O que poderia superar o Super Bowl na TV dos EUA? Futebol, alienígenas e quase nada mais

Fox detém exclusividade sobre transmissão do evento, que mobilizou mais de 110 milhões de espectadores em 2022

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Bill Shea
The New York Times

A transmissão pela Fox do jogo entre o Kansas City Chiefs e o Philadelphia Eagles, no Super Bowl 57 deste domingo (12), quase certamente será o programa de qualquer gênero mais assistido na televisão americana, este ano.

Isso porque a NFL (Liga Nacional de Futebol Americano) há muito tempo vem sendo a propriedade televisiva mais quente dos Estados Unidos, e o domínio que a decisão anual do campeonato de futebol americano, transmitida por uma única rede de TV, exerce continua incontestado, mesmo que a televisão em geral venha perdendo audiência há anos.

Mas será que essa supremacia vai perdurar? O que poderia acabar com a audiência estratosférica do grande jogo anual?

Um torcedor vestido como o técnico do Kansas City Chiefs, Andy Reid, posando ao lado de um totem do Super Bowl LVII e da esposa
Um torcedor vestido como o técnico do Kansas City Chiefs, Andy Reid, posando ao lado de um totem do Super Bowl LVII, durante o evento NFL Experience. - Mike Lawrie/Getty Images via AFP

Conversamos com diversos especialistas do setor e o consenso foi simples: provavelmente nada.

Isso posto, há muitos exemplos de eventos que poderiam atrair enormes audiências, mas esses eventos hipotéticos são em sua maioria catástrofes e notícias de última hora que terminariam cobertas por múltiplos canais, e não transmitidas por uma só rede.

Mas ninguém vai vender publicidade para ser veiculada durante um ataque terrorista, uma catástrofe natural, ou algum outro evento trágico, e em nosso exercício mental decidimos nos ater a programas de TV tradicionais, que podem ser monetizados –e é exatamente isso que o Super Bowl é: uma propriedade de entretenimento cujo objetivo é ganhar dinheiro.

Os comerciais de 30 segundos para o jogo deste ano na Fox aparentemente foram vendidos por mais de US$ 6 milhões de dólares, e em alguns casos por mais de US$ 7 milhões. A rede espera faturar US$ 600 milhões com o jogo.

A vitória de último segundo do Los Angeles Rams sobre o Cincinnati Bengals no Super Bowl 56, em 2022, teve uma média de 112,3 milhões de espectadores na NBC, com 99,1 milhões em TV tradicional e o restante via streaming e plataformas digitais. A NFL mesma informou em um estudo posterior, realizado em parceria com a empresa de pesquisa midiática Nielsen, que o total de audiência foi superior a 208 milhões de pessoas nos Estados Unidos, mas esse não é um número que possa ser usado para calcular valores de vendas de anúncios.

O último programa de TV a conseguir audiência superior à do Super Bowl em um ano televisivo foi o episódio final da série "M.A.S.H.", em fevereiro de 1983, que atingiu uma média de 105,97 milhões de espectadores na CBS (com índice de audiência de 60,2 e "share" de 77, dois outros números
que continuam a ser recorde na televisão). O Super Bowl 17 daquele ano, realizado em 30 de janeiro (o Washington Redskins derrotou o Miami Dolphins por 27 a 17) teve uma média de 81,7 milhões de telespectadores.

Afora o Super Bowl, o último programa a obter um "share" superior a 40 na TV americana foi o episódio final da série "Seinfeld", em 1998, com 41,3. O índice de audiência é a porcentagem de domicílios com televisores que assistam a um determinado programa; o "share" é a porcentagem de domicílios equipados com televisores que estejam ligados naquele horário e sintonizados no programa.

Oito Super Bowls atraíram audiências maiores na televisão desde o episódio final de "M.A.S.H." –intitulado "Goodbye, Farewell and Amen"–, e todos eles aconteceram depois de 2010. Aquele foi o ano em que o Super Bowl enfim tirou a série de humor e drama passada na época da guerra da Coreia, que esteve em cartaz entre 1972 e 1983, do topo da tabela de audiência televisiva.

