Descrição de chapéu Eleições 2020

Com promessas de meritocracia e choque de gestão, SP tem recorde de candidatos liberais

Concorrentes defendem baixar impostos e reduzir tamanho do Estado, mas fazem acenos à área social

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São Paulo

Desburocratização. Desestatização. Menos impostos. Meritocracia. Choque de gestão.

Nunca o eleitor paulistano foi exposto a tantos verbetes do dicionário liberal como no atual pleito municipal.

São quatro os candidatos que professam essa ideologia em algum grau na disputa pela prefeitura: Arthur do Val (Patriota), Joice Hasselmann (PSL), Filipe Sabará (Novo) e Andrea Matarazzo (PSD).

É mais do que em todas os pleitos disputados desde 1985, quando São Paulo voltou a escolher seu prefeito pelo voto direto.

Nos últimos 35 anos, segundo levantamento da Folha, apenas o tucano João Doria, em 2016, e os candidatos Marcos Cintra, em 2000, e João Mellão Neto, em 1988, ambos do PL, tinham princípios liberais como centrais em suas plataformas.

Há quatro anos, Doria foi eleito em primeiro turno dizendo não ser um político, mas um “gestor” e prometendo um ambicioso programa de privatizações, que foi parcialmente executado.

Agora, o termo foi resgatado por seu ex-pupilo Sabará, que o menciona 25 vezes no programa de governo como sinônimo de administração eficiente. “A solução para o gasto excessivo sem retorno efetivo para a sociedade é um choque de gestão”, diz um trecho do documento.

Candidato de um partido que defende abertamente a redução do Estado, Sabará promete diminuir os impostos, ampliar o programa de privatizações e conceder bônus salariais a servidores por mérito.

Também quer mudar a lógica do ensino municipal, preparando o estudante para o “protagonismo profissional e o desenvolvimento de suas aptidões individuais”. O foco no indivíduo é um princípio clássico do liberalismo.

Candidata a vice-prefeita na chapa de Sabará e responsável pelo programa de governo, Marina Helena afirma que o norte da campanha é a ideia de eficiência. “É fazer mais com menos. Isso é muito importante para qualquer família, para qualquer pessoa. Não deveria ser diferente para o Estado."

A superinflação de candidatos liberais é um reflexo da onda direitista na política que começou a se manifestar em meados desta década. No plano federal, seu principal representante é o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Por todo o país, têm surgido entidades, clubes e centros de estudos advogando essa ideologia, que tem raízes no século 17, mas nunca conseguiu grande aderência na cena política brasileira.

Presidente do Instituto Mises Brasil e colunista da Folha, Helio Beltrão já batizou o movimento de “Primavera Liberal”. Na última quarta-feira (7), ele foi anunciado pela candidatura de Arthur do Val como uma espécie de versão municipal do Posto Ipiranga, ou seja, um “supersecretário” da área econômica.

“Quem faz a cidade somos nós, o pequeno cidadão, que tem de se amargurar nos guichês da prefeitura. É isso que a gente vai mudar”, diz Beltrão. "É muito fácil prometer distribuir cheques. A periferia entende mais do que o centro expandido que o dinheiro tem de sair de algum lugar."

O programa de governo de Arthur, conhecido como Mamãe Falei, promete um corte radical na máquina pública, reduzindo as secretarias de 26 para 10. Haveria diversas fusões, como as das pastas de Urbanismo e Infraestrutura.

Outras propostas incluem zerar o ITBI (Imposto sobre Transação de Bens Imóveis), apoiar meios de transporte por aplicativos, privatizar a Prodam (empresa de tecnologia do município) e até “destombar” prédios, para serem usados comercialmente.

Tudo isso, diz o candidato, terá como efeito facilitar a vida do cidadão que quer iniciar ou manter seu negócio. “São Paulo não pode mais tratar um empreendedor com dificuldades como se fosse criminoso”, diz o programa de Arthur, que é membro do MBL (Movimento Brasil Livre).

Numa cidade com muitas carências e onde grande parte da população olha para o Estado como um provedor de serviços básicos, mesmo liberais puro-sangue temperam o discurso com acenos a políticas sociais.

Marina Helena rejeita que a candidatura de Sabará promova a ideia do Estado mínimo. “Isso é simplificar muito. No Brasil, falar em Estado mínimo é completamente inviável. O que a gente defende é um Estado que preste melhores serviços e não aumente a carga tributária”, afirma.

Arthur promete que o olhar social será prioritário, “a despeito do largo preconceito que se espalha sobre os liberais” com relação ao tema.

