Centro de São Paulo tem furtos em alta e mortes sob Tarcísio e Nunes

OUTRO LADO: Governo diz que Polícia Civil investiga homicídios e que mais de 5.000 suspeitos foram presos; prefeitura Nunes cita ampliação da Operação Delegada

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São Paulo

O ano de 2023 reservou para o centro de São Paulo um roteiro de desordem e violência. Os primeiros 12 meses da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) foram marcados por mortes, saques e aumento no número de crimes patrimoniais. Nem mesmo a nomeação de um oficial da Polícia Militar para chefiar a pasta da Segurança Pública, caso do capitão Guilherme Derrite, foi capaz de reduzir a alta criminalidade que apavora quem passa pela região.

O crescimento do efetivo de policiais militares e de guarda-civis metropolitanos nas ruas do centro também se mostrou ineficaz em conter os episódios da "gangue da bike" e de outros grupos que têm o celular como alvo. Tradicional ponto boêmio da região, o Bar Brahma chegou ser atacado com pedras após um suspeito de integrar o bando de bicicleta ser agredido na porta do restaurante.

As batidas policiais na rua dos Guaianases, conhecido lugar de desova de aparelhos furtados ou roubados na cidade, também não tiverem êxito em minar a ação dos criminosos, que lucram altas quantias a cada venda.

Violência tem feito com que comerciantes deixem a região central
Violência tem feito com que comerciantes deixem a região central - Karime Xavier/Folhapress

Em meio a tudo isso, a concentração de dependentes químicos na cracolândia aumentou do primeiro para o segundo semestre.

Ao menos cinco pessoas foram assassinadas no centro entre os meses de agosto e dezembro. Uma das vítimas, inclusive, era um PM de folga, que foi atacado a golpes de faca ao deixar um mercado na avenida São Luís, na República, no dia 21 de outubro. O suspeito de matar o soldado Rubens Etelvino Marciano Junior foi preso em flagrante. Diferentemente do que ocorreu nos outros quatro homicídios, em que os autores conseguiram fugir e seguem sendo procurados.

Paralelamente aos assassinatos, o centro de São Paulo viu cenas de faroeste, com tiros aos montes. Ao menos seis pessoas foram baleadas entre os dias 17 de março e 10 de dezembro. Entre os atingidos, uma pessoa foi vítima de bala perdida quando passava pela avenida Rio Branco em 18 de agosto. Momentos antes, um policial civil havia reagido a uma tentativa de assalto nas proximidades da concentração da cracolândia, que àquela altura estava no cruzamento da mesma via com a rua dos Gusmões.

Um tiro disparado durante a ação ainda atingiu um ônibus que passava pela avenida. Um suspeito acabou baleado.

O entorno da cracolândia foi uma das áreas mais problemáticas do centro de São Paulo no ano, com saques, roubos, furtos, atropelamentos e depredações sendo filmadas por testemunhas e compartilhadas de celular em celular. Lojistas também deixaram seus comércios com a onda de violência.

"As ações dos governos municipal e estadual na cracolândia abusaram da chance de errar. Movimentaram o fluxo, geraram mais transtornos para comerciantes e moradores e fizeram crescer eventos graves de homicídios, disparos de armas de fogo e crimes contra o patrimônio, que são os que mais impactam a sensação de segurança da população", disse para a Folha o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.

Visão semelhante tem Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV, que também considera a cracolândia como um foco central da criminalidade na região.

"Há um problema sério de violência para o qual as nossas autoridades não têm conseguido dar uma resposta efetiva e que está afetando muito tanto a população que vai ao centro como a imagem da cidade de São Paulo e do estado. É um problema que persiste com muita insistência, e que a gente não vê nenhuma ação efetiva sendo tomada. O secretário [da Segurança] faz muito marketing, fala muito, mas na hora do vamos ver a coisa não está resolvendo", declarou.

Sem uma definição por parte da prefeitura, comandada por Ricardo Nunes (MDB), e do governo, a cracolândia viveu mais uma temporada nômade, passando de rua para rua dependendo da vontade do poder público —que, por sua vez, argumenta que os usuários possuem dinâmica própria. Em 2023, a maior concentração de dependentes químicos vagou no primeiro semestre pela rua dos Gusmões, entre a alameda Barão de Limeira e a rua Conselheiro Nébias, deixando o local após um acordo entre comerciantes e traficantes, publicado pela Folha.