A menor audiência do Super Bowl desde aquele episódio de "MASH" foi a do Super Bowl 24, de 1990, que teve uma média de 73,85 milhões de espectadores, de acordo com a Nielsen. A maior foi de 114,44 milhões de espectadores, no Super Bowl 49, de 2015.

O setor de televisão dos Estados Unidos também mudou radicalmente desde 1983, com uma proliferação maciça de canais a cabo, o surgimento da Internet e de outras opções de entretenimento alternativas, e a ascensão do streaming, que está matando a TV por assinatura. Além disso, o número de pessoas que assistem ao jogo em bares, restaurantes e outros locais só passou a ser incluída nos números da Nielsen a partir de 2020.

Assim, voltando ao nosso exercício mental, o que seria necessário para que o Super Bowl perdesse o seu trono em termos de número de espectadores?

"Obviamente, uma crise ou tragédia nacional poderia competir, mas acredito que vá demorar muito tempo para que qualquer evento planejado ultrapasse o Super Bowl", disse Michael MacCambridge, autor de
"America's Game: The Epic Story of How Pro Football Captured a Nation" (2004), um livro sobre o Super Bowl.

"É o programa de televisão mais visto todos os anos, entre os homens, mas também entre as mulheres (superando facilmente o Oscar, etc.), e em quase todas as categorias demográficas que se possa imaginar. A combinação entre o show do intervalo e a ênfase pesada em publicidade inovadora faz do jogo uma festa que fãs casuais e pessoas que não torcem por nenhum time de futebol americano se interessam por ver. Isso faz com que o Super Bowl seja o jogo da NFL que menos parece um jogo da NFL, a cada ano, mas é difícil argumentar contra o número de espectadores que ele atrai".

MacCambridge especulou que o futebol poderia ser um possível matador de rei, mas a seleção masculina dos Estados Unidos nem de longe vem encontrando o mesmo sucesso da seleção feminina.

"Talvez os Estados Unidos cheguem à final da Copa do Mundo quando ela for disputada aqui, em 2026? É claro que as probabilidades de isso acontecer não são muito boas, infelizmente", ele disse.

O futebol, que atrai faixas etárias mais jovens e tipicamente mais familiarizadas com a tecnologia, parece ser o esporte óbvio para potencialmente derrubar o domínio do Super Bowl, no futuro.

O problema quanto a isso é que a principal liga nacional de futebol dos Estados Unidos no momento não é nem o torneio de futebol mais popular no país. A Major League Soccer ocupa o terceiro lugar no ranking dos espetadores de futebol dos Estados Unidos, abaixo da Premier League e da Liga MX do México, que têm históricos muito mais longos.

"Seria a Premier League ou a Copa do Mundo", disse Jane McManus, diretora executiva do Seton Hall’s Center for Sports Media. "Os melhores jogadores de futebol do mundo não jogam nos Estados Unidos".

Larry Mann, vice-presidente executivo da agência integrada de mídia e marketing esportivo rEvolution, disse que a recente Copa do Mundo de futebol masculino teve 1,5 bilhão de espectadores em todo o mundo.

"Seria possível argumentar que, se o interesse pelo futebol continuar a crescer nos Estados Unidos, e se tivermos um cenário ideal no futuro em que os Estados Unidos sejam anfitriões da Copa do Mundo e a seleção masculina do país chegue à final diante de um adversário de primeira linha, o número de espectadores talvez ultrapassasse o do Super Bowl", ele disse.

Robert Seidman, veterano analista de índices de audiência televisivos, brincou que só o quadribol —o jogo voador dos livros e filmes de Harry Potter— poderia ultrapassar o Super Bowl. E mesmo assim, só se alguns dos talentos da NFL estivessem envolvidos.

