'As viagens me ajudaram muito a melhorar meu estilo', disse Roberto Carlos à Folha em 1970

Em julho daquela ano, o cantor concedeu uma longa entrevista ao jornalista Melchíades Cunha

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Melchíades Cunha Júnior
São Paulo

Em julho de 1970, o cantor e compositor Roberto Carlos, aos 27 anos, deu uma longa e meticulosa entrevista à Folha. Segundo ele, foi a mais demorada e difícil de todas as que havia concedido até então.

E dificuldades menores não teve este repórter, que durante três meses andou em sua pista para que ela pudesse ser aqui publicada. "Não tenho medo de ser esquecido" foi uma de suas respostas.

Leia abaixo, na íntegra, a entrevista com Roberto Carlos, publicada agora na série Entrevistas Históricas, que celebra os 100 anos da Folha recuperando conversas marcantes da história do jornal.

'Não sou mais um menino'

O que representa Roberto Carlos, hoje? Terá ele conseguido trocar a popularidade pelo prestígio? Nesta prova de resistência a que são submetidos os ídolos populares, o tempo é obstáculo mais difícil de ser transposto, e contra ele não são suficientes os imaginosos recursos de um empresário talentoso.

Num belo dia, e contrariando todas as vontades, a imagem se desfaz. As palmas começam a machucar as mãos dos fãs e é preciso poupá-las para uma nova emoção. Mudam-se os gostos, ou então tudo não passava de uma ilusão: o meu ídolo não é mais aquele. Rei morto, rei posto. Mas quem foi rei nunca perde a majestade, dizem.

imagem em preto e branco de homem cantando ao microfone e tocando guitarra
O cantor Roberto Carlos em 1970 - Folhapress

Será esse o caso de Roberto Carlos Braga, 27 anos, casado, pai de um filho, cantor e compositor profissional, capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, cidadão honorário de São Paulo e do Rio de Janeiro, e coroado "Rei da Juventude Brasileira" num programa do Chacrinha nos idos de 1965?

Na alegre família da "Jovem Guarda" muitos cartazes não venceram o desafio do tempo e os poucos que ficaram foram perdendo o ofuscante brilho de outrora. Mas Roberto Carlos permaneceu despertando atenções, e foi o único que conseguiu ser aceito e incorporado aos padrões de bom gosto de várias elites.

Existe uma receita especial para transformar a popularidade em prestígio? Quais os ingredientes necessários para preservar no tempo a imagem de um ídolo popular? Roberto Carlos ainda é um ídolo?

Roberto, você não é mais tão jovem como na época da Jovem Guarda. Cresceu em idade e em experiências. Mas, para algumas pessoas, você ainda tenta trabalhar e ser consumido pela faixa dos jovens de 16, 17 anos. Entendem que você evoluiu pouco nesse ponto porque procura manter uma imagem do jovem que você não é mais. O que você diz disso?
Naturalmente que eu não sou mais nenhum menino de 18 anos. É claro que minha música não é mais aquela de seis ou sete anos atrás. Se ela é aceita pelo jovens de 18, pelos coroas de 40 e pelos senhores de 60 anos, isso é uma prova de que não preocupo em me manter somente diante da juventude.

Além do mais, aqui no Brasil, há uma preocupação muito grande em relação à idade dos artistas e aquilo que eles fazem. Então, por exemplo, você vê na Europa uma Dalida fazendo sucesso com o que nós chamamos de música jovem. Você, por exemplo, vê John Lennon que não tem mais 18 anos e faz um sucesso espetacular com a juventude inglesa e também do mundo todo. Não apenas com a juventude, mas com quem tem espírito jovem. Você pega a Mina, que não é mais uma meninota também e está na Itália vendendo horrores com uma música jovem. Adriano Celentano, Sergio Endrigo, enfim essa turma toda...

Mas isso não aconteceu com a Rita Pavone, que parece não se dar bem com a música jovem ultimamente...
É, ela é jovem, mas isso é um outro problema. Acontece que, no Brasil, essa música tem o rótulo de música jovem, de iê, iê, iê. Eu não sei por que existe aqui essa preocupação de que só podem cantar a chamada música jovem para meninos de 15 e 16 anos. Isso não existe. O cara vai se mantendo com o correr dos anos e é claro que ele se mantém porque está se identificando com o público.

