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Dodô Azevedo

O Oscar não é cafona

'O cinema é imenso por não ser uma arte maior'

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Dodô Azevedo

Escritor e cineasta

Concluí que a cerimônia do Oscar —cuja 95ª edição acontecerá neste domingo (12)— não é cafona em uma conversa com Robert De Niro, em 2012, num sofá (também em um domingo) em uma festa pós-sessão de cinema do Festival de Cannes daquele ano. Estava bêbado, e De Niro, pequeno e envelhecido, irreconhecível. Sem que eu o reconhecesse, falamos por quase uma hora sobre pessoas que acham que cinema é arte superior. "Não é, por isso é tão imensa", concluiu.

Nos anos 1980 e 1990, a transmissão do Oscar na Globo era o dia em que, em casa, a família se reunia independentemente de seu repertório cultural. Na ponta do sofá de domingo, um se contorcia porque "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" perdia o prêmio de filme estrangeiro para "Pelle, O Conquistador". Na outra ponta, a avó só queria ver os musicais, as crianças só as animações e todos comentando os trajes das pessoas. "Que roupa é essa, menino?" —foi também em Cannes, na estreia de "Bacurau" (de onde vem a frase), que em mim foi reforçada a ideia de que o Oscar não é cafona.

Cannes, sendo o festival que dita o que é chique em cinema, tenta achar o Oscar cafona. Não consegue. "Top Gun: Maverick", o filme produzido por Tom Cruise e indicado ao Oscar como chamariz de audiência (em constante queda), foi lançado na edição passada do festival francês. Steven Spielberg, também indicado ao Oscar neste ano, exibiu "Tubarão" nas areias da praia de Cannes, em sessão noturna, no ano que que tomei um porre no sofá, em um domingo, com Robert De Niro.

"Tubarão" é uma parábola explícita sobre o funcionamento parasita do capitalismo. O último momento coletivo de alegria que o mundo viveu antes da pandemia foi quando "Parasita", filme de Bong Joon-Ho, fã de "Tubarão", ganhou seus Oscars, em 2020.

Antes, o reinado dos diretores mexicanos. Durante, o reconhecimento, ainda que tardio e ainda que mínimo, do cinema feito por mulheres e pretos. Antes, a apoteose nerd de "O Senhor dos Anéis". E, lá atrás, para os perspicazes, um ponto de virada na história do cinema: a conquista do "big five": prêmio raríssimo de ator, atriz, roteiro, direção e filme para "O Silêncio dos Inocentes". A partir dali, um tipo de representação da violência foi destravado. Tudo o que se seguiu é derivado da obra-prima de Jonathan Demme —a partir deste filme viveríamos a consolidação global da estética pop punk.

Nada é menos cafona que a banda Daft Punk. No Festival de Cannes de 2013, os vi tocar em uma pequenina festa do filme "Bling Ring". Por ser um evento privado, os músicos estavam sem seus disfarces. Um deles vestia camiseta branca com a estatueta do Oscar estampada. Neste domingo (12), um grupo de amigos da faculdade irá a um barzinho assistir à cerimônia do Oscar vestido com camiseta parecida.

Estarei no meu sofá, em um grupo de WhatsApp com mais de 190 pessoas, inclusive votantes da Academia, fofocando. Não nos julgue. No sofá de domingo há espaço para tudo. O cinema é imenso por não ser uma arte maior, disse o senhorzinho de smoking que tomava uísque num sofá, num domingo, como se não fosse o Robert De Niro.

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