"No ano de 2038 ... (Tom) Brady, aos 60 anos, leva o San Francisco Hufflepuffs ao campeonato mundial de quadribol profissional", ele disse, "e esse se torna o evento esportivo mais assistido do ano e de todos os
tempos, nos Estados Unidos e no resto do planeta".

Embora ele esteja brincando, a sensação é de que seria algo assim que precisaria acontecer.

Na realidade, seriam necessárias mudanças significativas naquilo que os americanos gostam de assistir e na forma pela qual assistem, para derrubar a decisão anual do título da NFL.

"Posso imaginar que as tendências de audiência televisiva e o apetite cultural pelo futebol americano se combinem de maneiras que reduzam dramaticamente o número de espectadores. Mas mesmo assim, é difícil imaginar um cenário em que o Super Bowl já não esteja no topo", disse Seidman.

As mudanças nas tendências e preferências afetam outros programas, igualmente, disse Jon Lewis, fundador do Sports Media Watch, um site que vem acompanhando as tendências de audiência de eventos esportivos ao vivo desde 2006.

"Se o Super Bowl estiver em declínio, todo o resto também estará", ele disse. "Se o Super Bowl tiver 20 milhões de espectadores, isso quereria dizer que vivemos em uma paisagem pós-apocalíptica e todo o resto também terá uma audiência menor".

Ele não acredita que o jogo vá perder sua posição dominante nessa geração.

"Não creio que coisa alguma tenha uma chance. Teria de ser uma notícia séria de última hora e, nesse caso, estaríamos falando de uma coisa horrível e assustadora", disse Lewis. "Ninguém vai comprar tempo de publicidade durante um evento noticioso".

No entanto, ele apontou, há anos em que o Super Bowl registra as audiências totais mais altas mas um índice de audiência televisivo menor. Por exemplo, em 1994 o Dallas Cowboys venceu o Buffalo Bills no
Super Bowl 27, transmitido pela NBC, e o jogo teve uma média de 90 milhões de espectadores e índice de audiência de 45,5, enquanto a decisão de um evento de patinação artística feminina –na época da saga
Tonya Harding e Nancy
Kerrigan– teve índice de audiência de 48,5 na CBS, o que deu ao evento o sexto maior índice de audiência da TV americana em todos os tempos.

Os índices de audiência importam mais que o número bruto de espectadores, na maior parte dos programas, porque os anunciantes querem divulgar seus produtos e serviços a audiências específicas medidas pela Nielsen. O Super Bowl, que desde a década de 1980 vem sendo um grande painel publicitário tanto quanto um jogo de futebol americano, liderará em todas as categorias demográficas no domingo.

Patrick Crakes, um analista do setor de mídia e antigo executivo da Fox Sports, disse que o mais provável é que o Super Bowl se alinhe de maneira mais próxima com outros programas, o que reduziria a disparidade de audiências. Algo que poderia acelerar essa tendência é que o Super Bowl termine por se transformar em um evento pago em serviço de streaming - o que parece mais possível agora que ligas inteiras, como a Major League Soccer, e até pacotes da NFL como o "Thursday Night Football" estão sendo transmitidos via streaming.

"Um ajuste no modelo de negócios mundial, dentro de uma década, que resulte em o Super Bowl se transformar em evento exclusivo de streaming pago poderia reduzir sua audiência para um nível parecido ao de outros eventos de elite", disse Crakes. "Isso posto, não importa qual seja o atrito que a audiência venha a sofrer nos próximos 10 anos, estou disposto a apostar US$ 100 mil em que nada conseguiria superar a audiência do jogo, salvo a chegada de alienígenas –e mesmo assim, se eles forem espertos, aterrissarão durante o Super Bowl".

Depois de passar por possibilidades fantásticas como a chegada de alienígenas ou um apocalipse zumbi, e por perspectivas genuínamente terríveis, como uma guerra mundial, nosso exercício mental regressa a uma comparação entre a transmissão por rede única versus cobertura por múltiplas redes.

"A menos que o evento seja exclusivo, o problema é que haverá pessoas diferentes espalhadas por canais diferentes", disse Derek Rucker, um especialista em publicidade no Super Bowl e professor de marketing na Kellogg School of Management, Universidade Northwestern.