Então, vamos dizer, como explicar o fato de o Elvis Presley, agora com 36 anos, estar fazendo um estrondoso sucesso nos EUA? Como seria encarado o caso dele aqui no Brasil? Ele ainda é cantor de rock, originalmente o "rock and roll", mas que se renovou tanto, sofreu tanta inovação, que hoje em dia é uma música como outra qualquer. Se eu canto um determinado gênero de música e ela está sendo consumida pelo público, é evidente que eu estou me identificando com esse público.

Agora, não estou muito preocupado se esse gênero musical me dá uma imagem de jovem ou não e, além do mais, eu não dou a menor importância a essa questão do gênero. Se me ocorrer gravar uma valsinha, como eu gravei, eu gravo. Assim como um samba e outros gêneros. Essa questão de querer manter uma imagem de jovem através da música é furada. Eu faço aquilo que sinto. Além do mais, existem muitas músicas sérias dentro da chamada música jovem e o que eu faço hoje é muito diferente daquilo que fazia anos atrás.

Explique o sentido de "As Curvas da Estrada de Santos" quando você diz que para conhecê-lo é preciso entrar em seu carro?
Essa música não quer dizer que seja eu, o Roberto Carlos, mas é sobre um cara que vive numa fossa grande e que, quando pega o carro, prefere sempre as estradas e as velocidades mais perigosas. Ele diz que o tempo de percurso é cada vez menor e não sabe até quando ele vai continuar batendo seus próprios recordes. Pode ser um cara de 18 ou 40 anos que segue simbolizando a velocidade do carro e de uma série de coisas. É por isso que ele diz que "na minha idade, só a velocidade anda junto a mim".

Hoje em dia todo mundo está querendo fazer as coisas com velocidade. E não são apenas os jovens, os velhos também.

Depois do seu casamento, você teve algum problema com a igreja? Deixaram de prestigiá-lo como antes?Não, não tive problema algum, mas nenhum mesmo. Tenho o mesmo acesso a dom Agnelo [Rossi, 16º bispo de São Paulo] que tinha antes. Eu parei de fazer aquele trabalho, de participar daquelas campanhas de caridade promovidas pela igreja quando do tempo do "Jovem Guarda", mas eu ainda continuo fazendo muitos shows beneficentes.

Você pretende continuar artista por muito tempo?
Sabe, eu nunca pensei em deixar de ser artista, mas também nunca me preocupei em ser artista, sempre. Como também nunca me preocupei com a forma de ser artista. Eu acho que um cara que nasceu artista só deixa de sê-lo quando morre.

Agora existem formas de continuar sendo artista: numa época, a gente reduz um pouco as atividades e, em vez de fazer muitos shows, passa a pensar em produzir, em pesquisar, em aprimorar a qualidade e mil e outras coisas.

Você tem medo de cair no esquecimento popular?
Não. A gente não deve viver com esse pavor.

Como é que foi a sua escalada em direção à conquista do público?
No início, era o pessoal de 10 a 16 anos. Depois, eu acredito que, com "Quero que vá tudo para o inferno", consegui atingir os três tipos de público: o infantil, o jovem e o adulto.

E por classes sociais?
Naquela época, eu acho que não atingia a classe A, não.

O que representa a opinião do público para você?
Em termos artísticos, ela é muito importante porque naturalmente você vive em função disso, e essa opinião é que vai pesar em sua obra. Às vezes, porém, você se satisfaz muito com uma coisa e que não tem nada de popular. Mas não é por isso que você vai deixar de fazê-la.

Roberto Carlos, sua carreira artística impediu que você tivesse aproveitado melhor a sua juventude?
Não, eu acho que não perdi. Acomodei perfeitamente a minha juventude, as coisas de um cara da minha idade, com os meus afazeres. Pelo menos dentro do possível eu penso ter acomodado as duas coisas.

Mas você perdeu a sua liberdade, não?
Liberdade, eu perdi. Mas dentro daquele tipo de liberdade que eu passei a ter, de não-liberdade. Eu acho que consegui acomodar a coisa mais ou menos de uma forma boa.

Na época do "Jovem Guarda", por exemplo, está certo que eu não podia andar na rua. Mas eu tinha minha vida de jovem, pelo menos tinha algumas coisas que um jovem gostaria de ter. Tinha minha caranga, podia viver uma vida boa, podia ir à casa de um amigo, entende, boates...

Você sempre levou sua vida profissional muito a sério, não é?
Muito a sério. Excessivamente a sério.

