Assessores do Planalto buscam solução de consenso na PF para Moro ficar

Militares aliados a Bolsonaro tentavam convencer ministro a ficar no cargo e indicar o substituto de Maurício Valeixo na corporação

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Brasília

Após o pedido de demissão feito por Sergio Moro, a cúpula militar do Palácio do Planalto iniciou ofensiva para convencer o ministro da Justiça a aceitar um meio termo: permanecer no cargo e participar da indicação do substituto de Maurício Valeixo na Polícia Federal.

O movimento tem sido capitaneado pelos ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. E, segundo assessores presidenciais, já teve uma indicação positiva.

De acordo com relatos feitos à Folh​a, o ministro sinalizou ao Palácio do Planalto, no início da noite desta quinta-feira (23), que está disposto a a aceitar um acordo desde que tenh​a a palavra final na sucessão na Polícia Federal.

Conforme adiantou a Folha, Moro pediu demissão a Bolsonaro ao ser informado pelo presidente da decisão de trocar a diretoria-geral da PF.

Um nome que conta com a simpatia do ex-juiz da Lava Jato, segundo aliados do ministro, é o do diretor do Depen,​ Fabiano Bordignon​.

Já Bolsonaro defende a nomeação para o posto do diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, ou do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres.

Desde o ano passado, o presidente já defendia uma troca no comando da Polícia Federal. Moro, no entanto, resistia a uma mudança e chegou a dizer a Bolsonaro que ela não seria bem recebida pela corporação.

Para evitar um desgaste com o ministro, o presidente decidiu deixá-la para este ano.

A mudança voltou a ser cogitada há duas semanas, em meio à crise de Bolsonaro com o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

A rede bolsonarista já vinha acusando o ex-juiz da Lava Jato de não defender publicamente o presidente na crise do novo coronavírus. Em paralelo, Moro vinha fazendo publicações em suas redes sociais defendendo o isolamento social, na contramão de seu chefe.

Em reunião reservada no Planalto, enquanto havia um temor sobre o futuro de Mandetta, o presidente disse a pessoas próximas em 6 de abril que haveria uma mudança no Ministério da Justiça, mas não deu detalhes.

Ramagem, o nome favorito de Bolsonaro, é delegado da Polícia Federal, atuou na segurança do presidente logo após as eleições presidenciais de 2018 e se tornou seu amigo. São frequentes as idas de Ramagem ao Palácio da Alvorada nos fins de semana, sem que haja previsão de agenda oficial entre eles.

Já Torres esteve no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (22), onde teve audiência com o ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira. Ele conta com apoio na bancada federal da segurança pública.

​O chefe de Torres, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, também esteve no Planalto na quarta, em agenda com Bolsonaro. Na sequência, Ibaneis participou de entrevista coletiva ao lado de ministros do governo.

Entidades de classe dos delegados da Polícia Federal divulgaram nota em que disseram que “especulações, infelizmente, prejudicam a estabilidade da Polícia Federal, a sua governança e colocam em risco a própria credibilidade na lisura dos trabalhos da instituição”.

Segundo o comunicado, assinado pela ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal) e a Fenadepol (Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), “o problema não reside nos nomes de quem está na direção ou de quem vai ocupá-la, mas sim, na absoluta falta de previsibilidade na gestão e institucionalidade das trocas no comando”.

RECUOS E DERROTAS DO 'SUPERMINISTRO'

Ministério da Segurança Pública - Bolsonaro afirmou que pode recriar a pasta da Segurança Pública, que hoje integra o Ministério da Justiça. Com isso, a área sairia da alçada de Moro. O ministro, contudo, tem usado como principal vitrine da sua gestão a redução de homicídios, que foi iniciada no governo de Michel Temer (MDB).

Prisão após condenação em 2ª instância - Em novembro, o Supremo Tribunal Federal voltou a barrar a prisão de condenados logo após a segunda instância. Decisão permitiu a soltura do ex-presidente Lula, condenado pelo ex-juiz. Ponto muito defendido pelo ministro, a execução antecipada da pena foi tirada do pacote anticrime pela comissão que analisou o texto na Câmara. Por outro lado, Moro tem liderado esforço no Congresso para a elaboração de nova lei que permita a medida.

Pacote anticrime - O projeto aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro foi um tanto diferente daquele apresentado por Moro à Câmara no início de 2019. Para além da prisão após segunda instância, a ampliação das causas excludentes de ilicitude, que poderia isentar de punição policiais que matassem em serviço, também foi removida. Das 38 sugestões de vetos que constavam em parecer do Ministério da Justiça, quatro foram atendidas por Bolsonaro de forma integral e uma de forma parcial. Meses antes, o presidente havia dito que o pacote, considerado prioridade para Moro, não era visto com urgência pelo governo.

Juiz das garantias - Aprovada junto com o pacote anticrime, a medida, que prevê a divisão de processos penais entre dois juízes, foi criticada por Moro. Bolsonaro, contudo, sancionou o projeto e não vetou o instituto.

STF - Bolsonaro havia afirmado que prometeu a Moro uma vaga no STF ao convidá-lo para assumir o ministério da Justiça. Depois, voltou atrás e afirmou que não houve combinado. O presidente também tem afirmado que pretende indicar alguém "terrivelmente evangélico" para uma das duas vagas que devem ser abertas até 2022 e deu a entender que pode nomear o atual ministro da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça.

Mensagens da Lava Jato - Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas por diversos veículos, entre eles a Folha, revelam que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, aconselhou e colaborou com a Procuradoria. Segundo a lei, contudo, um magistrado deve se manter imparcial diante das partes de um processo.

Confiança de Bolsonaro - Após a divulgação das primeiras mensagens, em junho, Bolsonaro deu declarações de apoio ao ministro, mas também disse que não existe 100% de confiança.

Destruição de provas - Logo que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear autoridades e captar suas mensagens no aplicativo Telegram, Moro disse que o material apreendido seria destruído. Tanto a PF quanto Bolsonaro afirmaram que essa decisão não cabia ao ministro —essa competência é da Justiça.

Polícia Federal - Bolsonaro anunciou que Ricardo Saadi seria substituído por Alexandre Silva Saraiva na Superintendência da PF no RJ. A direção da PF, contudo, havia escolhido o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, da Superintendência de Pernambuco. O anúncio de Bolsonaro foi malvisto pela corporação como uma interferência do presidente em assuntos internos. Desde então, Bolsonaro deu diversas declarações reforçando a intenção de intervir na Polícia Federal. Também alfinetou Moro ao afirmar que cabe a ele, e não ao ministro, fazer nomeações no órgão.

Perda do Coaf - Criado em 1998, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas. Ao assumir a Presidência, Bolsonaro tirou o Coaf do Ministério da Economia (antiga Fazenda) e o colocou na pasta de Moro, a Justiça.

O ex-juiz acabou derrotado depois que o Congresso devolveu o Coaf à Economia (sob Paulo Guedes) ao analisar a MP da reforma administrativa do governo federal.

Depois, o Coaf foi transferido para o Banco Central. O chefe do órgão e aliado de Moro, Roberto Leonel, foi substituído por Ricardo Liáo, funcionário de carreira do BC.

Decreto das armas - O primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve ignorada sua sugestão de limitar o registro por pessoa a duas armas —o decreto fixou o número em quatro.

Laranjas - No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se “houvesse necessidade” e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema. Denunciado pelo Ministério Público por envolvimento no caso, Marcelo Álvaro Antônio permanece no cargo de ministro do Turismo.

Ilona Szabó - Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro. Até hoje, Moro não nomeou um substituto.

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