'É um retrato do Brasil', diz Chico Felitti sobre podcast A Mulher da Casa Abandonada

Jornalista conversa sobre série em live para assinantes da Folha

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São Paulo

O podcast A Mulher da Casa Abandonada chegou ao fim nesta quarta-feira (20), com sete episódios que apresentam a reportagem do jornalista Chico Felitti sobre Margarida Bonetti, moradora de um casarão abandonado em Higienópolis e que foi acusada de manter uma pessoa em condições análogas à escravidão por quase 20 anos.

Quando o caso ainda estava sendo investigado por autoridades americanas, no final dos anos 1990, ela deixou o país, retornou ao Brasil e passou a morar na mansão de sua família em São Paulo.

O jornalista e apresentador do podcast A Mulher da Casa Abandonada, Chico Felitti , durante live com assinantes da Folha. - Reprodução/TV Folha

A série em áudio é considerada um sucesso estrondoso, com altos índices de audiência e patamares inéditos de avaliações dos ouvintes.

"A partir do terceiro episódio, teve uma ascensão inesperada que eu atribuo ao TikTok e às redes sociais. Foram os jovens que descobriram e viralizaram o podcast. Depois disso chegaram os canais de televisão, as dancinhas e tudo mais", disse Felitti, apresentador do podcast em live exclusiva para os assinantes da Folha.

Muito além de embalar dancinhas no TikTok ou do fato de a casa ter se tornado ponto turístico, porém, o podcast joga luz em um tema importante e que não é exclusivo do caso dos Bonetti. O trabalho análogo à escravidão ainda é uma realidade no país, e atinge, sobretudo, mulheres negras e pobres ou vítimas com baixa escolaridade e pouco acesso aos canais de denúncia.

"O quinto episódio foi um lembrete do que é a real questão do podcast. Foi feito para aumentar a perspectiva, que essa história não está restrita à casa abandonada, mas é um retrato do Brasil como um todo", explica Felitti, fazendo referência ao episódio Outras Mulheres, que viaja pelo Brasil para contar histórias de outras vítimas da escravidão contemporânea.

Além de passar a ser reconhecido pela sua voz na rua, Chico conta que o podcast teve outros desdobramentos. Um deles ocorreu na tarde desta quarta-feira (20), quando a Polícia Civil invadiu a residência em Higienópolis com um mandado de busca e apreensão.

A operação faz parte de um inquérito que investiga um possível abandono de incapaz tendo como vítima Margarida Bonetti, moradora do local e protagonista da série.

O mandado foi expedido após a publicação do podcast; a polícia investiga se a casa, descrita como insalubre pelos agentes, é um local apto para moradia.

"As outras investigações paralelas, de parentes e outras informações, fogem do escopo do retrato da investigação que a gente se propôs a fazer, que é contar a história desse crime e como uma das acusadas conseguiu fugir e vive hoje em dia. Tudo que veio depois é consequência", diz Felitti.

O jornalista também respondeu a perguntas sobre o depoimento da mulher que foi escravizada pelos Bonetti. "Foi uma preocupação nossa não revitimizar a vítima. O depoimento dela teve exatamente o tamanho que ela decidiu que teria, não queríamos fazer ela reviver as inúmeras violências que ela sofreu", diz.

Felitti explica que se propôs a incluir bastidores da investigação para mostrar aos ouvintes como se deu o processo de apuração do podcast. Durante a série, conta como bateu na porta de vizinhos, conversou com pessoas na rua, viajou aos Estados Unidos e montou acampamento de 72h em frente à casa abandonada.

Controverso nas redes sociais, o sétimo episódio da série ouve a versão dos fatos de Margarida Bonetti.

"Tem um princípio muito básico no jornalismo que é o Outro Lado. Você não pode fazer um documentário sobre uma pessoa sem dar a oportunidade de uma pessoa expor o lado dela. É meu dever de ofício ouvir essa pessoa e ser civilizado. Se ela diz coisas que não constam nos fatos, nas investigações que a gente fez, é meu dever confrontar com a verdade", diz.

"E ela tem o direito de se manifestar. Não existe o silenciamento de uma pessoa porque ela cometeu um crime", explica.

Sobre o impacto da série no mundo dos podcasts, comenta: "Espero que crie-se um hábito de ouvir podcasts e oportunidade para diversidades. Diversidade de histórias e diversidade de pessoas envolvidas na criação."

Felitti também é autor do livro "Ricardo & Vânia", que narra a história de vida de um artista de rua conhecido como Fofão da Augusta, e que foi finalista do Prêmio Jabuti de 2020. O jornalista também criou e apresenta "Além do Meme", série documental em áudio exclusiva do Spotify —eleita o Podcast do Ano pelo Prêmio Splash UOL em 2020.

A Casa Abandonada tem participação da atriz e dramaturga Renata Carvalho, que interpreta em português as entrevistas feitas em inglês, e de Magê Flores, que coordena a produção da série e é apresentadora do Café da Manhã, da Folha. A edição de som do podcast é de Luan Alencar, e a produção é de Beatriz Trevisan e Otávio Bonfá.

O podcast é uma reportagem que se baseou em registros de um caso de notório interesse público, procurou ouvir todos os envolvidos e deu espaço às versões dos que se manifestaram. A série não é uma investigação policial nem um processo judicial. A Folha condena qualquer tipo de agressão e perseguição contra as pessoas retratadas.

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