Oposições à esquerda e à direita elevam pressão por reação conjunta nas ruas a atos pró-Bolsonaro

Puxada por MBL e Vem Pra Rua, manifestação do dia 12 ganha adesões; forças discutem protesto unitário e evocam Diretas Já

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São Paulo

Em alerta após os atos com ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro neste 7 de Setembro, movimentos e partidos de esquerda e de direita buscam avançar em discussões para uma resposta unificada nas ruas, deixando de lado interesses ligados às eleições de 2022.

A manifestação já organizada para o próximo domingo (12) por MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem pra Rua) ganhou nesta quarta-feira (8) a adesão de setores associados à esquerda, mas a entrada em peso de grupos com diferenças ideológicas ainda é tratada com ceticismo neste momento.

Apesar dos obstáculos, cresceu a pressão por entendimento, com indicações de que uma data conjunta possa ser convocada. Como mostrou a Folha, a aproximação de coalizões à frente de atos esbarra no apoio ou rejeição a pré-candidatos à Presidência, notadamente o ex-presidente Lula (PT).

Uma das sinalizações rumo à ampliação dos atos veio com a publicação, nesta quarta, de um comunicado do MBL delimitando como foco do domingo o apelo pela saída de Bolsonaro. O texto busca neutralizar a ideia de que o ato vise a apoiar uma terceira via nas urnas.

A bandeira "nem Bolsonaro nem Lula", usada na divulgação do protesto, é tida como elemento que afugenta pessoas simpáticas ao petista e inviabiliza uma adesão da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum majoritariamente de esquerda que desde maio realiza manifestações contra o presidente.

Evocando a pluralidade da campanha das Diretas Já ao final da ditadura militar (1964-1985), líderes de movimentos e partidos defendem que questões laterais fiquem em segundo plano, em nome da união das chamadas forças democráticas contra um "mal maior" —a ameaça de ruptura externada pelo mandatário.

Na nota desta quarta, o MBL diz que o espírito da mobilização é o mesmo que norteou as Diretas e sugere que os manifestantes usem roupas e adereços na cor branca, "simbolizando a democracia e a paz".

"Convocamos todos os partidos, lideranças civis e agremiações, desde que respeitem a necessidade de deixarem suas pautas particulares e suas preferências eleitorais fora do ato, para nos unirmos pelo impeachment de um presidente golpista e autoritário", afirma o grupo.

"A urgência é absoluta. Todos os cidadãos brasileiros, que estejam vendo a tragédia dos 580 mil mortos na pandemia, o desemprego, a crise hídrica e, acima de tudo, as reiteradas tentativas de golpe por parte de Bolsonaro, precisam se juntar às manifestações do dia 12/9", acrescenta o texto.

Confirmaram presença nos atos de domingo os diretórios nacionais do Novo e do Cidadania, os diretórios paulistas do PSL e do PSDB e os diretórios paulistanos do PSDB e do PDT. Também é esperada a participação de políticos como Orlando Silva (PC do B-SP), Isa Penna (PSOL-SP) e Luiz Henrique Mandetta (DEM).

"É hora de unirmos forças da esquerda à direita pelo impeachment", diz em nota o presidente municipal do PDT, Antonio Neto, aliado do presidenciável Ciro Gomes. "Todos aqueles que realmente querem a saída de Bolsonaro precisam estar juntos neste momento, sem cálculos eleitorais e sem sectarismos oportunistas."

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que vem incentivando a ida dos descontentes com Bolsonaro às passeatas do dia 12, afirmou que avalia comparecer no domingo. O tucano estimula que o tamanho do público na avenida Paulista seja comparado com o do dia 7.

Os atos bolsonaristas de terça provocaram o endosso de dois presidenciáveis do PSDB ao impeachment, os governadores Doria e Eduardo Leite (RS) —até então, nomes da terceira via eram reticentes sobre o tema.

O Solidariedade também passou a encampar o afastamento de Bolsonaro, e outras siglas, como PSD, MDB e o próprio PSDB deram início a esse debate internamente. Da mesma maneira que a busca de entrosamento para convocar atos de rua, as articulações têm na eleição de 2022 um empecilho.

Movimentos que convergem para o centro, como Livres e Acredito, também vão se somar ao protesto de domingo puxado por MBL, VPR e outros setores da direita não bolsonarista.

"Olhando para ontem [terça], falamos: não tem como não ir", diz o líder estadual do Acredito, Marco Martins, que está envolvido na organização dos atos à esquerda. "Acho que muita gente sentiu a mesma coisa, depois de ver ao vivo as imagens que a gente viu, com ameaças claramente golpistas."

O ato do fim de semana ganhou ainda a adesão de quatro centrais sindicais: Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores).

As entidades, em nota, pregaram a necessidade de "frente ampla em defesa do Brasil e da democracia" e afirmaram que Bolsonaro "ultrapassou todos os limites".

"Conclamamos todos os setores políticos democráticos, as organizações representativas da sociedade civil, o mundo da ciência e da cultura, os trabalhadores e suas entidades sindicais a cerrar fileiras em defesa da democracia e das instituições da República."

Embora seja heterogênea, a Campanha Fora Bolsonaro é dominada por atores de esquerda que tendem a apoiar a candidatura de Lula. A articulação, que rechaça a crítica de que os atos sejam parte da campanha eleitoral do petista, diz que ainda definirá os detalhes de sua próxima manifestação.

