Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Verdescola e Gerando Falcões são cobradas por milhões doados em apoio às vítimas de chuvas

Protagonistas nas ações de socorro às vítimas ainda mantém em caixa metade dos R$ 36,5 milhões arrecadados na emergência, depois de cem dias da catástrofe

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São Sebastião

Faltam transparência e agilidade no repasse de recursos financeiros para socorrer as vítimas da tragédia das chuvas no litoral norte durante o Carnaval.

Esta é a avaliação de lideranças comunitárias, moradores desassistidos, vereadores e até da Prefeitura de São Sebastião, também sob o mesmo fogo-cruzado, quanto à destinação dos mais de R$ 40 milhões mobilizados por ONGs para o atendimento emergencial na catástrofe.

A solidariedade foi carreada principalmente para organizações protagonistas na emergência, a Gerando Falcões, ONG de projeção nacional, e o Instituto Verdescola, entidade local de referência em educação. Em meio à comoção, as duas captaram R$ 36,5 milhões.

O Instituto Verdescola, localizado na Vila Sahy, foi protagonista no atendimento emergencial após a tragédia provocada pela chuvas em São Sebastião, quando recebeu R$ 13,8 milhões em doações - Marlene Bargamo/Folhapress

A Gerando Falcões saiu na frente com a campanha #Tamojunto, lançada por seu fundador Edu Lyra diretamente da Vila Sahy, epicentro do desastre que ceifou a vida de 65 pessoas.

Empresas e 50 mil pessoas físicas doaram R$ 22,7 milhões via pix e plataformas da Gerando Falcões.

Instalado na Vila Sahy, o Verdescola, que virou abrigo, necrotério, hospital e central de assistência social nas primeiras semanas, recebeu R$ 13,8 milhões de doações em dinheiro.

"Infelizmente, emergência só foi para arrecadar doações, enquanto as ações não são na mesma velocidade", afirma o vereador Wagner Teixeira (Avante). "É lamentável que dinheiro para gastos emergenciais esteja no caixa das ONGs, parado nas contas do Verdescola e da Gerando Falcões há mais de cem dias."

Gerando Falcões cria campanha para apoiar afetados pelas chuvas em São Sebastião e leva ajuda imediata
Edu Lyra, na Vila Sahy, durante o socorro às vítimas, quando a Gerando Falcões criou a campanha #Tamojunto, que arrrecadou R$ 22,7 milhões em doações - Malu Monteiro/Folhapress

O vereador encaminhou requerimento à Prefeitura de São Sebastião para cobrar a prestação de contas das organizações.

Em nota, a assessoria da prefeitura informa que "frente à negativa por parte de algumas ONGs, alegando a não necessidade de satisfação, uma vez que ‘não se trata de dinheiro público’, restou acionar o Ministério Público".

"Embora não seja dinheiro público, é recurso proveniente do público", diz a prefeitura.

Mulher sorri para a foto; ela está sentada em uma cadeira branca em um local onde há vários assentos iguais; ela usa blusa preta e calça branca (traje formal, mas despojado); os cabelos estáo presos para trás; usa também acessórios como colar e pulseira coloridos
Maria Antonia Civita, fundadora do Instituto Verdescola, ONG que é referência em educação e foi protagonista no atendimento emergencial na Vila Sahy após a tragédia no Carnaval, quando recebeu R$ 13,8 milhões em doações - Divulgação

Relatório disponível no site da Gerando Falcões detalha a destinação dos recursos em três frentes e registra R$ 6 milhões ainda em caixa, um quarto do total captado.

Entre os desembolsos na fase emergencial estão R$ 940 mil. A ONG transferiu R$ 866 mil para 2.166 famílias, via cartões e em duas parcelas de R$ 200.

Na fase 2, a de reconstrução, a Gerando Falcões prevê um aporte de R$ 19,1 milhões para projetos de reurbanização e moradias transitórias.

Entre os desembolsos estão R$ 6 milhões para instalar 600 famílias desabrigadas em pousadas durante dois meses. A construção de duas vilas de passagem (uma delas já entregue na Topolândia) vai consumir R$ 800 mil.

"Tomamos a decisão de atuar na reconstrução da comunidade", diz Lyra, sobre a maior fatia de recursos para projetos de médio e longo prazo.

Decisão impopular, reconhece o empreendedor social, em meio à pressão para colocar "dinheiro na veia" da população que sobrevive precariamente.

"Atuar após uma catástrofe é complexo, as pessoas estão destroçadas emocionalmente e há grande instabilidade no município. A crise está longe de acabar", completa Lyra.

Procurada pela Folha, Maria Antonia Civita, fundadora do Verdescola, encaminhou esclarecimentos por email como a carta aberta publicada em 15 de março no site da instituição com grandes linhas de alocação dos recursos.

