'Trocado' por Bolsonaro, grupo liberal mira favelas e pautas de comportamento

Movimento Livres quer flexibilização de regras para laqueadura e debate sobre remédios à base de maconha

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São Paulo

Ter sido rifado para abrir espaço para Jair Bolsonaro não foi, à primeira vista, um bom negócio para o Livres. Corria o ano de 2017, e o movimento, então abrigado no PSL (Partido Social Liberal), trabalhava para refundar a legenda e transformá-la em um partido autenticamente liberal.

Às voltas com a possibilidade de receber o então presidenciável, o presidente da sigla, Luciano Bivar, ouviu um ultimato do grupo: ou ele ou nós. Bivar optou por acolher o postulante ao Planalto.

Em 2019, com Bolsonaro presidente, o Livres enxerga como aprendizado a passagem pelo PSL e descarta se associar novamente a partido ou até mesmo virar um. Para a organização, o ideário liberal que é sua bandeira pode ser difundido com mais facilidade se o grupo tiver braços em vários partidos.

Hoje são 16 membros com mandatos em vários níveis, desde Câmaras Municipais até o Senado, distribuídos em siglas como Novo, Cidadania, PSDB, PP e PSB.

O presidente do movimento Livres, Paulo Gontijo - Karime Xavier/Folhapress

As ambições também cresceram. No horizonte está o plano de oferecer cursos gratuitos sobre liberalismo em favelas de São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória. Outro desejo é avançar na propagação da doutrina também no campo do comportamento, para além da área econômica.

Criado em 2016, quando nem passava pela cabeça dos membros a chegada ao Planalto de um governo com tintas liberais, o Livres até pinça alguns exemplos positivos da gestão Bolsonaro, mas não vê o presidente como um dos seus.

"É um risco que se confunda liberalismo com governo Bolsonaro. Não é", diz o empresário Paulo Gontijo, o atual presidente do movimento. "A história do presidente ressalta o quão estatista e ligado à defesa de corporações ele é."

Outra diferença é que o titular do Planalto prega o conservadorismo na agenda de costumes, o que contraria o liberalismo puro-sangue do grupo suprapartidário.

Elogios são guardados para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Bandeiras como a reforma da Previdência, a política de concessões e a MP (medida provisória) da Liberdade Econômica são bem-avaliadas.

"Mas é como disse o próprio Guedes: este é um governo de coalizão entre alguns liberais e conservadores", descreve Gontijo, com algum desânimo.

Meta

A meta do Livres agora é mostrar que liberalismo de verdade vai além de regras de mercado. Uma das brigas que a entidade quer comprar é a da flexibilização das regras para fazer laqueadura e vasectomia.

"Um adulto tem que ser tratado como adulto. Não cabe ao Estado criar limitação", afirma o porta-voz.

Hoje os requisitos incluem idade (estar acima de 25 anos ou possuir mais de 18 e ter pelo menos dois filhos) e consentimento do cônjuge (no caso de quem é casado ou tem união estável).

A autorização do parceiro, na avaliação do grupo, é uma norma retrógrada, que acaba violando a autonomia sobre o próprio corpo.

Para agir na questão, a opção foi garimpar no Congresso projetos sobre o tema, que agora poderão ser ressuscitados e ganhar um empurrão na tramitação, pelas mãos dos parlamentares que são embaixadores do movimento.

O Livres está representado em Brasília pelos deputados federais Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Franco Cartafina (PP-MG), além do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).

Também estão na mira propostas para facilitar o acesso a medicamentos feitos a partir de componentes da maconha. O movimento defende um debate sem tabus, para que prosperem ações como as da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já em curso.

Os integrantes querem estimular as autorizações para importação e compra de remédios à base de Cannabis. A justificativa é pragmática: quanto mais medicamentos disponíveis, melhor fica a vida dos doentes.

A cartilha do grupo em relação a drogas é ainda mais ousada, com apoio à descriminalização de uso, comércio e produção.

Sobre aborto não há uma posição fechada, mas o entendimento de que a liberdade deve prevalecer sempre e "o único limite ao indivíduo devem ser eventuais danos causados a terceiros".

São discussões como essas —sobre liberdade individual, tamanho do Estado, mercado aberto e empreendedorismo— que o movimento planeja levar a comunidades pobres de três regiões metropolitanas até o fim do ano, em calendário que está sendo fechado.

Com turmas de cerca de 30 alunos, o projeto gratuito já teve uma experiência no Recife. A favela paulistana que receberá a iniciativa ainda não foi definida. As aulas pretendem, principalmente, quebrar a imagem de que a ideologia liberal é contrária aos mais pobres, explica Gontijo.

"Não é um curso de doutrina política, mas de empoderamento para a vida", diz. "A gente prepara os participantes para assumir posições de liderança e tomar o controle da própria trajetória."

Na seara política, a iniciativa se equipara a outras plataformas independentes que surgiram nos últimos anos pregando oxigenação na vida pública, como o Agora!, o Acredito e o RenovaBR.

Todos encampam um discurso de cooperação com os partidos. Essa relação, no entanto, sofreu um baque recente, com o embate entre membros dos grupos que foram eleitos e desobedeceram à determinação de suas legendas na votação da reforma da Previdência.

A controvérsia foi personificada na deputada Tabata Amaral (PDT-SP) —ligada ao Acredito e ao Renova—, mas envolve pelo menos outros 17 parlamentares, do PDT e do PSB. Em resposta, os movimentos se uniram e vão tentar forçar as siglas no país a garantir mais democracia interna.

As eleições de 2020 também estão no radar do Livres, com a ressalva do presidente de que o movimento desenvolve um trabalho para além das urnas. Foram animadores, contudo, os resultados de 2018: dos 39 integrantes que se candidataram, 10 foram eleitos.

Hoje o grupo conta com 2.500 associados, em todos os estados, que pagam R$ 24,90 por mês.

"Alguns contribuem com um valor maior, o que reforça o caixa e permite a oferta de bolsas para membros sem condições de arcar com mensalidade", afirma Mano Ferreira, que responde pela comunicação do movimento.

Dos quadros sairão candidatos a prefeito e vereador principalmente em capitais. O desempenho deles, calculam os cabeças do Livres, dará uma boa visão sobre a quantas anda o liberalismo no Brasil —e a influência de Bolsonaro nisso.


AS IDEIAS DOS ‘LIBERAIS PUROS’

O que o Livres tem como bandeiras 

  • Autonomia individual
  • Livre mercado, com ambiente favorável à concorrência, criatividade e inovação

O que critica no governo 

  • Postura vacilante de Bolsonaro sobre liberalismo, com acenos corporativistas e rompantes de intervenção
  • Ações patrimonialistas, como a indicação de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para embaixador

O que apoia no governo

  • Ações tocadas pelo ministério de Paulo Guedes, como concessões
  • Reforma da Previdência, mais avançada, e outras reformas em estudo
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