Grupos que compõem o fórum e são mais alinhados ao PT se pronunciaram nesta quarta para avisar que não estarão no dia 12. Alas da esquerda se ressentem com o ativismo de MBL e VPR nos atos que ajudaram a empurrar o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

A CMP (Central de Movimentos Populares) apontou como justificativa para a ausência no domingo o mote "nem Bolsonaro nem Lula", que vinha aparecendo nas convocações, e afirmou que "quem está de fato interessado em afastar o presidente não pode tomar partido na disputa eleitoral dessa maneira".

A entidade, contudo, diz não descartar "a abertura de um processo de diálogo para uma eventual manifestação de caráter mais amplo", mas afirma que "isso deve ser feito desde o início, e sem o veto de uso de bandeiras de partidos e movimentos", como chegaram a sugerir porta-vozes do MBL.

"É possível, sim, construir uma outra data de forma unitária, limpando a questão eleitoral. Acho que é um caminho importante, mas leva um tempo para amadurecer uma ideia como essa", diz à Folha o coordenador da CMP, Raimundo Bonfim.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) também emitiu nota para informar que "não convocará e não faz parte da organização de nenhuma manifestação" no dia 12.

No universo partidário, declarações indicam haver disposição para uma atuação conjunta nas ruas, mas não imediatamente para este domingo. A avaliação é que o ato já possui protagonistas definidos, incorporou questões eleitorais e carrega arestas que afastam a ideia de frente ampla.

Em reunião na noite desta quarta, dirigentes de nove partidos (PT, PDT, PSB, PSOL, PC do B, PV, Solidariedade, Rede e Cidadania) fecharam acordo para organizar duas manifestações amplas contra Bolsonaro, em outubro e em novembro, em datas a serem definidas.

"Enquanto construímos esta grande manifestação de unidade pela democracia, pelo Brasil e pelos direitos do povo, incentivamos todos os atos que forem realizados em defesa do impeachment", escreveu em uma rede social a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, após o encontro.

Mais cedo, ela havia afirmado que "não se trata de aderir a atos já marcados, mas de construirmos juntos o caminho".

Participantes da reunião disseram à Folha que há a intenção de estabelecer diálogo com organizações que já vêm fazendo mobilizações, em busca de coordenação do calendário. Algumas das siglas, como PDT, PV e Cidadania, afirmaram que já vão endossar a convocação deste domingo.

"Vamos incentivar todos a participarem de todos os atos, a partir deste domingo", diz o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi. "O PDT vai participar no dia 12. É o Brasil que está em jogo, não é [questão de] convicção ideológica. Agora é tirar esse pretenso ditador que está no poder."

A organização de manifestações unificadas também tem o apoio, nos bastidores, de membros de partidos de centro e centro-direita que passaram a exercer pressão pelo avanço de um processo de impeachment depois das falas autoritárias de Bolsonaro neste 7 de Setembro.

"Enquanto o MBL protestar em um dia, a esquerda em outro e o centro nunca, estas manifestações serão motivo de riso quando comparadas com as de ontem [terça]", escreveu o ex-deputado federal e ex-ministro Carlos Marun (MDB-MS) em um grupo de discussões do movimento Política Viva.

"Antes de se exigir o impeachment, têm que ser colocados de lado os ranços que impedem a união de setores diversos em torno de um movimento único com esse objetivo", completou Marun na mensagem.

Do lado dos mobilizadores originais do dia 12, o discurso é o de que todos os contrários ao presidente são bem-vindos, mas não cabe misturar a pauta do "fora, Bolsonaro" com aspectos eleitorais.

"Nosso movimento é suprapartidário. Não é momento para que essa ação sirva de palanque para quem quer que seja", diz a porta-voz nacional do VPR, Luciana Alberto. "É hora de abstrair diferenças ideológicas e lutar juntos por uma causa maior. Essa convergência será muito produtiva para o país."

"É preciso que esse diálogo seja construído e que haja um mínimo denominador comum, que é a saída de Bolsonaro", continua ela, acrescentando que o movimento rechaça vandalismo e personalismo.

Um dos principais rostos do MBL, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) reiterou em uma rede social que "todos que estão pelo impeachment do Bolsonaro e em defesa da democracia estão convidados para o dia 12".

"Inclusive convidados a subir no caminhão do MBL, no Masp. Que seja amplo e histórico como um palanque das Diretas Já", afirmou.

O ecumenismo que marcou os comícios em defesa de eleições diretas para presidente da República no Brasil, na década de 1980, também é mencionado pelo grupo Direitos Já, outra coalizão que está trabalhando por uma mobilização ampla nas ruas.

O fórum, com 18 partidos e dezenas de movimentos da esquerda à direita, cogita propor um ato no início de outubro, após a entrega do relatório final da CPI da Covid. Segundo o coordenador-geral, Fernando Guimarães, a "unidade de luta é fundamental" e deve abdicar de "disputa de protagonismo".

"Para aprovar o impeachment, precisa de votos da esquerda, do centro e da direita. Então, não faz sentido ter uma mobilização de esquerda, uma de centro e uma de direita, porque isso dificulta demonstração de força. O caminho é deixar diferenças políticas de lado por um instante", diz.

O porta-voz do Direitos Já afirma que a ideia é dialogar "com o conjunto das forças que já estão mobilizadas em torno dos atos de rua" para que seja possível "ter um palanque com todos os campos, não só políticos, mas também líderes da sociedade brasileira, em atos pacíficos".

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