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Julio Lopes

Cidadãos de junho de 2013

Legado foi destacar mobilidade urbana, cuidado da vida e formação humana

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Julio Lopes

Doutor em ciência política (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) com pós-doutorado em sociologia (Universidade Federal de Pernambuco), é pesquisador titular em ciência e tecnologia da Fundação Casa de Rui Barbosa e autor de “Viver em Rede” (7Letras/FCRB)

Faz dez anos que centenas de cidades brasileiras (inclusive as maiores capitais, iniciando em São Paulo) eram tomadas por protestos críticos do aumento generalizado das tarifas municipais de transporte público.

Pesquisas com os manifestantes expunham que sua insatisfação coletiva se estendia à qualidade, incluía outros serviços públicos (especialmente saúde e educação) —aos quais reclamavam a mesma atenção concedida aos estádios de futebol— e sua maioria absoluta era juvenil (14 a 29 anos), tão trabalhadora quanto estudante e usuária do Facebook, pelo qual se mobilizavam.

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Manifestantes na avenida Brigadeiro Luís Antonio, em São Paulo, durante protesto contra a alta da tarifa de transporte - Fabio Braga - 17.jun.2013/Folhapress - Folhapress

Além da logo obtida redução dos 20 centavos, tarifados aos ônibus municipais, assumiam sua crítica pelo Movimento Passe Livre (associação pela liberação de tarifas por passageiros), que se tornou um fórum cívico para outras reivindicações. Embora todas fossem progressistas, seu temor pela eventual manipulação partidária impedia tanto o ingresso de partidos quanto a mera formação de uma direção provisória —e, portanto, sua maturação reivindicatória. Consequentemente, nem sequer tiveram uma pauta amplamente confluente quando algumas lideranças foram recebidas pela então presidente Dilma Rousseff (PT).

Foi um movimento maior que o de seus congêneres estrangeiros de críticas democráticas às democracias na década de 2010: "Occupy Wall Street" tomava a rua financeira de Nova York, enquanto os "Indignados" de Madri e a "Taksim platform", de Istambul, ocupavam uma praça. Contudo, mesmo também sendo críticos da classe política em geral, ao espraiamento dos protestos em cidades brasileiras não correspondeu uma reivindicação de reforma do sistema eleitoral, alheando o movimento de influenciar o tema, que logo seria debatido (e abandonado).

Mas não foi derrotado, apesar de dissolvido entre truculências policiais e depredações do patrimônio urbano pelas minorias violentas do movimento (os black blocs). Ainda que não formalmente reivindicadas, junho de 2013 concentrou inovações legislativas que aperfeiçoaram a cidadania brasileira: deixou de ser secreto o voto de parlamentares em cassações de colegas, recursos de explorações petrolíferas foram destinados à saúde e educação, exigência de "ficha limpa" a todo servidor público e corrupção tornada crime hediondo. Restrições ao Ministério Público, em vias de aprovação, foram rejeitadas, e até um projeto sobre direitos de usuários de serviços públicos, que dormitava no Congresso, voltou a tramitar (embora não mais após).

O próprio bolsonarismo emergiu devido à incompreensão do movimento pela classe política, desprezando a questão republicana que os protestos veiculavam e logo interpelada pela hipocrisia subversiva de direita. Mas seu legado político foi destacar os serviços básicos de mobilidade urbana, cuidado da vida e formação humana como funções sociais da cidade —cujo destaque, desde antes de junho de 2013 em pesquisas de opinião, continua aguardando se tornarem agenda política de governos no Brasil.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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