Rusgas, divergências e ideal antipolarização marcam grupo de seis presidenciáveis que ensaiam aliança
Ciro, Doria, Huck, Mandetta, Amoêdo e Leite convergem no antipetismo e no antibolsonarismo, mas projeto eleitoral conjunto para 2022 ainda é cercado de dúvidas
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Rusgas do passado, divergências ideológicas e partidárias e guerras de vaidades são entraves para alianças eleitorais no grupo de seis presidenciáveis que se uniram para lançar um manifesto pró-democracia e ensaiam uma aproximação para a corrida ao Planalto em 2022.
Diferenças à parte, Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo) e Eduardo Leite (PSDB) convergem em um ponto: evitar que Jair Bolsonaro (sem partido) e Lula (PT), tidos pelo sexteto como radicais, polarizem o pleito.
No dia 31 de março, quando o golpe que instaurou a ditadura militar (1964-1985) completou 57 anos, os seis publicaram o Manifesto pela Consciência Democrática. Afirmaram, em recado indireto para Bolsonaro, que a democracia está ameaçada e conclamaram uma soma de forças para defendê-la.
Nos dias seguintes, o grupo de WhatsApp criado para a elaboração do texto, nomeado como Polo Democrático, acompanhou as repercussões, mas sem avançar em diálogos concretos sobre campanha. O marasmo foi quebrado pelas mensagens de feliz Páscoa e por um ou outro comentário.
Em público, o tom geral dos participantes é menos eufórico do que gostariam os entusiastas da formação da chamada terceira via. Eles tratam a organização do manifesto como um primeiro passo, mas reconhecem que uma evolução para a esfera eleitoral exigirá muitos diálogos e concessões.
Afora o propalado respeito às regras democráticas, poucos traços ligam, por exemplo, dois nomes que estão nas pontas do sexteto: o liberal convicto Amoêdo, que votou em Bolsonaro no segundo turno de 2018, e o centro-esquerdista Ciro, que já foi ministro de Lula e hoje se opõe ao ex-presidente.
Políticos envolvidos direta ou indiretamente na iniciativa afirmaram à Folha que várias opções estão colocadas. Em um dos cenários, não necessariamente o grupo produziria uma candidatura única, mas os que se registrarem para a disputa fariam esforços para consolidar um pacto de não agressão.
Nessa situação hipotética, os presidenciáveis à margem da dicotomia Bolsonaro-Lula teriam como prioridade desidratar ambos e tentar cavar uma vaga no segundo turno. O escolhido pelos eleitores poderia contar, automaticamente, com o apoio dos demais.
"O manifesto foi importante como sinalização de que essas pessoas conversam e têm capacidade de se entenderem. Elas passaram por cima de suas divergências e convergiram", diz à Folha Mandetta, ex-ministro da Saúde que foi o articulador do documento.
Ele, que deixou o governo em meio a discordâncias com Bolsonaro, já mantinha interlocução com Huck, Amoêdo e o ex-juiz Sergio Moro, que é cotado como presidenciável e foi convidado a endossar o texto, mas declinou alegando razões contratuais com a consultoria Alvarez & Marsal, para a qual trabalha.
Sobre o futuro do movimento, o ex-ministro responde: "Aí é um processo do tempo da política, não é do tempo da internet". De acordo com ele, o caminho agora envolve conversas entre os partidos dos envolvidos e acompanhamento do quadro político.
"Estou certo de que 50% dos brasileiros não querem nem Lula nem Bolsonaro. Um dos pontos em comum [no grupo] é a análise de que, se fragmentar [as forças], você acaba ajudando os dois extremos", afirma Mandetta, defendendo a construção de uma alternativa que "represente esperança, futuro".
Se conseguir um consenso em torno de democracia foi fácil, o mesmo não se pode dizer das agendas programáticas. No caso do apresentador da TV Globo, a dificuldade é ainda maior, já que Huck não é filiado a partido, nunca atuou na área pública nem sequer confirma a intenção de se candidatar.
Antes de se darem as mãos, signatários do texto já protagonizaram embates públicos.
No quesito críticas, Ciro é talvez o recordista, com histórico de ataques desferidos contra praticamente todos os novos companheiros. Sua bronca com Doria foi parar nos tribunais. O ex-ministro já usou termos como "farsante" e "picareta completo" para se referir ao governador de São Paulo.
O empresário e ex-banqueiro Amoêdo, que, como o pedetista, concorreu na eleição de 2018, também virou alvo dele durante a campanha —e rebateu, falando que Ciro precisava "conhecer um pouco mais sobre economia".
Já Mandetta e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, soam mais agregadores, sem tantas arestas internas. No caso do gaúcho, a aventura presidencial depende, antes de tudo, de uma solução no PSDB. Ele planeja disputar com Doria as prévias que escolherão o representante tucano na disputa.
O único que desfruta de situação confortável dentro de sua legenda é Ciro, hoje sem maiores óbices a seu nome.
A plataforma mínima que une o sexteto está fundamentada, basicamente, no antipetismo e no antibolsonarismo. À exceção de Ciro, todos são identificados na opinião pública como simpatizantes de Bolsonaro no segundo turno de 2018, embora hoje se declarem na oposição ao mandatário.
O caso mais emblemático é o de Doria, que se elegeu na onda da dobradinha BolsoDoria e rompeu com o presidente no ano seguinte, iniciando um antagonismo que se aprofundaria com as discordâncias nas medidas de combate à pandemia do novo coronavírus e a politização do tema das vacinas.
