Lúpulo brasileiro com padrão internacional entusiasma cervejeiros

Vantagens como o frescor atraem rótulos nacionais, que já incorporam ingrediente às suas fórmulas

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São Paulo

Bebedores de cervejas artesanais já devem ter notado um ingrediente novo que começa a aparecer nos rótulos nacionais: o lúpulo brasileiro. Ele já integra as fórmulas da Brasa, juicy IPA da Trilha; da Amante de Lúpulo, criada pela Dogma; da Smash IPA Project I, da Dádiva; da Brazuka, fabricada pela Happy Brew; e da Daily Blonde, produzida pela Synergy, só para citar algumas.

Não faz muito tempo desde que as primeiras flores de lúpulo nacional brotaram por aqui. Foi em 2007 que o agrônomo Rodrigo Veraldi fez os primeiros experimentos em sua propriedade, localizada em São Bento do Sapucaí —a cervejaria Baden Baden participou da empreitada e chegou a lançar, em 2017, o rótulo Baden Baden Märzen.

De lá para cá, dezenas de iniciativas pipocaram pelo país. Mas, só agora, o ingrediente começa a chegar a um número maior de cervejarias, em fornecimento regular —e o entusiasmo dos cervejeiros tem sido grande.

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A trepadeira do lúpulo cresce em estruturas de madeira e cabos de aço com 7,5 metros de altura, que devem ser fincadas em terreno plano - Divulgação/Augusto Marques

“Algumas variedades têm atingido padrão internacional”, elogia Beto Tempel, sócio da cervejaria paulistana Trilha, que planeja lançar a Mandala, segundo rótulo com lúpulo 100% nacional, ainda em outubro.

Pouca gente sabe que já se produziu lúpulo no Brasil, muito tempo atrás. As primeiras mudas chegaram nas malas de imigrantes europeus, entre os séculos 18 e 19, e foram cultivadas em pequenas propriedades, sobretudo na região Sul.

À medida que as grandes cervejarias foram engolindo as pequenas, já no século 20, os microprodutores perderam mercado, pois não tinham quantidade suficiente para fornecer às grandes fábricas. A maioria desistiu da cultura.

“Lá pelo fim da década de 1970, praticamente ninguém mais produzia lúpulo no Brasil”, diz o engenheiro agrônomo Rodrigo Baierle, fundador da 1090 Lúpulos, empresa catarinense especializada no cultivo das flores e na venda de mudas.

Naquele tempo, também faltava tecnologia para adaptar a planta, típica do Hemisfério Norte, ao clima tropical. Para começar, a trepadeira precisa de 17 horas de sol por dia, o que não se consegue por aqui nem mesmo no verão.

Proprietário da Brava Terra, que cultiva lúpulo em Fartura (SP), o cirurgião Daniel Palma apostou na iluminação artificial desde as primeiras mudas experimentais.

Sua plantação começou em um vaso, passou para o quintal de casa e, em cinco anos, chegou à fazenda da família. O terreno inicial, de mil m², já quintuplicou de tamanho e continua crescendo.

“Estou preparando um campo de dez hectares, com unidade própria de beneficiamento”, adianta o empresário, que fornece lúpulo para brewpubs, lojas de insumos para cervejeiros caseiros e todas as cervejarias citadas lá no começo da reportagem.

Um de seus principais concorrentes é a Dalcin Lúpulos, de Taguaí (SP), que iniciou a plantação em 2018, tem mil plantas atualmente e já planeja dobrar a área cultivada. Entre os clientes, além das cervejarias, está a cafeteria Catarina Coffee, que usa as flores na extração de um coldbrew.

Para Leandro Dalcin, que toca a lavoura, uma das grandes vantagens do lúpulo nacional é o frescor, já que os óleos essenciais das flores, responsáveis pelos aromas, vão perdendo concentração com o tempo.

“Colho as flores na segunda-feira e, na sexta, o produto está na cerveja. Não tem nada igual”, conta.

Dezenas de variedades estão em teste país afora –quase sempre, as cervejarias usam blends de várias delas. Algumas, no entanto, já se destacam em termos de produtividade e perfil aromático.

É o caso do lúpulo comet, que virou carro-chefe da Dalcin e foi o único eleito pela Trilha para compor a nova cerveja Mandala. “Ele se adaptou muito bem ao nosso clima e apresenta notas cítricas de frutas amarelas”, diz o Dalcin.

Sócio e professor da escola Instituto da Cerveja, Alfredo Ferreira diz que o sucesso que o estilo India Pale Ale (IPA) faz entre brasileiros tem sido um dos maiores estímulos ao cultivo de lúpulo nacional.

“É uma das cervejas mais lupuladas e, no caso das artesanais, o consumo é até 40% maior. Se conseguirmos produzir em escala aqui no país, o ganho financeiro será gigantesco”, prevê.

A produção brasileira foca no chamado lúpulo de aromas, cuja função vai além de aportar amargor à bebida. O processo produtivo é caro e complicado.

A trepadeira cresce em estruturas de madeira e cabos de aço com 7,5 metros de altura, que devem ser fincadas em terreno plano, já que a colheita, realizada duas vezes por ano, acontece lá no alto e depende de maquinário.

O desenvolvimento da planta parece acontecer em velocidade duplicada –são até 20 centímetros por dia. A colheita requer agilidade, já que as flores são altamente perecíveis, e a fase de secagem, beneficiamento e embalagem exige ambiente refrigerado, para que os aromas sejam preservados.

Segundo Baierle, que presta consultoria para novos produtores, o investimento inicial, só para cultivar, varia entre R$ 150 mil e R$ 250 mil por hectare.

E não adianta simplesmente colher e vender as flores. As cervejarias só compram lúpulo peletizado, ou seja, transformado em granulado seco e prensado, embalado com atmosfera modificada. O processo de beneficiamento requer máquinas que, juntas, custam mais de R$ 200 mil.

O retorno, que começa a chegar cerca de quatro anos depois, compensa o investimento, tanto que já tem cervejaria grande apostando em lúpulo nacional. O Grupo Petrópolis, dono das marcas Itaipava, Crystal, Lokal, Black Princess, Petra e Weltenburger, mantém desde 2018 uma plantação em Teresópolis (RJ), em parceria com o Viveiro Ninkasi, e já usou o produto na cerveja sazonal Black Princess Braza Hops.

Por enquanto, o lúpulo produzido pelo grupo, em flores (sem passar por beneficiamento), é vendido para cervejeiros caseiros no e-commerce Bom de Beer, a R$ 24,99 o pacote com cem gramas.

Mas a empresa tem planos mais audaciosos: depender cada vez menos do lúpulo importado, pago em dólares ou euros, que dobrou de preço nos últimos dois anos.

“Ainda importamos toneladas do insumo da Alemanha, dos Estados Unidos, da República Tcheca e da Austrália. A venda do lúpulo produzido pelo grupo é um passo gigante para o avanço da indústria cervejeira nacional”, diz o diretor industrial do Grupo Petrópolis, Diego Gomes.

Apesar do entusiasmo generalizado, a produção de lúpulo no Brasil está só engatinhando. Faltam dados oficiais, mas Baierle estima que a área cultivada não passe dos 80 hectares em todo o país —e o preço, pela falta de escala, ainda equivale ao do importado.

Mas há um termômetro importante que aponta o futuro do setor: em função da alta demanda, o preço das mudas quase quintuplicou desde 2018. Não deixa de ser um bom sinal, aposta Dalcin: “Se tem tanta gente plantando, em quatro ou cinco anos, a produção nacional vai explodir”.

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