Governo diz que expulsão de chavistas não tem caráter compulsório e que retorno à Venezuela é seguro

Manifestação da AGU relata reuniões do Itamaraty com venezuelanos para tratar da saída

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Brasília

Em resposta à determinação do STF que barrou a expulsão dos representantes do ditador Nicolás Maduro do Brasil, o governo Jair Bolsonaro argumentou que a ordem de saída dos venezuelanos não tem caráter compulsório e destacou que, mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, não há obstáculos para o retorno em segurança dos chavistas à Venezuela.

Parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) defendendo a derrubada da decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso sustenta que, se os chavistas forem declarados personae non gratae, como ameaça o Itamaraty caso eles não deixem o Brasil, isso significa tão somente a recusa em reconhecê-los como membros de missão diplomática e a consequente perda de privilégios e imunidades.

A ordem de saída enviada à embaixada, ressalta a Advocadia-Geral da União, "não se confunde, em absoluto, com ato de expulsão ou de retirada compulsória".

Para o governo, o impasse dos diplomatas venezuelanos se insere num contexto de relações entre países, uma competência privativa do p residente da República. Nesse sentido, a interferência do STF nesse campo configuraria "nítida ofensa ao princípio da separação de poderes".

Grupo ligado a Juan Guaidó deixa embaixada da Venezuela em Brasília escoltado pela polícia militar
Grupo ligado a Juan Guaidó deixa embaixada da Venezuela em Brasília escoltado pela polícia militar - Pedro Ladeira - 13.nov.19/Folhapress

O documento da AGU endereçado ao Supremo narra ainda conversas realizadas nos últimos meses entre Itamaraty e diplomatas bolivarianos para argumentar que eles tinham sido avisados com antecedência da ordem de saída do território nacional, ao contrário do que alega Caracas.

"De fato, não convence, data venia, o argumento no sentido de que haveria algum perigo no retorno do corpo diplomático ao seu país de origem. Obviamente os diplomatas são funcionários públicos graduados em sua terra natal. Assim, pelo que se pode pressupor, seriam tratados dignamente ao retornarem. Nada há nos autos elemento que conduza a um entendimento diferente", destaca a AGU, em documento elaborado pela advogada da União Raquel Barbosa de Albuquerque e subscrito pelo Advogado-Geral, José Levi.

Em 2 de maio, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, acatou um pedido do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e suspendeu por dez dias uma ordem de expulsão de 34 funcionários do regime de Maduro.

A data limite para a saída expirava no mesmo dia e deveria ser cumprida também pelos familiares dos chavistas.

Segundo relataram interlocutores à Folha, algumas das pessoas que estão na lista já deixaram o Brasil, mas outras permanecem em território nacional.

Um dos argumentos levantados na decisão de Barroso são os maiores riscos de contágio pela Covid-19 que os chavistas estariam sujeitos no deslocamento para o seu país de origem.

Contra isso, a AGU destaca que —segundo dados pretados pelo próprio regime bolivariano— a situação do novo coronavírus na Venezuela está mais controlada do que no Brasil.

"Ademais, segundo informações obtidas junto a rede mundial de computadores, a Venezuela apresenta um número baixíssimo de contaminados pelo novo coronavírus, qual seja, 361 pessoas, com 158 recuperados e 10 mortes, números esses infinitamente melhores que os divulgados oficial e diariamente pelo Ministério da Saúde no Brasil, de modo a evidenciar que inexiste risco vinculado à saúde pública no retorno ao local de origem", diz a peça.

Autoridades venezuelanas, entre elas Maduro, costumam destacar os baixos números de contágio pelo coronavírus em seu país.

No entanto, o caráter autoritário do regime e a falta de informações confiáveis colocam em dúvida essas estatísticas e levam especialistas a alertar que o cenário na Venezuela pode ser pior do que o oficialmente divulgado.

"Embora não caiba ao Estado brasileiro se pronunciar sobre a veracidade ou não da narrativa apresentada pelo senhor Nicolás Maduro, há outros elementos que permitem concluir que aquele regime não considera em nada impossível o repatriamento de cidadãos venezuelanos com segurança", ressalta a AGU, com base em informações prestadas pelo Ministério das Relações Exteriores.

Ela cita ainda que em 14 de abril a atual chefe da embaixada da Venezuela no Brasil, Irene Rondón, enviou e-mail ao governo brasileiro solicitando apoio para permitir que dois cidadãos venezuelanos, retidos na área internacional do aeroporto de Guarulhos, pudessem entrar no Brasil para retornar por meios próprios ao seu país.

"A pergunta que se coloca é: se o trânsito pelo território brasileiro com destino final à Venezuela era considerado seguro para dois indivíduos, sobre os quais não se tem notícia nem se dominavam a língua portuguesa, por que não o seria para agentes diplomáticos e consulares?"

A manifestação da Advocacia-Geral da União também relata contatos prévios com Irene e outros representantes diplomáticos de Maduro para rebater as acusações de que Caracas não teria sido avisada da ordem de expulsão.

As informações prestadas pelo Itamaraty indicam tratativas entre dois governos antagônicos para possibilitar a repatriação de diplomatas brasileiros que serviam na Venezuela e, por outro lado, dos funcionários daquele país que trabalham no Brasil —o regime bolivariano alega que essas negociações prévias nunca foram realizadas.​

Segundo o parecer, em 2 de março Irene e o adido militar Manuel Antonio Barroso tiveram uma reunião no Itamaraty.

"Na ocasião, tratou-se da retirada, em até 60 dias, de todos os membros do pessoal da embaixada do Brasil em Caracas e membros das repartições consulares em diversos postos na Venezuela e, em paralelo, da partida dos funcionários acreditados junto ao governo brasileiro que compunham o quadro de pessoal da embaixada da Venezuela em Brasília e de repartições consulares sediados em outras cidades do território nacional."

A repatriação do corpo diplomático brasileiro ocorreu em 17 de abril, em voo da FAB (Força Aérea Brasileira).

A suspensão da ordem de expulsão pelo STF criou um impasse no governo Bolsonaro.

Em paralelo à resposta judicial, auxiliares de Bolsonaro passaram a discutir medidas adicionais para resolvê-lo.

Uma das opções colocadas sobre a mesa é que o Brasil comunique os chavistas de que eles poderão solicitar um visto humanitário ou de refúgio caso prefiram não voltar para a Venezuela durante a crise.

Nesse cenário, eles deixariam de estar no Brasil como diplomatas e perderiam as imunidades e os privilégios inerentes a essa função. Mas não precisariam deixar o país em meio à emergência sanitária.

Nas discussões sobre o tema, membros do governo Bolsonaro destacaram que o oferecimento de vistos colocaria ainda sobre os chavistas o ônus de declarar que preferem passar pela crise do coronavírus no Brasil, e não na Venezuela.

A primeira determinação de que os diplomatas bolivarianos deveriam deixar o Brasil é do início de março. Na ocasião, foram dados 60 dias para que a decisão fosse cumprida.

Recentemente, o Itamaraty enviou documento à embaixada e aos consulados venezuelanos no país e reforçou que seus funcionários deveriam sair do Brasil até 2 de maio, o que motivou a demanda judicial.

A saída do corpo diplomático de Maduro do Brasil é um desejo antigo de Bolsonaro, desde que reconheceu o líder opositor Juan Guaidó como presidente da Venezuela.

Tanto que o governo considera a advogada María Teresa Belandria, enviada por Guaidó ao Brasil, como a embaixadora legítima do país vizinho.

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