No meio artístico consideram você um dos profissionais mais engajados na profissão. Isso aí, por outro lado, deve ter tolhido você demais, não?
Ah, sei! Você diz que eu talvez não tenha vivido a vida de um jovem despreocupado, que tem hora apenas para ir ao colégio e depois tem o tempo livre para fazer o que quiser? É, realmente, esse tipo de juventude talvez tenha sido prejudicada pelo meu senso de responsabilidade em relação ao trabalho. Mas, sabe, eu me enquadrei muito bem dentro desse tipo de vida. Eu não senti muito isso, talvez tenha sentido um pouco quando eu quisesse ficar um domingo em São Paulo para sair com a namorada porque domingo ela podia sair, mas nesse dia eu podia estar em Manaus e daí não dava...

Você começou sua carreira artística com quantos anos?
Bem, profissionalmente, eu comecei aos 17, 18 anos.

Daí você passou a se dedicar a ela de corpo e alma, não é? Você não frequentava mais a escola, enfim, para uma pessoa de sua classe social você teve de abandonar aqueles projetos de concluir o colégio, depois entrar numa faculdade etc. Até quando você continuou?
Eu fui até o 1º científico [o início do ensino médio atualmente].

Você tinha intenções de continuar estudando?
Na verdade, eu nunca fui muito amante dos livros. Estou sendo sincero, nunca fui. Embora soubesse que é importante e tudo o mais.

Agora, o meu ideal de ser artista era terrível. Um negócio que eu levava muito a sério. Teve uma época que eu fui cantar no programa "Clube do Rock", do Carlos Imperial, que foi um dos caras que me deram as primeiras oportunidades —foi um dos caras porque não foi só o Imperial— mas eu estudava à tarde, rapaz. Então, na terça-feira, dia do programa, eu faltava à aula. O programa era ao meio-dia, e eu tinha que chegar às 11h, cantava, o programa acabava às 13h, era na Urca e eu estudava na zona norte. Até chegar lá já eram 15h30; de ônibus, né, bicho? Era duro!

Daí eu passei a faltar ao colégio e foi ficando cada vez mais difícil continuar estudando. Depois, esse negócio de ficar cinco ou seis horas num colégio para aprender pouca coisa...

É. Mas você acha que haveria possibilidade de mudar? Naquela época você cantava bossa nova?
Não, eu cantava rock. Aí acabou o programa de rock e eu comecei a cantar bossa nova e também voltei a ir ao colégio. Depois de dois meses, um primo meu, que era gerente da boate Plaza, me arranjou um emprego de crooner lá, e então eu só cantava bossa nova. Eu tinha 17 anos e precisei de uma autorização especial e mil coisas. Daí, parei de cantar em boate, depois gravei, fui para a CBS e depois voltei a cantar rock.

Como é que começou o seu sucesso?
Sabe, existiram duas coisas que considero como etapas: primeiro, meu sucesso no Rio e, depois, meu sucesso no Brasil. Acontece que meu sucesso no Rio foi numa época em que o iê-iê-iê não tinha prestígio praticamente nenhum. Tinha em São Paulo e no resto do Brasil, mas no Rio era difícil para um cantor de rock naquela época. Aparecer, por exemplo, no programa mais badalado, que era o "Noite de Gala", era fogo.

Na época em que eu gravei "Louco por Você", "Malena", "Suzy" e, principalmente, o "Splish-splash", foi que eu comecei a ver a coisa de uma forma melhor. Eu já tinha viajado algumas vezes para o norte, fazia shows em subúrbios, em circos, mas televisão era o que dava prestígio, isso era muito difícil para um cantor de rock. A gente só cantava em programa especializado, como "Hoje é Dia de Rock".

Eu me lembro bem dessa época, o Sergio Murilo foi um dos primeiros, mas essa turma toda desapareceu, não é?

Você parece ser o único que permaneceu firme e consolidou o seu prestígio...
Não, não sou o único que permaneceu, não. Sergio Murilo, inclusive, atualmente está bem, está com sucesso aí...

Mas foi você que lançou oficialmente o iê-iê-iê brasileiro, não é mesmo?
Sim, mas os lançadores do rock aqui no Brasil foram Sergio Murilo, Demetrius... Demetrius foi um sucesso bárbaro...

Mas acho que você institucionalizou, em termos caboclos, a música de juventude de influência americana, sobretudo a que surgiu com o impacto dos Beatles, o chamado iê-iê-iê. Está de acordo com isso?
Não sei. Não me sinto à vontade para responder isso.

