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Alberto Tassinari

Liberdade de expressão não tem limites, mas seu conceito tem

Bolsonaro, imprensa e Supremo Tribunal Federal a concebem do mesmo modo

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Alberto Tassinari

Filósofo e crítico de arte

Estão discutindo mal o conceito de liberdade de expressão. Mal discutido, permite, por exemplo, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) solicite o conceito para ações que não são abrigadas pelo conceito.

A liberdade de expressão é uma ação. Seu conceito se clarifica se entendido como uma ação, pois a liberdade de expressão ocorre por meio de atos de fala, de escrita e de outros modos de atos de comunicação.

O conteúdo dos atos de liberdade de expressão é ilimitado, mas os atos de liberdade de expressão são limitados. É um tipo de ação que tem limites.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) anuncia o indulto ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) , condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 8 anos e 9 meses de prisão - Reprodução/@onyxlorenzoni no Twitter

O primeiro limite é a necessidade de o ato ter autoria. O segundo limite está no autor da ação poder ser responsabilizado. Ele tem que responder pela sua ação se solicitado.

Vale aqui uma pequena digressão. Há atos de fala, como o juramento de cumprir a Constituição, que não são atos de liberdade de expressão. Jurar cumprir a Constituição para a ação de tomar posse do cargo de deputado ou presidente da República é uma ação obrigatória que transforma um cidadão em deputado ou presidente da República. Uma ação obrigatória não é acolhida pelo conceito de liberdade de expressão, pois não se pode dizer em tal ação algo ou seu contrário. Não é uma ação livre, mas obrigatória.

Um terceiro limite para o conceito de liberdade de expressão são as ações de liberdade de expressão que vão contra ações desencadeadas anteriormente e ainda vigentes no momento do ato da liberdade de expressão. São ações desse tipo, por exemplo, jurar e prometer cumprir e, em particular, prometer cumprir a Constituição ao tomar posse como deputado ou presidente da República.

É assim que um cidadão comum que age por palavras que discordam do texto constitucional comete um ato de desobediência civil. Se for um deputado ou o presidente da República, comete um ato de crime de responsabilidade. Atos de desobediência civil implicam responder por suas autorias. Atos de crime de responsabilidade implicam na retirada do cargo dos que os cometeram.

Bolsonaro, a imprensa e o Supremo Tribunal Federal concebem a liberdade de expressão do mesmo modo: não como uma ação, ou seja, uma prática, mas como expressão de pensamento, ou seja, como teorias que deixam o mundo social inalterado. Mas não deixam. Por isso Bolsonaro pode alegar liberdade de expressão quando, na verdade, age não expressando um pensamento, mas ameaçando o que jurou defender.

O conteúdo da liberdade de expressão é ilimitado. O seu conceito é limitado. Bolsonaro, a imprensa e o STF interpretam mal o conceito de liberdade de expressão. E dessa má interpretação surgem imbróglios que só favorecem personalidades públicas totalitárias. Não é o caso do STF nem da imprensa livre; contudo caberia desatar o imbróglio em que essas instituições muitas vezes se encontram, mas não conseguem desatar.

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