O discurso do presidente Biden sobre o Estado da União, na noite de terça-feira, teve uma média de 27,3 milhões de telespectadores, mas o total representa a soma dos canais ABC, CBS, CNN, Fox, MSNBC e NBC. Isso representa uma audiência inferior aos 38 milhões de espectadores do ano passado, e provavelmente não vai entrar para a lista dos 100 programas mais assistidos do ano nos Estados Unidos –que em 2022 incluiu 82 jogos da NFL (uma estatística que demonstra porque a liga tem mais de US$ 113
bilhões em contratos de mídia de longo prazo.)

Rucker também explicou as vantagens de que o Super Bowl desfruta, depois de 56 anos na televisão, sobre qualquer evento que venha a ser criado e sobre outros esportes.

"Embora o evento em si não seja roteirizado, ele está associado a reuniões de amigos, a conversas sobre o jogo, e a conversas sobre os comerciais exibidos durante a partida", ele disse. "Tudo isto alimenta o
interesse tanto antes quanto depois do jogo, o que leva as pessoas a dedicarem mais atenção ao evento. Uma maneira de analisar a situação é que existem conhecimento e cultura compartilhados em torno do evento –e é difícil que qualquer outro evento consiga criar isso a partir do zero".

A transmissão ser ao vivo também ajuda o jogo, ele disse. "O Super Bowl acontece em tempo real, e isso tem uma atração gravitacional própria, e atrai as pessoas para ele", disse Rucker.

"Também acontece dentro de um limite de tempo prefixado, o que ajuda a definir regras sobre como ajustá-lo. O fato de que se trata de um evento ao vivo também faz com que seja menos empolgante assistir ao jogo em replay".

Fora notícias urgentes, um cenário potencial para que um evento conquistasse audiências enormes seria que uma grande rede de televisão transmitisse gratuitamente uma série ou filme de prestígio, ao estilo da
HBO, como "Game of Thrones", com poucos intervalos comerciais, disse McManus.

"Seria possível chegar perto dos números do Super Bowl", ela disse.

O episódio final de "Game of Thrones", em 2019, teve uma média de 19,3 milhões de espectadores, entre os quais 13,6 milhões que o viram ao vivo em sua estreia às 21h. Uma diferença da televisão programada com relação ao esporte ao vivo é que a primeira pode obter audiência significativa de pessoas que assistem depois da transmissão inicial.

Assim, embora o Super Bowl deva continuar a ser o rei da televisão americana por muito tempo, contemplar o futuro distante revela potenciais problemas, desconsiderados alienígenas, zumbis, dragões ou bolas de futebol.

O número de adultos americanos na faixa etária dos 18 aos 34 anos que planejam assistir ao jogo entre Chiefs e Eagles é nove pontos percentuais mais baixo este ano do que no ano passado, de acordo com uma nova pesquisa da Morning Consult.

Sessenta e seis das 100 pessoas entrevistadas nessa faixa etária —uma das categorias demográficas publicitárias tradicionais para marcas que tentam criar fidelização de compradores em longo prazo— disseram que planejam assistir, ante os 75% de entrevistados que planejavam assistir ao jogo entre Rams e Bengals no ano passado. Essa é a maior queda em qualquer faixa etária, entre os pesquisados.

Além disso, este ano houve uma alta de cinco pontos percentuais, com relação a 2022, no número de respondentes na faixa dos 18 aos 34 anos que disseram que não pretendem assistir ao jogo, para 25%, segundo a Morning Consult.

Os números finais de audiência para o jogo de domingo devem sair na terça-feira (14), embora dados preliminares talvez já estejam disponíveis na segunda (13).

Ainda é cedo demais para dizer se essa pesquisa reflete uma tendência de longo prazo, mas é certamente algo que precisa ser monitorado —e as redes de TV, anunciantes e NFL com certeza o farão.

The Athletic, tradução de Paulo Migliacci

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