Roberto, antes de vir falar com você procurei ouvir várias pessoas e obtive várias opiniões a seu respeito. As pessoas mais jovens me disseram que, depois do seu casamento, você começou a fazer músicas mais tristes, mais fossa. Concorda com isso?
Antes de me casar, eu já vinha trocando o meu estilo de música, já começando a fazer um tipo de música mais séria, mais amadurecida. Então, não é dizer: casei hoje e daí a um mês começaram a surgir músicas tristes. Basta ver no meu LP "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura", que foi gravado antes do meu casamento. Eu já vinha mudando antes, já vinha fazendo músicas tristes e sentimentais. Mas a coisa não é bem assim porque o "É meu, é meu, é meu" eu fiz depois de casado, bem como a valsinha "Oh, meu imenso amor".

Você acha que suas músicas melhoraram em que sentido? Qual transformação houve em sua carreira nesses últimos tempos, não apenas como compositor, mas como intérprete? Houve influências de pessoas, de movimentos musicais que colaboraram para isso?
Desde que eu comecei a viajar muito, eu acredito que isso influenciou muito a qualidade de minhas músicas. Acho que as viagens me ajudaram muito a melhorar o estilo, a qualidade dos temas, dos arranjos. Eu sou muito observador e sempre que viajo aproveito para aprender. Tanto que eu sou um péssimo turista porque em toda viagem o que eu gosto é de frequentar ambientes onde tem alguém 'bidu' cantando, gosto de ver os caras 'quentes', o que eles estão fazendo, a forma etc.

Eu acredito que a influência maior nas minhas músicas foi provocada toda ela por minhas viagens. Não quer dizer que eu tenha feito coisas ótimas, não. Mas acredito que eu tenha melhorado bastante em relação ao que eu fazia antes.

Agora essa melhora talvez possa ser encarada sob o aspecto de maior seriedade musical. Eu antigamente fazia música na base do tema levinho, "te gosto, te amo, meu bem, meu amorzinho" e tal e coisa. Mas isso é porque a época era assim. Hoje em dia, a gente não fala mais no "broto", a menos que seja uma música muito levinha, muito brincalhona porque hoje em dia em vez de falar em broto a gente fala mesmo é em mulher, não é?

Quais são os países da América Latina onde você faz sucesso?
Argentina, Peru, praticamente a América Latina toda. Tenho discos lançados e tenho estado nas paradas, mas eu não gosto de falar nisso. A gente dizer "Olha, tô na parada assim assim" é meio cabotino, não? Mas eu estou dizendo apenas a título de informação porque o melhor é você constatar isso pessoalmente.

Você tem consciência de ser um cidadão latino-americano?
Como?

Você tem consciência de ser um cidadão da América Latina? Um continente que em grande parte pertence ao chamado Terceiro Mundo. Você tem consciência disso?
Bom, tenho, agora não sei em que sentido você entende. Me explique direito para que eu possa sentir exatamente o que você quer.

Durante muito tempo, você foi, e acredito que ainda seja em parte, uma espécie de intérprete dos problemas da juventude, suas aspirações, seu estado de espírito etc. Evidentemente você estava numa roda de consumo e foi obrigado a dar um tipo de coisa que, a meu ver, nem sempre eram muito importantes. Então eu lhe pergunto: pelas possibilidades e, sobretudo, pelo acesso que você teve a uma faixa imensa de jovens, podendo liderá-los e conseguir coisas magníficas, se você teve consciência disso durante sua carreira, dessas tuas obrigações de dar aos jovens algo mais do que simples ritmo e movimento?
Sabe, eu acho que a gente tem de dar o que a gente é, o que a gente sente. Então, o que eu sempre dei à juventude foram coisas muito espontâneas, muito minhas mesmo. Se eu dei música sentimental, falando de amor, disso e daquilo, pode ter certeza que foram coisas que eu senti realmente e que eu gostava de fazer.

Eu gostava, como um jovem e fora da parte profissional, de ouvir Bob Dylan falando dos problemas que ele falava, das músicas de protesto que ele fazia. Isso não quer dizer que eu me aliene do problema, não. É que eu sentia que talvez não fosse meu gênero de música, que não fosse um negócio que eu me adaptasse bem cantando, dizendo e compondo aquilo. Mas sabe, eu sou muito preocupado com o problema da pobreza e fico muito chateado com essa história de perseguição dos hippies etc.