No segundo semestre, a aglomeração seguiu para ruas da Santa Ifigênia, tradicional reduto de eletrônicos.

Foi no perímetro de comércio popular que o pavio encurtou e a bomba explodiu. Moradores e comerciantes, cada um com sua a reivindicação, bloquearam avenidas e protestaram pedindo soluções para o problema das drogas.

Na noite de 8 de julho, o governo e a prefeitura se juntaram e escoltaram os dependentes químicos que estavam na rua dos Protestantes até a avenida do Estado, no Bom Retiro. A intenção de fazer com que o grupo permanecesse sob a ponte Governador Orestes Quércia ou na rua Prates não vingou.

Atualmente, os usuários seguem na rua dos Protestantes, vez ou outra fazendo algumas vítimas, como o porteiro João da Silva Sousa, 54, assassinado com um golpe de arma branca na lateral do tórax no dia 15 de agosto na rua Mauá.

Em 1º de novembro a comerciante Angela Aparecida Alves de Oliveira, 44, foi mais uma pessoa a ter sua vida virada de ponta cabeça. Ela teve sua loja na rua Santa Ifigênia saqueada e25 aparelhos de telefone celular foram levados. Desde então, vive à base de remédios e acumula dívidas, já que boa parte dos clientes exige o ressarcimento.

"Não tenho capital de giro. A loja está aberta pois ainda estou respondendo a esses clientes [que exigem a restituição do aparelho]. Tem um fornecedor que está confiando peça fiado, então o técnico está trabalhando e com isso estou pagando. Meus filhos estão pagando o aluguel do apartamento onde eu vivo", disse Angela à Folha.

O fotógrafo Alexandre Ezequiel, 54, foi vítima da ação de três criminosos montados em bicicletas. Ele foi atacado no dia 9 de novembro na alameda Dino Bueno, em Campos Elíseos, nas proximidades da cracolândia. "Levaram meu celular junto com meu cartão do banco, onde fizeram diversas compras.", diz. "O centro de São Paulo está abandonado."

O fotógrafo entrou para a desagradável estatística de roubos e furtos que só cresce nas delegacias da região central. Até outubro, o 1º Distrito Policial, que abrange a Sé, havia registrado recorde histórico de casos de roubo. Com os números de novembro houve uma leve queda, o que deixou 2023 em segundo lugar em ocorrências desde 2002.

Já as ocorrências de furto saltaram entre janeiro a novembro em três delegacias que atendem a região: Sé, 2º DP (Bom Retiro) e 3º DP (Campos Elíseos). Já os roubos tiveram queda de 8% na área do 2º DP e de 11% na região do 3º DP no período.

"A violência se tornou estrutural, ela passou a fazer parte da estrutura do centro da cidade, no sentido de que a percepção que se tem é de que ele é violento", opinou o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, Valter Caldana.

"Quem está no centro adora, quer revitalizar, quer que ele seja menos violento. Mas quem não está no centro, não o conhece, não tem essa visão, essa sensação, este desejo", acrescentou Caldana.

Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que a Polícia Civil investiga as mortes ocorridas na área. Segundo a pasta, houve queda de 3,6% nos roubos na região central em 2023, totalizando 797 casos a menos em comparação ao ano anterior. O órgão ainda declarou que mais de 5.400 criminosos foram presos e 114 armas de fogo foram apreendidas.

Sobre a gangue da bike, a SSP informou que 70 criminosos foram presos, e 124 bicicletas, apreendidas.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo disse que atua, em conjunto com os órgãos estaduais, para a melhoria da área central e incrementou 1.500 policiais militares para compor a Operação Delegada, que age contra o comércio ambulante irregular.

Segundo a gestão do prefeito Ricardo Nunes, houve a ampliação da GCM com mais 1.000 novos guardas, além dos mais de 1.600 que atuam em patrulhamento com carros e motos na região central. Cerca de 800 câmeras de segurança do Programa Smart Sampa, com investimento mensal de R$ 9,8 milhões, estão em funcionamento.

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