O vereador Wagner Teixeira (Avante) cobra mais agilidade e transparência nas ações de socorro aos desabrigados pelas chuvas em São Sebastião - Marlene Bargamo/Folhapress

De acordo com o relatório preliminar, ações de respostas emergenciais haviam consumido R$ 1,5 milhão em três frentes: acolhimento, distribuição de itens e operação e logística.

Quanto aos R$ 12,3 milhões doados que restam em caixa da Verdescola, serão destinados ao Projeto Recomeço, a partir de estudo da Fundação Getúlio Vargas.

"A FGV fez o mapeamento das famílias e vai nos enviar, nos próximos dias, o relatório oficial com a estratégia para a distribuição do dinheiro recebido", explica Maria Antonia.

A expectativa é de que os cadastrados recebam até o dia 20 entre R$ 9.000 e R$ 15 mil por meio de cartões, para compra de móveis e eletrodomésticos, por exemplo.

Para o gerenciamento de crise, a ONG contou com a consultoria Salvar, dirigida pelo ex-bombeiro Leo Farah, fundador também da Humus. A ONG atuou em Brumadinho e fez um trabalho voluntário nos primeiros 15 dias no Verdescola.

"Atuamos em todas as fases, começando pela gestão do abrigo temporário e na logística humanitária", explica Farah.

A contratação do especialista, ao custo de R$ 20 mil semanais, totaliza cerca de R$ 500 mil, um terço do despendido pela ONG na fase emergencial com dinheiro das doações.

Quanto às críticas de falta de transparência, Maria Antonia diz ter reunido líderes, comunidade e autoridades para apresentar o Plano de Recuperação da Vila Sahy e Baleia Verde.

"É tudo muito demorado e do jeito deles", avalia Evanildes Andrade, presidente da Amovila (Associação de Moradores da Vila Sahy), sobre a gestão dos recursos doados ao Verdescola.

A Amovila fez parceria com a Gerando Falcões para distribuição de cartões para 300 famílias que receberam R$ 400.

"Continua a pressão por mais transferência de dinheiro agora que moradores que saíram das pousadas foram forçados a voltar para casas em área de risco."

A associação defende o uso de recurso emergencial também para ações estruturantes como plano de urbanização da vila, drenagem das águas de chuvas e preparação de brigadas.

A Gerando Falcões bancou a contratação de dois escritórios de arquitetura para fazer o projeto urbanístico da Vila Sahy, no valor de R$ 3 milhões. "É a forma de fazer o planejamento urbano em velocidade, pois iria demorar se o governo fosse licitar", afirma Lyra, alinhado com governo do estado.

Uma outra consultoria em fase de contratação é a da Humus/Salvar, para um projeto de prevenção e formação de brigadas em todo o litoral norte, ao custo de R$ 1 milhão.

Farah formou três turmas na Vila Sahy custeadas pelo Verdescola. "O projeto com a Gerando Falcões ainda está no papel. Estamos alinhando expectativas para fechar", diz o ex-bombeiro.

Com tantas demandas e urgências na região que voltou a sofrer com as chuvas, o União BR, movimento voluntário que também atual no litoral norte desde fevereiro, captou R$ 8 milhões em doações.

"Para evitar sobreposições com outras ONGs, nosso foco maior é na saúde", diz Tatiana Monteiro de Barros, fundadora do movimento destaque na pandemia.

O União BR informa ter gasto R$ 3,2 milhões para realizar 9.000 atendimentos médicos em consultórios montados em containers e carretas; R$ 2,5 milhões para custear pousadas para desabrigados e R$ 1 milhão para comprar de geladeiras e fogões distribuídas para 540 famílias.

O União BR fez acordo com a Prefeitura de São Sebastião e a ONG Horas da Vida para zerar a fila no SUS em diversas especialidades. Presta atendimentos em saúde mental em parceria com Verdescola.

Ao voltar para suas casas, moradores do Morro do Pantanal, em Juquehy, receberam geladeiras e fogões novos do movimento União BR, que captou R$ 8 milhões em doações para apoiar os desabrigados após a tragédia das chuvas em São Sebastião - Marlene Bargamo/Folhapress

Em nota, a Prefeitura de São Sebastião informa que recebeu R$ 10 milhões em espécie para atender vítimas das chuvas. O governo do Estado repassou R$ 3,5 milhões, destinados ao serviço funerário das vítimas e à locação de equipamentos pesados para desobstrução de vias.

"Entramos com uma ação pedindo prestação de contas da prefeitura, que passou a disponibilizar informações no Portal da Transparência, ainda que parcialmente", diz a deputada estadual Ediane Maria (PSOL).

"Esperamos que o Ministério Público atue para saber a destinação dos recursos tanto do poder público quanto das ONGs na catástrofe."

A Cufa (Central Única das Favelas), outra ONG que também captou doações para vítimas do litoral norte, não enviou o balanço de suas ações até a publicação desta reportagem.

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