E hoje você, com suas músicas, com sua nova figura, continua com o mesmo diálogo com os jovens de quem você foi o ídolo maior e que também cresceram em idade? E com essa turma nova, essa nova geração?
O diálogo mudou um pouco.

Por quê?
Mudou porque a coisa mudou bastante, mudou a mentalidade, os anos se passaram. Quem tinha 10 anos naquela época hoje tem 18, 20 anos. Quem tinha 20 hoje tem 26. Então, tudo isso faz com que o diálogo mude e, além do mais, a mentalidade geral da humanidade mudou muito na década de 1960.

Quer dizer que hoje as suas músicas não são destinadas a um público específico de jovens. Você naquela época fazia músicas destinadas especialmente a uma faixa etária, não é?
É, mas se você faz aquele tipo de música para os jovens de hoje, você não vai ter repercussão nenhuma. Os meninos que têm 12 anos hoje, e as meninas também, não falam a mesma linguagem dos seus coleguinhas daquele tempo.

Hoje você está preocupado com que faixa etária?
Não é bem uma preocupação, mas o tipo de música que faço agora eu não sei dizer se é destinada a um público jovem apenas ou se é destinada a um público de espírito jovem.

A verdade é que ela tem um ritmo jovem, atual, um arranjo atual. Agora, as letras se enquadram perfeitamente ao espírito da época porque hoje você não pode mais cantar "Namoradinha de um Amigo Meu", só se for para mostrar como curiosidade do que você fazia há quatro anos. Se eu tivesse feito "Namoradinha de um Amigo Meu" hoje, não seria como eu fiz há quatro anos, pelo menos o arranjo, o ritmo, a forma de cantar e um pouco da letra seria mudado.

Como está essa geração que era sua contemporânea? Quais os pontos de estrangulamento, as novas perspectivas, enfim o que você tem a dizer como um representante dessa geração, da qual inclusive você foi uma espécie de porta-voz?
É difícil analisar isso e não sou eu que devo responder. Preciso ter certeza de não estar falando uma besteira. O fato é que tudo mudou muito.

Como você se analisa atualmente diante do mundo e das pessoas? Quais os seus projetos, quais são as suas perspectivas?
Hoje em dia eu levo as coisas muito mais a sério. É mais ou menos isso o que eu sinto.

Você acha que já está vivendo a chamada "vida adulta", que você não pode mais se permitir uma série de coisas, não tem mais motivação para aquelas coisas que você gostava antigamente?
Depende. Viver uma vida adulta não quer dizer que você envelheça espiritualmente, entende? Eu sou, às vezes, até um pouco criança. Eu ainda tenho as mesmas ilusões que tinha há quatro anos. Ainda sou amante da "caranga", de mexer com carro, velocidade, motocicleta, todas essas coisas como roupa, cabelo, etc. Essas coisas todas me emocionam e me atraem terrivelmente.

E tem uma coisa importante: minha mulher [Cleonice Rossi Braga, esposa de Roberto Carlos de 1968 a 1979] também participa disso tudo. Ela tem um espírito muito jovem e gosta de tudo isso também.

casal posa para foto com bebê
Roberto Carlos e sua esposa Nice Rossi com a filha Luciana Braga - Sidney Carralo - 8.mar.1974/Agência O Globo

Você tem uma receita para alguém se manter jovem?
Eu levo as coisas com muito otimismo e espiritualidade. Eu costumo encarar os problemas de uma forma muito serena e colocá-las no devido lugar, isto é, não deixar que eles perturbem a outra parte boa da vida da gente. Eu não deixo de jeito nenhum que os problemas me tirem a alegria de viver. Sabe o meu lema? Eu sempre gosto de dizer: é o otimismo.

Roberto, a partir de certa época você passou a ser aceito pelas pessoas mais sofisticadas, a ser digerido por boa parte dos ditos intelectuais. Como você analisa isso pessoalmente?
Eu nunca me preocupei em fazer esse tipo de análise, o que eu posso dizer é que eu acho isso muito bacana.

Mas você concorda com esse fato? Isso o preocupa um pouco, ou seja, a partir do momento em que você começou a ser badalado e aceito pelas pessoas mais sofisticadas, intelectualizadas, isso não tirou um pouco de sua espontaneidade, da sua liberdade? Ou você, a partir daí, começou a se refinar um pouco mais?
Eu acho que eles me aceitaram, me aceitaram da forma que eu venho vindo. Eu não tenho que ter preocupação.