Joice, da mesma forma, matiza suas convicções. Em seu programa de governo, a deputada federal se apresenta como uma “liberal racional, liberal de raiz”. Isso significa, afirma, “dar a todos a igualdade de oportunidades na corrida da vida”.

O coordenador do programa de Joice é o economista Marcos Cintra, o candidato liberal em 2000, que tem fortes credenciais nesse campo: defensor do imposto único, ex-assessor de Guedes e há anos crítico do intervencionismo estatal.

Mas ele mesmo afirma que a campanha não defende um “liberalismo radical, onde o indivíduo é colocado acima de tudo”. “É um indivíduo que tem uma preocupação com a sociedade como um todo”, ressalva.

As propostas de Joice incluem valorizar fintechs, criar uma “cidade das start-ups” e congelar o valor do IPTU em termos reais nos dois primeiros anos do mandato. “Investir sem tributar. Este será um dos meus projetos estruturantes para São Paulo”, diz a candidata em seu programa.

Sobre as privatizações, ela é mais cautelosa. Afirma que fará uma “criteriosa avaliação” sobre a necessidade de empresas seguirem controladas pelo município.

Joice Hasselmann (PSL) participa de debate entre candidatos à prefeitura de São Paulo na Band
Joice Hasselmann (PSL) participa de debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo na Band - Bruno Santos - 1.out.2020/Folhapress

Também propõe revitalizar os Cepacs, títulos da prefeitura que podem ser comprados e negociados, para financiar ações de urbanismo e infraestrutura. Seu criador foi o próprio Cintra, quando era vereador, em 1995. A ideia apregoada pela campanha é transformar o pagador de impostos em uma espécie de “sócio” da cidade.

“Não existe compromisso da candidatura com a redução do Estado apenas por reduzir. Está nos nossos planos, mas não como algo central”, afirma Cintra.

Um dos grandes desafios da campanha, diz ele, é fazer a mensagem liberal chegar a todos os rincões da cidade.

“A tradição estatista é cultural no Brasil. O assistencialismo impera. Mas muitos estão começando a ver que o governo não é a solução para tudo, que seus problemas não estão sendo resolvidos”, diz.

Integrante do PSDB durante décadas, Matarazzo decidiu dar uma guinada rumo ao liberalismo desde que deixou o partido, em 2016. Ele se associou ao Livres, grupo suprapartidário que defende ideias liberais.

Seu programa promete “tirar o Estado do cangote do cidadão” e acabar com “vistorias e liberações sem fim, que só atrasam e impedem o desenvolvimento das pessoas e da cidade”.

Matarazzo também propõe uma mudança radical no modo como as autorizações da prefeitura são concedidas.

O candidato dá a isso o nome de “silêncio positivo”: se um cidadão faz um requerimento à prefeitura e não obtém uma resposta em determinado período, isso significa automaticamente que a solicitação está atendida.

“É algo revolucionário, e eminentemente liberal. Você não atravanca a economia e estimula a competência”, afirma o cientista político Rubens Figueiredo, coordenador do programa de governo do candidato.

Segundo Figueiredo, o histórico de Matarazzo como membro de um partido social-democrata não impede que ele tenha visões baseadas na eficiência da gestão pública e na promoção da iniciativa individual.

“Você pode ser liberal no sentido de facilitar a vida das empresas e com isso gerar mais recursos para o poder público”, diz.

O Estado, afirma Figueiredo, não pode ser “paquidérmico”. “O liberalismo não é deixar as pessoas à sua própria sorte. O Estado facilitar a vida do cidadão não significa que não vá prover saúde ou educação."

*

Propostas liberais de candidatos em SP

Andrea Matarazzo (PSD)

  • Criar o princípio do “silêncio positivo”, pelo qual a falta de resposta da prefeitura a uma demanda gera aprovação automática
  • Criar o Departamento de Economia Criativa
  • Conceder incentivos para servidores que atingirem metas de desempenho

Arthur do Val (Patriota)

  • Reduzir as secretarias de 26 para 10
  • Zerar o ITBI (Imposto sobre Transação de Bens Imóveis)
  • Privatizar a Prodam
  • Regulamentar a Lei da Liberdade Econômica
  • "Destombar” imóveis protegidos pelo patrimônio histórico

Filipe Sabará (Novo)

  • Reduzir a carga de impostos
  • Criar mecanismos de remuneração de servidores baseados na meritocracia
  • Ampliar desestatização
  • Investir em disciplinas como empreendedorismo, finanças e programação digital na rede de ensino

Joice Hasselmann (PSL)

  • Não reajustar o IPTU em termos reais nos dois primeiros anos
  • Criar a “cidade das start-ups”
  • Estimular fintechs
  • Recuperar o uso dos Cepacs para financiar projetos na cidade
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