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Bernardo Pasqualette

Vida e morte do trabalhismo no Brasil

O melancólico fim do PTB, partido que causou assombro à ditadura militar

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Bernardo Pasqualette

Advogado e autor do livro “Me Esqueçam – Figueiredo: A Biografia de uma Presidência​"

O ano era 1980. O pano de fundo a reorganização partidária, que colocaria um ponto final a 15 anos de bipartidarismo no Brasil. Vivia-se, àquela altura, o processo de abertura política, iniciado por Ernesto Geisel e que patinava no governo de João Figueiredo. Sujeita a constantes avanços e recursos, a abertura política tinha como face oculta o general Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil nos últimos dois governos militares.

Considerado o estrategista por trás daquele processo, Golbery entendia que o bipartidarismo, artifício político muito útil à ditadura militar durante a consolidação do regime, naquele momento deixara de interessar ao governo. Com uma oposição fortalecida pelo desgaste de 16 anos do regime, àquela altura o governo pretendia seguir na direção oposta: dividir a oposição, esfacelando o MDB, único partido oposicionista então existente.

Preso, Roberto Jefferson é fotografado com uniforme da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro - Secretaria Estadual de Administração Penitenciária

Assim, uma oposição multifacetada seria muito menos competitiva no futuro pleito eleitoral de 1982, quando novamente estariam em disputa os governos das principais capitais brasileiras. Prevendo a criação de cinco partidos que viriam a substituir Arena e MDB, uma peça valiosíssima estava no tabuleiro do xadrez da abertura: quem teria direito à sigla PTB, legenda identificada com o velho trabalhismo de Getúlio Vargas?

Na disputa, digladiavam-se Leonel Brizola, maior adversário ainda vivo do regime instaurado em 1964, e Ivete Vargas, sobrinha neta de Getúlio. Artimanhas de Golbery e uma ferrenha disputa judicial levaram a sigla a Ivete e, ao velho caudilho, coube mais uma vez se reinventar, fundando o PDT —legenda pela qual Brizola se elegeria duas vezes governador do Rio de Janeiro e também sairia derrotado em dois pleitos presidenciais.

O tempo passou, e o velho PTB se dissociou de suas raízes históricas. Por completo. Restaram superadas a áurea de um partido de massas e, principalmente, a afinidade ideológica que remetia aos tempos de Getúlio. Dissociando-se de suas origens, passou a ser um partido de extrema direita, como divulgado com alarde por seu aspirante à Presidência em recente debate presidencial.

O último episódio envolvendo um dirigente da legenda significou também o tiro de misericórdia no velho PTB. Ao atirar de fuzil e lançar granadas contra servidores públicos, Roberto Jefferson, presidente da sigla, fulminou uma legenda cujas raízes se confundem com a própria história contemporânea do Brasil. Em ato de violência política completamente dissociado da vida nacional, a despropositada reação marcou o fim de uma era: O PTB, em meio a um dos mais disparatados atos já vistos na política brasileira, deixou de existir.

O "enterro" veio pouquíssimo tempo depois. Rejeitado pelas urnas, o PTB se unirá ao Patriotas, de olho na cláusula de barreira que impede que partidos sem representatividade no Congresso tenham acesso ao fundo eleitoral. De olho em recursos —e, principalmente, para se distanciar do famigerado episódio das granadas—, o velho PTB sai de cena e se transforma no Mais Brasil.

Triste e melancólico fim para um partido cujo ressurgimento —um dia, em algum lugar do passado— causou assombro à ditadura militar.

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