Foi você que entrou na deles, ou eles é que vieram ao seu encontro?
Não diria que eles vieram ao meu encontro; e não diria também que nunca tenha me preocupado em fazer coisas que eles gostassem também. Isso faz parte do aprimoramento do meu trabalho e não de uma coisa diretamente ligada a eles. Se eu me aprimorei ao ponto de eles gostarem de mim foi uma conquista minha, dentro do meu trabalho. E eu encaro isso como uma conquista minha, mas sem ter sido uma conquista dirigida. E isso me deixa ainda mais feliz do que se eu tivesse tido o objetivo de conquistar essa camada. Por isso, eu não tenho de me preocupar em perder a liberdade de fazer as coisas como eu sempre fiz só porque eles passaram a gostar de mim. Eles gostaram dentro daquilo eu fazia normalmente.

Você lê muito?
Não, não leio nada. Não tenho paciência para ler e sempre que começo a ler alguma coisa me dá vontade de pegar o violão. E o violão sempre ganha.

Você vai ao cinema? Gosta de cinema?
Gosto muito.

Você fez dois filmes considerados "digestivos", destinados ao público que entra no cinema e não quer nem pensar, não é? Mas há outro tipo de cineasta preocupado em fazer um cinema-compromisso, mais voltado para a problemática social, pleiteando transformações. O que você diz de tudo isso?
Realmente meus filmes não têm esse tipo de preocupação. Eles foram feitos apenas para divertir, para o público ouvir algumas músicas do meu repertório e ver algumas bobagens que eu faço. Nos próximos filmes, por uma questão de satisfazer a mim mesmo, pessoal ou artisticamente, eu tenho pretensão de fazer uma coisa mais profunda, não fugindo evidentemente ao meu estilo, mas um filme em que eu não faça mais o Roberto Carlos.

Estou pretendendo fazer um personagem sem essa de voltar a representar a mim mesmo na tela. Embora o personagem seja um cara jovem, cabeludo, com as roupas que eu ando, ele vive uma história que tem alegrias, tristezas, problemas, dramas. Nesse filme eu talvez precise ser mais ator. Meu novo filme será dirigido também por Roberto Farias.

O que você acha desses diretores do chamado cinema novo? Gostaria de ser dirigido por um deles?
Eu gosto muito desses caras. Sganzerla, Glauber... Não sei como me daria dirigido por eles. No cinema, sempre fui dirigido por Roberto Farias, que, por me conhecer muito bem, consegue arrancar muito de mim. Conversamos muito antes de cada cena.

Você disse que não lê muito, mas deve ter alguma preocupação intelectual, já publicou quatro livrinhos de contos juvenis. Você se interessa pelos problemas contemporâneos e, sem leitura, você não acha que é meio difícil a gente ficar ligado com o mundo atual?
Eu leio jornais.

Você lê o noticiário internacional, por exemplo?
A gente sempre tem uma forma de se atualizar frente aos acontecimentos. Eu vejo muito TV, ouço muito rádio. A gente sabe da notícia, mas não dos pormenores. Depois, quando a gente pega um jornal e vê aquilo que a gente já ouviu, a gente se interessa em dar uma olhadinha naquilo que está no texto. Assim a gente consegue.

Quais são as pessoas que influenciaram sua maneira de pensar?
Todas as pessoas que estão sempre comigo têm suas opiniões, e essas opiniões são levadas em conta. A gente não faz as coisas sozinho, há sempre algumas pessoas que colaboram muito para que a gente consiga as coisas.

Na sua carreira, quais foram essas pessoas?
Erasmo Carlos. Sempre discuti muito com ele os meus problemas. Marcos Lázaro. Na época em que Carlos Manga produzia meu programa, nós conversávamos bastante. Embora mamãe nunca entendesse muito dos problemas, também conversava com ela. Também com minha mulher, Nice.

Você está deixando a impressão de ser uma pessoa muito acessível. Você é capaz de gastar tempo com as pessoas?
Isso é importante. Muitas vezes, uma pessoa que não entende nada dá uma boa opinião. Às vezes, pergunto a uma pessoa: "O que você acha disto?" E ela responde: "Que bacana". Este "que bacana" é bom.

Quais são as pessoas que você frequenta aqui em São Paulo?
Ninguém. Só Erasmo Carlos.

