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Helcimara Telles

A direita moderada acabou no panorama político brasileiro? SIM

Há atração ou reposicionamento em função de movimentos autoritários

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Helcimara Telles

Doutora em ciência política (USP), é professora da UFMG e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel)

Atualmente, nota-se a corrosão da confiança da opinião pública nas instituições representativas. Trata-se de fenômeno que atinge diversas democracias, o que tem sido denominado como "democracia de democratas insatisfeitos".

Alguns analistas consideram que tal insatisfação não se constitui em um problema, uma vez que as críticas à democracia podem ser neutralizadas por lideranças e instituições. Crescem no país, contudo, grupos insurgentes contra o sistema, que passaram a dominar agendas, seja mobilizando a opinião pública nas ruas e nas redes ou obtendo cargos políticos. As direitas moderadas estão sendo atraídas ou se reposicionando em função desses movimentos de caráter autoritário, que são ágeis e forçam mudanças na pauta política, além de influenciarem outros partidos a adotarem seus temas.

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Os candidatos à Presidência da República Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - AFP

Em relação ao perfil do europeu de direita radical, o eleitor médio é homem, mais ou menos jovem, com nível educacional médio e desconfortável com o tema da imigração. Tal padrão —homens e brancos— se repete no eleitor que apoia a direita radical brasileira. Porém, o que se destaca no país é a expansão de instituições cristãs, especialmente as de origem pentecostal e neopentecostal, que são legitimadas pelo discurso do atual presidente.

Orientados pela teologia do domínio, seus seguidores, grande parte oriunda das classes populares, têm outorgado autoridade a políticos que disseminam essa doutrina. Eles propagam que a política tem como objetivo a instauração de uma nação cristã, cujo cerne é a batalha do "bem contra o mal". Mas muitos desse exército de fiéis são formados por não brancos e os mais pobres, fidelizados por lideranças religiosas que abastecem essas comunidades com serviços sociais ausentes e empregabilidade dos "irmãos".

Essa visão sagrada da política está influenciando governos, obtendo cadeiras nos Legislativos país afora e disputando temas como comunicação, educação, ciência, família, entretenimento e economia. A população governada pela direita nas eleições municipais de 2020 superou pela primeira vez os 50%. Venceram nas prefeituras partidos como DEM, PL, PSL, PP e PSD.

Neste ano, as direitas seguiram crescendo, mas foi o PL que se agigantou. Porém, um PL mais ideológico, influenciado por Jair Bolsonaro e por seus filhos, que reduziram o poder do presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, e infiltraram nesse e em outros partidos muitos políticos fiéis ao bolsonarismo e que validam visões religiosas ou radicais da política.

É difícil contabilizar o número exato de eleitos em 2022 que aderem às direitas radicais, pois eles não se vinculam a uma única legenda e passaram a ocupar cargos nos governos estaduais, no Senado Federal, na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas. Assim, somente após a análise do comportamento político deles, posteriormente, é que se poderá verificar o tamanho do estrago que essa corrente trouxe para as direitas tradicionais.

A partir da legitimação de agendas antisseculares, não apenas a direita moderada perdeu espaço na opinião pública e nas instituições. A entrada no mercado eleitoral de políticos que pregam contra a laicidade e o secularismo é mais um indício do desgaste da democracia brasileira. Caso o atual presidente venha a ser consagrado pelas urnas no segundo turno, teremos o fortalecimento de um regime autocrático.

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