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Imprensa ignora abismos de diferenças entre evangélicos, diz ativista

Para Jackson Augusto, sede por imediatismo da mídia gera visão estereotipada de religiosos

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Jackson Augusto

É batista, integrante da coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico, membro do Miqueias Jovem América Latina, criador de conteúdo no canal Afrocrente e articulador nacional do PerifaConnection

São Paulo

Como parte dos projetos especiais dos 100 anos da Folha, o jornal convidou 13 integrantes de grupos sub-representados no jornalismo profissional praticado no Brasil. Eles expõem episódios de preconceito e desinformação, além de problemas na relação com jornalistas e na forma como a imprensa noticia —ou não noticia— questões que os afetam direta ou indiretamente.

Batizada de “E Eu? - O Jornalismo Precisa me Ouvir”, a série é formada por vídeos e depoimentos em forma de texto.

O ativista da teologia negra Jackson Augusto, no auditório da Folha - Bruno Santos/Folhapress

Articulador social e ativista da teologia negra, Jackson Augusto, 25, fala sobre a representação dos evangélicos na imprensa. Ele é criador do perfil @afrocrente, além de integrar a coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico. Leia entrevista ou assista ao vídeo (há uma versão com recursos de acessibilidade logo abaixo).

VERSÃO COM RECURSOS DE ACESSIBILIDADE

Nasci numa favela do Recife e a minha iniciação como cidadão foi na igreja. A primeira vez que vi alguém que passou no vestibular foi na igreja. O único lugar em que tive acesso a uma iniciação musical foi na igreja, então comecei a existir na igreja —apesar de ser um lugar atravessado pela questão racial, por preconceitos e tudo o mais.

Minha mãe é sindicalista, e cresci indo para o culto e para as assembleias gerais no sindicato. Não era algo contraditório para mim, ir para a greve e ir para o culto —reivindicar meus direitos e reivindicar minha fé. Minha fé me move para a justiça, a equidade, para desafiar ciclos de violência.

A teologia negra é uma ferramenta política, que nasce para denunciar algo. Preciso falar para outros jovens negros que existem metodologias e pensamentos a partir da fé cristã que nos ajudam a respeitar os direitos humanos, contribuir com a luta antirracista e se posicionar contra o conservadorismo.

Essa experiência continua influenciando os evangélicos até hoje —que são, em sua maioria, negros e mulheres. Mas quando a gente vai para a bancada evangélica, para os ministros evangélicos do governo, eles são brancos. O pacto narcísico ainda continua: ele tem a ver com dinheiro e poder, mas também com a herança escravocrata. Por isso costumo dizer que não tem muito a ver com religião. A religião entra como uma ferramenta.

Jackson Augusto com sua Bíblia, durante entrevista à Folha - Bruno Santos/Folhapress

Muita gente acha que o neopentecostalismo é o principal responsável pelo que está acontecendo no Brasil. Isso é, em parte, verdade, mas existe outro grupo —neocalvinista —que está na pasta dos Direitos Humanos. São presbiterianos ligados ao Mackenzie, que compram esse diálogo das violações dos direitos humanos e da flexibilização do valor da vida do outro.

Coincidentemente, o ministério dos Direitos Humanos é o que tem mais pessoas evangélicas nomeadas. Existe um interesse em uma guerra cultural aí, que serve a um projeto maior. Enquanto a gente não entender isso, enquanto a gente achar que o problema é religião, e não uma questão de projeto de poder político, econômico e social, talvez a gente não consiga vencer isso. Eles usam Deus para isso, mas não tem a ver com Deus. Não tem a ver com fé.

A bancada evangélica surge de um boato de que, na Constituinte, a Igreja Católica ia fazer do catolicismo a religião oficial do Brasil. A partir disso, toda a estrutura evangélica se move para se organizar politicamente. Surge de uma fake news —e de fake news em fake news a gente chegou onde está.

A conversa [entre igreja e movimentos sociais] vai definir os rumos do Brasil. O Brasil vai ser de maioria evangélica, mas como vão ser esses evangélicos? Quem vai estar na mídia daqui a 20 anos? Quem vão ser os donos das grandes emissoras de televisão? Quem vai sair nos jornais e ter voz nesses espaços? Dar voz a um só lado, por mais que ele seja hegemônico, acaba tirando a diversidade que existe.

Existe uma sede por generalizações na imprensa. Mostrar a diversidade dá mais trabalho. Dá menos clique. E é um processo chato, não é legal, existem muitas questões para serem separadas. Tem muita gente que está em instituições preconceituosas, mas tem uma cultura extremamente libertária. Para você distinguir isso, é difícil.

A imprensa tem uma sede por imediatismo, especialmente com as redes sociais. Esse processo acaba invisibilizando essas narrativas contra-hegemônicas, que não chegam à mídia de forma alguma.

Conheço pessoas do interior da Paraíba discutindo cidade, direitos humanos, falando sobre a história dos evangélicos que lutaram contra a ditadura militar. Isso nunca foi noticiado e provavelmente nunca vai ser, porque não interessa para as pessoas.

Como a gente faz para mudar essas narrativas e não só conhecer Felicianos e Damares e Edir Macedos e Valdomiros? É bom dar nome aos bois, dizer que quem faz isso aqui é tal instituição, tal igreja. As pessoas confundem pentecostalismo com neopentecostalismo, neocalvinismo com batistas, anglicanos, luteranos e metodistas. É tudo evangélico, mas são mundos diferentes. Há abismos entre eles. Existe um mar de pessoas, de formas de expressar fé, e acho que falta isso para a imprensa.

Como a gente faz para mudar essas narrativas e não só conhecer Felicianos e Damares e Edir Macedos e Valdomiros?

Jackson Augusto

Articulador social e ativista da teologia negra

Se a gente perguntar se vocês conhecem pastoras negras que falam sobre questões dos evangélicos, política, ninguém vai saber quem são essas mulheres. Por que não dar voz a elas? São mulheres competentes para falar. A imprensa pode trabalhar a partir disso, a partir desse lugar da opinião e da visibilidade dessas pessoas.

Fazer isso é mostrar de forma mais honesta o que é ser evangélico no Brasil. Por mais que elas, em sua maioria, possam até estar votando no Bolsonaro, no outro dia ainda vão acordar em corpos negros e femininos.

É um trabalho da imprensa comprometida com os valores democráticos procurar dar cada vez mais espaço para vozes diferentes, que são silenciadas todos os dias.

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