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Ross Douthat

Conservadores nos EUA falharam na estratégia com os não vacinados

Republicanos como Trump tiveram a melhor oportunidade de se comunicar com seus apoiadores indecisos

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Ross Douthat
The New York Times

No último outono do hemisfério Norte, um grupo de pesquisadores realizou um experimento: eles mostraram para milhões de usuários do YouTube nos Estados Unidos um anúncio que salientava o apoio de Donald Trump às vacinas contra a Covid-19, usando gravações de noticiários em que o ex-presidente pedia que as pessoas se imunizassem.

Foi um teste de controle randomizado, comparando municípios expostos aos anúncios com outros que não o foram, e em um novo trabalho os pesquisadores afirmam que os anúncios funcionaram: durante o experimento de duas semanas e meia, os 1.014 municípios que participaram da campanha tiveram 104.036 vacinações a mais em geral, segundo estimativas.

Assim como em todos os estudos, esses resultados devem ser vistos com cuidado, mas eles tratam de uma pergunta-chave enquanto os EUA saem —como esperamos— do pior momento da era da Covid, mas também se aproximam de 1 milhão de mortos: quanto mais poderia ter sido feito para combater a indecisão sobre as vacinas e quanto mais a hesitação republicana sobre a vacina, especialmente, poderia ter sido superada?

Deputada republicana Marjorie Taylor Greene com máscara com os dizeres 'Trump ganhou' no Congresso dos EUA - Joshua Roberts - 3.jan.21/Reuters

Essa pergunta é mais aguda para os conservadores, e chegaremos à responsabilidade da direita em um momento. Mas é importante para os progressistas também, porque um governo assim está conduzindo o país durante a maior parte da era da vacinação, e um sistema de saúde pública fortemente progressista foi responsável por imaginar como alcançar os não vacinados.

Comunicar-se em um ambiente polarizado é tarefa difícil, e certo grau de fracasso era inevitável. Mas quando ficou claro que a resistência republicana à vacina seria um problema, parecia que as autoridades só tiveram duas reações: obrigatoriedade e críticas, tentar forçar as pessoas a tomar as injeções e queixar-se da desinformação quando elas não tomavam.

Mas o experimento do anúncio, a aparente eficácia de simplesmente salientar a retórica pró-vacina de Trump para públicos receptivos, é um exemplo de um tipo de criatividade diferente. O ceticismo republicano dificilmente era monolítico: a maioria dos republicanos foi vacinada; muitos conservadores proeminentes —políticos, figuras da Fox News e outros— pediram que as pessoas a tomassem; e muitas figuras da direita insistiram que eram a favor da vacina, mas contra a obrigatoriedade dela.

Tudo isso poderia ter sido material para formas de publicidade e comunicação mais amigáveis para os republicanos, e portanto mais convincentes, do que as que o governo Biden afinal produziu, focadas em obrigatoriedade e desinformação.

Pelo menos é o que me inclino a pensar. Mas afinal foram os próprios republicanos (autoridades, personalidades da mídia, Trump) que tiveram a melhor oportunidade de se comunicar com seus apoiadores indecisos sobre a vacina, de cortar os anúncios e suspender os eventos e de outras maneiras quebrar as formas de desconfiança mais compreensíveis e com motivos sinceros. E por isso é no conservadorismo que o fracasso do último ano ficou mais claro.

A melhor maneira de entender o fracasso é conectá-lo às coisas que os conservadores acertaram, pelo menos em parte, ao longo de 2020 e 2021. Em particular, ao analisarmos a era da pandemia, as dúvidas da direita sobre as diferentes estratégias de mitigação —obrigatoriedade de usar máscaras, fechamento de escolas, lockdowns, distanciamento social— hoje têm um certo volume de dados em seu apoio.

Por exemplo, falou-se muito durante 2020 que os estados republicanos, que reabriram rapidamente, estavam matando seus habitantes, enquanto os estados azuis os estavam protegendo. Mas, como indicou meu colega David Leonhardt, "no final do primeiro ano da Covid nos EUA, o vírus tinha varrido todo o país e não havia divisão partidária significativa nas mortes".

Mais recentemente, quando a ômicron assolou o país, ele comentou que era difícil discernir uma clara diferença nos índices de infecção entre municípios progressistas e conservadores, apesar de as áreas liberais ainda estarem implementando mais medidas de mitigação.

Ou, saindo dos EUA: um estudo publicado no mês passado na revista The Lancet que examinou o excesso de mortes em todo o mundo na era da Covid descobriu que dois países europeus frequentemente criticados por serem negligentes em comparação com seus vizinhos, a Suécia e a Grã-Bretanha, não tiveram resultados notavelmente piores que seus pares.

Essas tendências são sugestivas; elas não significam que todas as intervenções não farmacêuticas foram inúteis. Mas implicam que foram geralmente exageradas, suas bases científicas enfatizadas em detrimento de dúvidas razoáveis.

Combine essa realidade com os danos claros de algumas intervenções, especialmente o fechamento de escolas, e você chega ao padrão de fatos que transformou uma figura como Ron DeSantis em um herói folclórico conservador por resistir a muitas dessas medidas.

Mas então, desse padrão de fatos, a direita tirou conclusões erradas para a fase da vacina da era da Covid. A conclusão errada mais abrangente foi uma tirada por pessoas totalmente antivacina —que se as autoridades de saúde pública tinham exagerado os benefícios e minimizado os custos quando promoveram intervenções não farmacêuticas, deveríamos supor que elas estavam exagerando loucamente os benefícios e escondendo algum custo ainda maior ao promover as vacinas.

Mas mesmo conservadores que não se opuseram totalmente à vacina muitas vezes pareciam ver a imunização como um fato consumado, tratando-a como uma decisão meramente individual e voltando a maior parte de seus tiros para os riscos da próxima rodada de gastos em saúde pública.

Esses riscos existiam, especialmente nos EUA azuis, democratas —mas as vacinas foram tão mais eficazes em evitar as mortes do que a maioria das intervenções não farmacêuticas mais comuns que muitos líderes conservadores acabaram desequilibrados, guardando seu entusiasmo para se oporem a qualquer coisa que progressistas quisessem fazer depois.

Uma figura como DeSantis exemplificou esse problema. Ele fez um grande esforço inicial pela imunização na Flórida, mas ficou claramente muito mais à vontade fazendo força contra a obrigatoriedade do que sendo um vendedor permanente das vacinas a que parte de seu eleitorado principal resistia.

E isso foi um problema porque ele, exatamente devido à credibilidade que havia construído resistindo antes aos excessos da saúde pública, era o melhor vendedor possível que havia na Flórida —e não só lá— que não se chamasse Donald Trump.

O fato de ele ser antivacina não era suficiente: exatamente porque os EUA vermelhos (republicanos) estavam mais resistentes que os azuis, era preciso que seus líderes apregoassem a vacina não só no início, mas também durante as ondas da delta e da ômicron.

Mas um estudo que usou vídeos de Trump para vender a vacinação a mais de 100 mil americanos se encaixa, pelo menos, com o que penso que observamos em 2021. Muita resistência à vacina, não apenas na direita, foi mais contingente e maleável do que sugeriam as narrativas sobre a marcha cerrada do grupo antivacina. E poderia ter sido mais aberta à persuasão à moda antiga, se tivessem usado a persuasão certa.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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