Um homicídio em 1993 deu origem a conflitos que resultaram em 156 mortes em cinco anos, de acordo com o Ministério Público de São Paulo.
Esse dado, incluído em "A Fé e o Fuzil" (Todavia), de Bruno Paes Manso, sintetiza o cenário de violência nas periferias de São Paulo nas décadas de 1980 e 1990: um assassinato, muitas vezes por motivos banais, levava a ciclos de vingança intermináveis, produzindo um efeito bola de neve que fazia as estatísticas crescerem a cada ano e os jovens a se preocupar, antes de mais nada, com a própria sobrevivência.
A situação, que parecia não ter saída, foi pouco a pouco se distensionando. Não de cima para baixo, a partir de uma ação das polícias ou da Justiça, mas principalmente de baixo para cima, argumenta o jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP em seu livro recém-lançado.
Convidado deste episódio, Manso chama a atenção para o novo sistema de valores difundido por igrejas pentecostais e por facções criminosas e afirma que a reprogramação de mentes por meio da conversão, promovida tanto por pastores quanto no PCC, permitiu que o Brasil popular das periferias inventasse mecanismos para se governar.
Na conversa, Manso diz que a onda pentecostal recorre à imagem do Deus vingativo do Antigo Testamento e impulsiona discursos de batalha espiritual e perseguição a infiéis, em que a pretensa guerra do bem contra o mal logo extrapola os cultos e passa a influenciar os rumos da política nacional.
Foram sendo construídas igrejas que transformaram o vocabulário e passaram a lidar com os valores de uma sociedade em que, se você tem dinheiro, pode testemunhar a diferença entre vida e morte. Pode comer, ter casa, ter educação e condição de trabalhar. Se você não tem dinheiro, está perdido. Essa visão realista da situação acabou sendo articulada, e a solução foi promovida pelas instituições criadas no seio da miséria, de pessoas que viviam a miséria e percebiam o desafio que era participar desse mercado cada vez mais relevante. De um lado, as igrejas promoveram o autocontrole das pessoas, dos seus desejos e dos seus comportamentos. Do lado do crime, houve uma transformação da mentalidade do criminoso em São Paulo, via PCC, que tem muitos aspectos parecidos com a igreja
Para o autor, um Jesus másculo e simpatizante da extrema direita tomou o lugar do Jesus fraterno e pacifista. Citando o teólogo Fernando Altemeyer Júnior, Manso diz que o pentecostalismo se tornou uma religião do capital, em que o sucesso financeiro individual, considerado uma benção divina, se torna a razão de existir.
Lançamento de "A Fé e o Fuzil"
Debate de Bruno Paes Manso e Preto Zezé com mediação de Juliana Borges
Quinta-feira (21) às 19h na Livraria da Tarde (r. Cônego Eugênio Leite, 956, Pinheiros, São Paulo). Entrada gratuita
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O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.
Já participaram do Ilustríssima Conversa Gabriela Leal, antropóloga que pesquisa cultura hip-hop e grafitti, Antônio Bispo dos Santos, pensador quilombola que propõe o conceito de contracolonização, Luiz Marques, que discutiu por que este decênio é decisivo para lidar com a catástrofe climática, Bela Gil, que defendeu a remuneração do trabalho realizado por donas de casa, Javier Montes, escritor espanhol que se debruçou sobre a vida da dançarina e naturista Luz del Fuego, Paulo Arantes, professor de filosofia da USP para quem Lula terá sucesso se frear a extrema direita, Eliane Brum e Maria Rita Kehl, convidadas do episódio comemorativo dos cinco anos do podcast, João Moreira Salles, autor de livro sobre o modelo predatório de ocupação da Amazônia, Ailton Krenak, que abordou a tragédia do povo yanomami, Gabriela Lotta e Pedro Abramovay, que discutiram os papéis de burocratas e políticos em uma democracia, entre outros convidados.
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