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Eduardo Girão

Uma CPI para buscar toda a verdade e não apenas parte dela

Restringir a investigação à esfera federal seria mero palanque político

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Eduardo Girão

Senador da República (Podemos-CE) e empresário

Desde o início de meu mandato escolhi a independência como postura a ser adotada diante do governo Jair Bolsonaro. Em algumas ocasiões votei a favor do governo, por julgar que a proposta em questão era positiva ao país. Em outras, votei contra, pois considerei que a orientação do Planalto estava equivocada. Fiz isso, por exemplo, ao votar contra a indicação do agora ministro Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal e também quando atuei pela derrubada do decreto presidencial que flexibilizou o porte de armas no Brasil.

Com esse fato devidamente exposto, reforço neste espaço o que tenho defendido insistentemente nas últimas semanas junto aos meus colegas senadores e que, felizmente, foi ouvido pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG): a única CPI realmente justa para apurar as denúncias de irregularidades envolvendo recursos federais para o combate da Covid-19 é aquela que siga o dinheiro por onde quer que ele tenha passado, ou seja, União, estados e municípios.

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) - Jefferson Rudy/Agência Senado

Meu requerimento foi apresentado em 2 de março, muito antes da fala do presidente sobre o tema e antes da base governista mostrar interesse na CPI, fato este que só ocorreu por causa da mobilização popular que pressionou por adesão à minha lista. Tenho independência o suficiente, portanto, para defender que a administração federal seja investigada com rigor e que eventuais culpados sejam punidos, mas restringir o alcance da CPI apenas à esfera federal seria buscar, de propósito, somente parte dos fatos, gerando mero palanque político.

Essa opção ignoraria as evidências de mau uso de verbas públicas destinadas à saúde, e provenientes da União, quando estas chegaram aos governos estaduais e municipais. Desde que o Brasil entrou em estado de calamidade pública, a Polícia Federal fez, em todas as unidades da Federação, dezenas de operações envolvendo contratos suspeitos, fraudes em licitações, superfaturamento, entre outras formas de ilegalidade. Seguir o dinheiro somente por parte do caminho, tendo ciência dos problemas que ocorrem depois daquele ponto, seria uma omissão gravíssima.

O argumento de que essa atribuição não caberia ao Senado, mas sim às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, provou-se insustentável. Em primeiro lugar, por que a origem do dinheiro é a União; então, o uso desses recursos federais podem, sim, ser objeto de investigação por parte do Senado Federal. A sensata decisão do presidente Pacheco, tomada na última terça-feira (13), de apensar as duas opções de CPIs que estavam sob análise seguiu essa linha de coerência.

Além disso, há numerosos exemplos de comissões parlamentares de inquérito que funcionaram no passado a partir da mesma lógica, investigando fatos ocorridos em estruturas estaduais e municipais. Foi assim na CPI do Banestado, instalada em 2003 para investigar indícios de irregularidades envolvendo bilhões de reais movimentados pelo antigo banco estadual do Paraná. Foi assim também na CPI dos Precatórios, de 1997, que apurou a negociação de títulos públicos dos governos de Alagoas, Pernambuco e Santa Catarina, além de vários municípios. Uma CPI restrita, portanto, nunca foi a única opção regimentalmente possível, conforme a narrativa que alguns tentaram emplacar.

Há ainda outro fator que precisa ser destacado nessa ampliação do escopo da CPI: a independência e soberania do Senado. A decisão monocrática do ministro do STF Roberto Barroso, que obrigou a Casa a acatar o outro requerimento de CPI, restrita ao governo federal, carregava em si um indisfarçável ativismo jurídico. Foi mais uma intervenção indevida e desnecessária de um Poder da República sobre outro.

Ao fazer uso da autonomia que lhe é garantida pela Constituição, os 45 senadores que apoiaram nossa iniciativa de uma CPI mais ampla mostraram, respeitosamente, que não precisam ser tutelados. Nosso requerimento de CPI não foi imposto pelo STF e, mesmo assim, foi apoiado oficialmente pela maioria dos senadores.

Por fim, agora, com o escopo da comissão definido, é hora de trabalho árduo por justiça ampla e busca por verdade, toda a verdade. Cada um dos membros dessa CPI carregará nos ombros um grave dever moral. Não temos o direito de falhar.

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