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Claudio Lottenberg

Desafios da democracia em Israel

A crise existe, mas a força do povo israelense é maior e mais potente do que ela

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Claudio Lottenberg

Oftalmologista, é presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil) e do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein

A Conib (Confederação Israelita do Brasil) observa de forma atenta e apreensiva os desdobramentos em Israel, após o Knesset (Parlamento) aprovar a primeira parte do projeto da reforma do Judiciário, e defende um amplo debate de ideias e uma mobilização pela unidade nacional —lembrando, porém, que o equilíbrio entre Poderes é um princípio fundamental dos sistemas democráticos.

Como exercício do jogo democrático, em qualquer sociedade, os Poderes precisam atuar de forma independente, dentro de uma mecânica de pesos e contrapesos, evitando exageros.

Manifestantes protestam contra reforma judicial na cidade de Jerusalém, em Israel - Ronen Zvulun/Reuters - REUTERS

Observamos, em várias partes do mundo, esse fenômeno que atinge as democracias, e em Israel não tem sido diferente.

As crises entre Judiciário e Legislativo são desafios sérios para a estabilidade das democracias, pois comprometem a separação de Poderes e a confiança nas instituições governamentais. Para preservar o Estado de Direito e a democracia, é essencial que os atores políticos busquem formas de diálogo construtivo, respeitem a independência dos Poderes e trabalhem em conjunto, fortalecendo as instituições.

Israel é uma nação excepcional, com uma democracia sólida. A fundação do Estado judeu após o Holocausto e seu desenvolvimento expressivo nos últimos 75 anos fazem do país um verdadeiro milagre construído por uma admirável iniciativa histórica.

Mas, neste momento, Israel está em uma situação confusa. Os eventos sem precedentes de 2023 estão corroendo o pacto social e colocando em risco a segurança nacional. Enquanto algumas lideranças políticas insistem em promover uma legislação antiliberal, milhares de israelenses, entre eles pilotos e milhares de soldados da reserva, ameaçaram paralisar as suas atividades. Esses desenvolvimentos graves levaram Gadi Eizenkot, ex-chefe do Estado-maior das Forças de Defesa de Israel (IDF), a alertar que a combinação de ameaças internas e externas torna Israel vulnerável.

"Uma casa dividida contra si mesma não pode subsistir", disse Abraham Lincoln antes da Guerra Civil Americana.

E nós, judeus, devemos aprender com nossa trágica história para não repetirmos erros do passado, quando permitimos que as divisões internas derrubassem o Primeiro e o Segundo Templos. Debater posições e ideias é salutar e faz parte da tradição judaica. A diversidade e o pluralismo de ideias é uma fortaleza do povo judeu.

O judaísmo é uma religião e uma cultura com diversas interpretações e vertentes, e nem sempre houve consenso em todas as questões. No entanto, ao longo da história, podemos identificar muito mais momentos de coesão do que o contrário, e a sociedade israelense tem exemplos concretos para mostrar ao mundo nestes 75 anos de existência.

Quando nos remetermos ao período bíblico, sob a liderança de Moisés, também ali existiram divergências, as posições do povo nunca foram unânimes e, mesmo com o recebimento das Tábuas da Lei, que não foram aceitas por todos de forma incondicional, ao final prevaleceu a lei e o bom senso.

Cabem aos judeus que vivem fora de Israel e sobretudo os israelenses garantir o futuro do projeto sionista. E só há uma maneira de superar esta crise existencial multidimensional: através da unidade nacional. Assim como os israelenses deram as mãos na véspera da guerra de 1967, eles devem dar as mãos agora. A sociedade israelense está fraturada e isso não é desejável, não é promissor.

Israel chegou a este grau de polarização por conta de "excesso" de democracia, não pela falta dela. Houve várias eleições em curto período de tempo, e as elites políticas do Estado de Israel são responsáveis pelo país chegar a esta situação, seja pelo fracasso no diálogo, seja pela falta de conciliação dos interesses da sociedade. A realidade sociológica é diferente da realidade eleitoral. Uma eleição com pouca margem que garanta uma vitória não é um salvo-conduto para tudo. Não são convicções pessoais que irão prevalecer sobre as necessidades institucionais e da sociedade, e a política deve servir a nação, não aos políticos.

A expressão "maioria de coalizão" refere-se a uma situação política em que um partido ou grupo político obtém a maioria dos assentos ou votos em um Parlamento, permitindo-lhe formar um governo com base na colaboração e apoio de outros partidos ou grupos políticos menores. Esse arranjo é comum em sistemas parlamentares nos quais os governos são formados com apoio de partidos, sendo impossível um único partido político governar sozinho.

E, como sugeriu em artigo no The New York Times o presidente do Congresso Judaico Mundial, Ronald S. Lauder, há apenas três homens capazes de realizar essa unidade: Binyamin Netanyahu, Yair Lapid e Benny Gantz. Esses três líderes carregam nos ombros uma responsabilidade histórica. Eles devem se unir, superando as divergências políticas e interesses pessoais, para discutir a grave situação que atravessa o país e buscar, com equilíbrio, uma solução de emergência em defesa de uma democracia estável e ainda mais forte.

O povo judeu sempre ancorou suas decisões mais importantes em valores universais e princípios judaicos. A crise existe, não há como negar, mas a força da sociedade israelense é maior e mais potente do que ela.

Temos a esperança de que Israel irá superar seus desafios do momento e a certeza de que sua democracia será o vetor que irá conduzir e inspirar a região. O destino de Israel continuará a ser grandioso. A criação do Estado de Israel representa uma das grandes realizações do século 20 —e continuará sendo uma inspiração no século 21.

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