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Benito Salomão

Impasses fiscais e democráticos

Talvez seja o momento de adotar medidas também pelo lado das despesas

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Benito Salomão

Doutor em economia (Programa de Pós-Graduação em Economia / Universidade Federal de Uberlândia)

Um dos grandes desafios da equipe econômica para este ano será garantir que a meta primária com déficit zero seja alcançada. Caso o governo entregue ao final do ano um equilíbrio no Orçamento primário, terá alcançado um grande feito, já que o país vem acumulando déficits persistentes desde 2014. O fato de todos os governos que sucederam desde Dilma 1 terem gerenciado um país em déficits crônicos demonstram a dificuldade de se operacionalizar um ajuste fiscal na prática.

Essa dificuldade de empreender ajustes fiscais está relacionada com os impasses políticos e os protocolos da própria democracia. O contrato social brasileiro firmado na Constituição de 1988 decidiu estabelecer um estado de bem-estar social sobre o qual agrupamentos políticos de direita e de esquerda demonstram poucas discordâncias. Tomemos como exemplo a eleição de 2022, quando no seu avizinhamento um presidente "liberal na economia" rompeu regras fiscais para ampliar programas de transferências sociais. Ao vencer as eleições, seu adversário de orientação "desenvolvimentista" manteve o programa. Em resumo, naquele pleito, qualquer candidato que não se comprometesse com o valor de R$ 600 transferidos às famílias de baixa renda perderia a disputa.

O supracitado exemplo do Bolsa Família "turbinado" é uma caricatura do que os economistas cunharam como viés de déficit. Nos livros-texto, a política fiscal, tal qual a monetária, deve ser utilizada para fins econômicos, tais como suavização de ciclos recessivos ou estabilização da dívida pública. Na prática, a realidade é outra. A decisão final sobre aumentar gastos ou cortar impostos é política. Decidem sobre ela os poderes Executivo e Legislativo, incumbentes, respectivamente, de elaborar e aprovar a peça orçamentária. Na ausência de regras rígidas e de um Judiciário que determine a aplicação efetiva dessas regras, sobram incentivos políticos de ampliar despesas ou conceder benefícios tributários. Essa tem sido a história do Brasil nos últimos anos.

Por essa razão, zerar o déficit primário em 2024 seria um relevante feito. Para tanto, parece ser necessário o sucesso da "pauta arrecadatória", em curso desde o ano passado. Algumas medidas já foram encaminhadas, como a aprovação do voto de qualidade do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e a tributação dos fundos exclusivos e offshores. Porém, é possível que essas medidas sejam insuficientes para equilibrar as contas, de forma que agora o governo se empenha em nova articulação política para viabilizar a reoneração da folha de pagamento de setores beneficiados. Tais desonerações mostraram um elevado impacto fiscal e uma questionável eficácia.

Mesmo que o governo seja capaz de convencer o Parlamento sobre a importância de revogar tais desonerações, é possível que novos esforços tenham que ser empenhados para garantir um déficit zero no exercício de 2024. Isso porque a estratégia de empenhar um esforço fiscal exclusivo pelo lado das receitas tem suas limitações. A arrecadação é endógena e flutua a depender de outras variáveis macroeconômicas que o governo não controla. Talvez seja o momento de começar a pensar medidas também pelo lado das despesas.

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