Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

Eleição de McCarthy na Câmara dos EUA pode representar volta ao período pré-Trump

Republicanos podem se apresentar como um partido governista plausível ou suas divisões internas levarão a vazio e caos

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The New York Times

Você sentiu falta do Partido Republicano que existia antes do aparecimento de Donald Trump? Você tem saudade dos dias de John Boehner lutando contra os rebeldes do Tea Party sobre o teto da dívida e o abismo fiscal ou do "plano" de Ted Cruz para cortar fundos do Obamacare? Anseia pela volta dos anos em que o teste crucial de pureza conservadora era o compromisso com um plano implausível de redução do déficit? Dos bons e velhos tempos em que incompetentes e aspirantes a lobistas lutavam contra ideólogos libertários e aspirantes a personalidades da TV paga pela chance de promover uma agenda de leve austeridade e cortes de impostos favoráveis às empresas?

O novo presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Kevin McCarthy, presta juramento após ser eleito - Oliver Douliery/AFP

Boas notícias, então: esses tempos voltaram. O fracasso da "onda vermelha" republicana nas midterms de 2022 e a subsequente diminuição de Trump tiveram um efeito de onda reversa. É como assistir ao recuo de um muro de água, expondo o antigo litoral, a topografia política que a água encobriu.

A embaraçosa luta de Kevin McCarthy para reivindicar a presidência e a semana de caos na Câmara dos Representantes não pertencem propriamente à era Trump. É a volta do velho mundo, do antigo regime republicano com todas as suas disfunções, impasses e inutilidades.

Não que a inundação não tenha modificado a paisagem. Alguns deputados republicanos que atormentaram McCarthy são refugos do Tea Party, mas outros são figuras mais trumpianas, criaturas de celebridade direitista e marcas próprias.

Os pretensos populistas republicanos no Senado —figuras como J.D. Vance, Josh Hawley e Tom Cotton— não são libertários no estilo de Cruz em 2013, o que pode mudar o papel do Senado nas batalhas internas republicanas. O partido nacional e seus ambiciosos governadores agora estão mais propensos a brigar por questões culturais do que fiscais. E o próprio Trump dificilmente está acabado.

Mas nas negociações sobre a presidência ficou claro que certos padrões pré-Trump ainda estão resilientes. De um lado, agora personificado por McCarthy e seus aliados, temos o establishment do Partido Republicano tentando administrar a Câmara de maneira centralizada, sem qualquer visão ou agenda específica. De outro, nas facções que resistiram a ele, conservadores com muitas reclamações legítimas sobre o processo, somadas a uma visão política que são principalmente gestos performáticos e apocalipcismo fiscal.

O resultado provável, como na era do Tea Party, é um Congresso incapaz de governar, exceto por meio de uma política ousada de última hora e um conservadorismo que se manifesta em demandas por cortes orçamentários radicais e implausíveis, e nada mais.

Parte do sucesso original de Trump residiu na maneira como ele livrou o Partido Republicano desse impasse, recusando-se decididamente a fazer campanha pelo catecismo do "verdadeiro conservador" e ressaltando questões que eram mais importantes para os conservadores menos ideológicos e os eleitores indecisos.

Ele fez tudo isso num estilo demagógico, mas suas promessas —de recuperar os empregos perdidos para a China e construir novas rodovias, proteger a Previdência Social e acabar com a imigração ilegal— ajudaram o partido a escapar de sua armadilha da era Barack Obama, quando parecia obcecado no Congresso por cortes de gastos impopulares, mas raramente era capaz de negociar para alcançá-los.

Para o Partido Republicano na Câmara hoje, uma escapada equivalente é imaginável. Sua maioria poderia ser usada para aprovar uma série de projetos com mensagens sobre questões em que os conservadores têm (ou podem ter) vantagem com o público: contra o crime, por segurança nas fronteiras, que destaca questões de recrutamento e prontidão militar, reformas de financiamento acadêmico e incentivos que visam enfraquecer o cartel das faculdades de elite e influenciar guerras culturais educacionais, alguma versão das políticas contra o direito ao aborto.

Em cada caso, o objetivo seria posicionar o partido em um terreno no qual as preocupações de ativistas e eleitores independentes possam se sobrepor e preparar o Partido Republicano para o sucesso em 2024.

Em questões fiscais, esse tipo de estratégia reconheceria a impossibilidade de um grande acordo do tipo que iludiu Boehner e Obama ou da imposição de mudanças fiscais significativas em um Senado e uma Casa Branca controlados pelos democratas.

Em vez disso, proporia orçamentos que buscassem principalmente cortes em lugares importantes para os grupos de interesse democratas e governaria com acordos que incluíssem alguma falsidade e truques inevitáveis, mas basicamente apenas preservariam o status quo.

Esses acordos são o que vão acontecer de qualquer maneira: não haverá uma mudança radical em nossa trajetória fiscal entre hoje e 2024. A questão é se, ao longo do caminho para esse resultado inevitável, os deputados republicanos se apresentarão como um partido governista plausível ou se suas divisões internas produzirão vazio e caos, permitindo que os democratas e a Casa Branca de Biden os retratem como o partido da sabotagem, os inimigos da recuperação econômica.

Teremos mais clareza quando virmos o preço da vitória na corrida para a presidência ou quando as negociações do teto da dívida chegarem aqui. Mas provavelmente já sabemos a resposta.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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