Você não frequenta casas de algumas pessoas conhecidas, não tem uma vida social muito ativa?
Eu não tenho vida social nenhuma.

Fale do seu dia normal.
Não gosto de fazer vida social, gosto muito de ficar em casa e, uma vez ou outra, janto em casa de um amigo ou um amigo janta em minha casa. Quando alguém me convida para alguma coisa, digo que gosto das coisas informais, então as pessoas já sabem como eu gosto.

Você recebe muitos amigos em sua casa?
Informalmente, sim. Formalmente, não. Não sou de receber formalmente, marcar um jantar. Digo "ô, bicho, aparece lá em casa". Se chega na hora do almoço, a gente come junto, se aparece na hora de jantar, ele janta lá. Não uso esse troço de "queria convidar você para um jantar em minha casa".

Quais são as pessoas que vão normalmente à sua casa?
Erasmo Carlos, Fred Jorge (converso muito com o Fred), quem mais? Ah, tenho um amigo, José Eduardo Lopes, advogado, que frequenta muito a minha casa e eu também vou muito à casa dele. É um casal, José Eduardo e Cida. Eu e Nice somos muito amigos deles. Zé Eduardo gosta também de tocar violão, de falar de música e de artistas. Não é artista profissional, mas é muito interessado nessas coisas.

Você se considera hoje um paulista, um paulistano?
Eu me considero, não sei exatamente. Nasci no Espírito Santo, fiquei 12 anos lá. Fui para o Rio, onde morei dez anos e já estou há seis anos em São Paulo. O tempo é muito dividido, por isso me sinto um pouco de cada coisa, carioca, paulista, capixaba.

Você conhece bem São Paulo? O pessoal se perde muito aqui...
Aliás, conheço poucas pessoas que conhecem bem São Paulo. Mas, no jeitão, me sinto totalmente em casa. Em casa, de chinelo.

Quais os lugares a que você vai aqui em São Paulo? O fato de você ser famoso trouxe algum problema de você sair às ruas, ir ao cinema, por exemplo?
Eu vou ao cinema. Existe sempre uma fórmula. Às vezes, a gente consegue uma sessãozinha especial, com uns amigos e tal, a gente conversa com o gerente do cinema, paga e tal... Vi muitos filmes da Fama Filmes. Vou ao drive-in. Agora não tenho ido porque não tenho parado em São Paulo.

Sabe, estou falando muita coisa me baseando na minha vida de quatro meses para cá. E a minha vida de quatro meses para cá tem estado um pouco fora do meu normal de vida porque há quatro meses eu levei a família para o sítio e fiquei lá. Lá é gostosíssimo. Só vinha a São Paulo para os compromissos profissionais. Até ensaios eu fiz no sítio, quando levava o RC-7 todo para lá. De manhã, eu pescava e, de tarde, ensaiava. Em dias de gravação no Rio, gravava, voltava no voo da tarde e, de noite, já estava no sítio outra vez.

Você vai fazer um show em teatro. Aqui ou no Rio?
Vou estrear no Rio, no Teatro da Praia, e depois venho fazer uma temporada em São Paulo. Quem está produzindo é o Miele e o Boscoli.

É daquele estilo do show da Elis?
É um negócio mais ou menos assim.

Como você acha que está a música popular brasileira?
Está um pouco indefinida, tanto o samba quanto o iê-iê-iê. Não existe um estilo.

Roberto, você estava falando que gostaria de gravar uma música de Caetano Veloso...
Ah, sim, mas acho que isso é pensamento de todo artista.

Qual outro compositor desses conhecidos você gostaria de gravar?
A gente, às vezes, tem vontade de gravar alguma coisa dentro do gênero que aquele compositor faz e, naturalmente, o que ele faz dentro do seu gênero é melhor do que qualquer outro fazendo. No caso do Caetano [Veloso], ele tem dois estilos --o estilo da coisa bem compreensível, bem simples e que ele faz muito bacana; e tem o outro muito complicado que ele também gosta de fazer e que eu acho que ele está muito certo. Dentro da coisa compreensível, da coisa fácil que ele faz, eu gostaria de gravar.
Inclusive está previsto que no meu próximo LP eu grave uma música do Caetano. Uma música inédita dele. Eu estive com ele em Londres e falei muito e tal e coisa... E ele também quer gravar uma música minha e tal e coisa...A gente fica, sabe, dá uma preocupação fazer uma música pro Caetano. Pelo respeito que eu tenho por ele parece meio pretensioso mostrar uma música para ele.

