Descrição de chapéu
Heidi Buzato e Eduardo Trevisan Gonçalves

Por que ainda o trabalho escravo?

Legislação para contratar trabalhadores de outras regiões deve ser cumprida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Heidi Buzato

Socióloga e coordenadora social do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola)

Eduardo Trevisan Gonçalves

Engenheiro agrônomo e gerente de cadeias agropecuárias do Imaflora

Embora não exclusivo da agropecuária, o trabalho análogo à escravidão —como o recente, vinculado à cadeia de uva no Sul— têm acontecido com frequência no campo.

Desde 1995, quando o Brasil criou instrumentos para o combate ao trabalho escravo, incluindo a "Lista Suja do Trabalho", 57 mil pessoas foram resgatadas pelas fiscalizações do Ministério do Trabalho. De acordo com o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, a maioria ocorreu nas frentes de desmatamento e na pecuária, o que torna a agropecuária o setor econômico com o maior número de vítimas resgatadas do trabalho escravo contemporâneo. De 1995 a 2021, foram 17,2 mil resgatados em fazendas de gado —30% do total, segundo o Ministério do Trabalho.

Operação com PRF, MPT e Ministério do Trabalho resgatou trabalhadores mantidos em situação de escravidão em Bento Gonçalves (RS) - Divulgação - Divulgação

Mas há outras razões para a presença dessa problemática na agropecuária brasileira. As regiões Sul e Sudeste reúnem a produção de produtos agrícolas com o período de colheita concentrado em poucos meses, como laranja, cana-de-açúcar e uva, entre outros, e essas áreas não possuem mão de obra disponível para a realização dessa etapa. Estima-se que, para a colheita da laranja em 2021, mais de 30 mil pessoas tenham sido contratadas em São Paulo, sendo a grande maioria para a colheita efetivamente.

Nesse caso, os trabalhadores de outras regiões, principalmente do Nordeste, deslocam-se para trabalhar em extrema vulnerabilidade e acabam aceitando trabalhar sem as condições adequadas de contratação, segurança e salários conforme o piso nacional.

Um fator agravante é que a maioria dos casos de condições análogas ao trabalho escravo ocorre nas empresas terceirizadas, que prestam serviço para as grandes compradoras de produtos agrícolas, justamente o que ocorreu na cadeia vitivinícola gaúcha.

O Brasil possui legislação específica para contratações de trabalhadores que saem de sua região de origem para trabalhar em uma diferente. Segundo ela, os empregadores devem contratar os trabalhadores no seu local de origem, transportá-los na ida e na volta ao local de trabalho e se responsabilizar pela sua acomodação e alimentação. Internacionalmente, em especial na União Europeia, avança a legislação chamada de Devida Diligência em Direitos Humanos, que busca minimizar riscos para os consumidores de adquirirem produtos oriundos de trabalho escravo.

A agropecuária brasileira vem buscando as melhores práticas socioambientais, assumindo compromissos com protocolos internacionais de combate ao desmatamento, às mudanças climáticas e ao respeito aos direitos humanos. Entretanto, há uma parte que resiste às mudanças necessárias e que conserva uma mentalidade relacionada à desigualdade estrutural. Nesse contexto, é fundamental o papel de organizações especializadas que atuam na promoção de uma agropecuária com responsabilidade ambiental e social e no apoio às empresas e produtores comprometidos com essa causa —o que nos permitirá construir uma sociedade mais igualitária, justa e resiliente.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.