A receita desejável para atenuar a crise sanitária causada pelo vírus é outro ponto pacífico entre os subscreventes do manifesto. Todos pregam obediência às recomendações científicas, o que os coloca em campo oposto ao de Bolsonaro, que nega a gravidade da doença e sabota ações preventivas.
O impeachment do presidente é controverso —Ciro e Amoêdo são abertamente favoráveis.
Pontos que distanciam e aproximam os seis presidenciáveis
Ciro Gomes (PDT)
- É o político que acumula mais arestas com os outros membros do grupo, tanto por diferenças ideológicas quanto por rusgas do passado
- Foi processado por Doria por chamá-lo de farsante, lobista e picareta e dizer que o tucano está "sempre engomadinho com o 'beiço' cheio de 'botox'". Já provocou Huck, dizendo que estagiário não pode ser eleito presidente, e afirmou que Mandetta, quando era ministro, agia como "um carrapato" e não teve a dignidade de renunciar ao cargo após os embates com Bolsonaro
- Defensor de uma linha desenvolvimentista, acredita no Estado forte, com o setor público como indutor do crescimento econômico e a iniciativa privada no papel de parceira
João Doria (PSDB)
- Trabalha, desde que assumiu o governo de São Paulo, para se projetar como principal alternativa de centro, mas, diante das dificuldades, passou a fazer recuos táticos e se mostrar disposto a, inclusive, abrir mão do plano de candidatura presidencial
- Rivaliza com Huck na briga para ver quem ficará com a vaga de candidato moderado, embora pessoalmente tenham relação amistosa. Disputou holofotes com o novato no Fórum Econômico Mundial, na Suíça, em 2019 e em 2020. Também concorre com Huck na preferência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entusiasta do apresentador
- Tem visão liberal da economia, um dos fatores que o levaram a apoiar Bolsonaro, por causa das políticas do ministro Paulo Guedes. Nos últimos tempos, atenuou o discurso e ampliou ações de fundo social
Luciano Huck (sem partido)
- Fez críticas a Ciro por causa do atrito do PDT com a deputada federal Tabata Amaral (SP), eleita com a ajuda da escola de candidatos RenovaBR, que foi criada com o apoio de Huck. Tabata contrariou o partido ao votar a favor da reforma da Previdência. Em entrevista à Folha na época, ele rebateu a declaração de Ciro de que os grupos independentes são "partidos clandestinos" e indicou desaprovar a conduta do pedetista no episódio
- Na pauta de costumes, está mais à esquerda que Doria, Leite e Mandetta em temas como segurança pública, drogas e gênero. Já se colocou, por exemplo, favorável a uma revisão da política de guerra às drogas, que considera ser falha
- Em assuntos econômicos, sugere ter um perfil "liberal light", repetindo o bordão de que o governo, idealmente, precisa ser eficiente e afetivo, sem descuidar de políticas de combate à desigualdade
Luiz Henrique Mandetta (DEM)
- Sem maiores polêmicas no currículo, desponta como a figura mais agregadora do grupo. Tanto é que coube a ele, após ter a ideia de produzir o manifesto, procurar os demais signatários e formar o grupo de WhatsApp. Embora tenha feito parte da equipe de Bolsonaro, tornou-se uma das vozes críticas ao presidente, especialmente no enfrentamento à pandemia
- Em 2016, como deputado federal por Mato Grosso do Sul, apoiou o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), decisão que Ciro considera ter sido um golpe parlamentar. Tanto o líder do PDT quanto Doria vêm cortejando o DEM de olho no apoio do partido.
- Na seara econômica, concorda com a agenda de reformas. De perfil descrito como conservador, encampou pautas corporativistas de sua categoria, a dos médicos, e se notabilizou como opositor do programa Mais Médicos, implementado no governo do PT
João Amoêdo (Novo)
- Teve embates com Ciro na campanha presidencial de 2018, que ambos disputaram. Depois que o pedetista fez referência ao patrimônio declarado de R$ 425 milhões do candidato do Novo e disse que ele "vive com mais da metade disso em renda fixa e vive falando mal do Estado", Amoêdo respondeu que Ciro precisava "conhecer um pouco mais sobre economia"
- Uma das regras de seu partido é a recusa em receber verbas públicas para campanhas eleitorais, o que pode ser um obstáculo em eventuais coligações com outras legendas
- Liberal convicto, acredita que o Estado não deve administrar empresas e precisa atuar apenas em setores que forem essenciais para o cidadão, como saúde e educação
Eduardo Leite (PSDB)
- Aprofundou o racha interno no PSDB ao se lançar como presidenciável e anunciar que disputaria as prévias do partido para escolher seu representante em 2022. Com isso, criou um obstáculo a mais para Doria, que dava como certo o apoio majoritário da legenda ao seu projeto de candidatura nacional
- Com discurso moderado, já se mostrou aberto a diálogo com diferentes correntes (ficou próximo de Huck, por exemplo) e foi um dos primeiros governadores a lamentarem a saída de Mandetta do Ministério da Saúde, em abril de 2020
- Liberal em assuntos econômicos, tem visão favorável ao setor privado e, como governador, comprou briga com sindicatos, levou privatizações adiante e aprovou um projeto de austeridade fiscal que modificou a Previdência no estado
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