Engraçado que o Caetano me saiu com uma parecida com essa: "Que que é isso, rapaz, o meu tipo de música você sabe muito bem qual é. Deixa de lado essa preocupação..." Então, eu virei para ele e disse: "Está bem, o dia em que mostrar minha música você mostra a sua também, está certo?" Agora, falando francamente, acho meio pretensioso dar uma música minha para ele gravar.

E o Jorge Ben?
Jorge Ben eu gosto muito.

O Jorge teve uma época em que trabalhou com você no "Jovem Guarda", não é?
É verdade.

Naquela época ele não estava meio perdido?
É, na época talvez ele estivesse um pouco indeciso. Estava experimentando bastante. E deu certo. Achou. Está aí fazendo um bruta sucesso, não é?

E o Chico Buarque?
Também acho muito bacana. Chico tem letras lindas, ele faz mais poesia. A letra do Chico você consegue ler sem música, isso é genial.

E o Martinho da Vila?
Eu gosto dele. É difícil você achar um adjetivo diferente para cada um, então fica falando "muito bom, muito bom".

E o Paulinho da Viola?
Espetacular. Paulinho da Viola é sensacional. Esse "Sinal Vermelho", digo, "Sinal Fechado", eu acho qualquer coisa... de uma profundidade. É uma imagem, não sei bem se ela tem profundidade, mas é uma imagem linda, maravilhosa.

E os estrangeiros. Quais as grandes influências que você teve?
Eu ouvi muito todo mundo. Eu ouço muito todo mundo. Eu, particularmente, gosto muito de Jimmy Webb, Baccarat, Lennon e McCartney e os dois separados também, mas não acho que eles me influenciaram muito, não.

O que você acha dos Beatles? Você estava mais ligado a eles antes dessa transformação enorme por que passou o conjunto?
Continuo fiel aos Beatles, fiel a Lennon e fiel a [Paul] McCartney. Existem duas épocas na minha opinião: antes e depois dos Beatles. Eu acho que eles são uma coisa que aparece assim de cem em cem anos, um negócio fora do comum, um negócio que acontece e que não tem ligação com nada; isso é que é a música dos Beatles. É uma música dos Beatles e você não pode dizer nada da música deles, você não pode definir e pronto...

Você acha que um programa seu de televisão atualmente teria a mesma repercussão que antes?
Depende do programa, mas não deveria ser um programa do tipo que foi o "Jovem Guarda" em que se diz "vamos ouvir", "acabamos de ouvir", "agora vamos apresentar a brasa tal", e o cara entrava, cantava, um programa feito da coxia para o microfone, do microfone para a coxia...

Seria um programa mais sofisticado?
Talvez, sofisticado, mas bem dosado.

Você está de acordo que a televisão desgasta muito o artista, satura a sua imagem junto ao público. Você nota isso com você?
Não sei se a televisão desgasta. A forma é que é importante. O Eddie Sullivan até hoje faz um programa semanal na televisão americana e não está desgastado. A gente nem sabe se o interesse é no Eddie Sullivan ou nas coisas que se vê no programa dele.

Naturalmente que o público se interessa por ver um artista num programa, mas também quer ver o artista bem apoiado com outras coisas que ele também gosta de ver. Isso no Brasil é meio problemático porque custa muito dinheiro e, não sei, parece que aqui as coisas se desgastam muito depressa.

Você está com algum programa em vista? Parece que o Manoel Carlos disse que você ia fazer um especial com ele, um programa mensal. Como é que está isso?
Bem, eu só faria um programa exclusivo se fosse mensal. Semanal eu não pretendo fazer. Deveria ser um programa variado, com recursos, tudo muito bem montado, cenários sempre diferentes e também o esquema.

O que tem sido o ponto fundamental do seu sucesso, Roberto? A televisão, os shows ou são os discos que você vende muito? Como você explica sua permanência em cartaz por tanto tempo?
O povo me conheceu primeiro pela TV, mas se identificou comigo através do disco. Acredito que todas as coisas foram importantes na minha carreira, TV, cinema, shows, mas o disco é um pouco mais importante.

Você é o cantor que mais vende discos no Brasil? Você deve saber isso porque as empresas devem ter um controle.
Depois você vê. Eu me sinto muito pouco à vontade para responder a isso.

Mas deixando a modéstia de lado...
Não, não, não me sinto à vontade.

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