 5 ações individuais (aberta por cada parente, separadamente).

Estima-se que deu um total 20 vezes acima das indenizações definidas pelos juízes.

Lá no Carrefour a Educafro Brasil comunicou ao Carrefour que só assinaria o TAC, após ele pagar os parentes do Joao Alberto. Deu certo! Aqui no caso dos 12 quilombolas, não haviam ações individuais o que até hoje não entendemos o porquê. A advocacia e a Defensoria os abandonou?

A Educafro, respeitando a fé afro-brasileira, está comprometida com a defesa dos direitos humanos e a luta antirracista. A entidade busca mudanças nas políticas públicas de segurança, sem rivalizar com as iniciativas de ressarcimento individual.

Estamos abertos ao diálogo para esclarecer mal-entendidos e fortalecer a luta conjunta contra o racismo e pela igualdade.

Lembramos aos irmãos para, primeiro se esclarecerem e questionarem os reais inimigos do povo afro. Querer queimar quem está na luta não costuma ser o melhor caminho.

Acreditamos que esclarecemos e perdoamos, como Franciscanos, os equívocos.

Frei David Santos OFM Diretor Executivo da Educafro Brasil"

ESTANTE

O jornalista André Barcinski recebeu convidados no lançamento da biografia "Tudo Passará – A Vida de Nelson Ned, o Pequeno Gigante da Canção", na noite de quinta (9), na Livraria da Travessa de Pinheiros, em São Paulo. No evento, Monalisa e Verônica Ned, filhas do cantor, participaram de um bate-papo com o escritor. O compositor Cláudio Fontana também esteve presente.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

Erramos: o texto foi alterado

A Educafro pede uma indenização de R$ 143 milhões por danos morais coletivos causados pelo assassinato de Mãe Bernadete, não R$ 143 mil. O texto foi corrigido.

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