Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Ross Douthat
Descrição de chapéu Rússia

Óvnis e outros mistérios não resolvidos da nossa era

Às vezes, fenômenos deixam de ser tema de teorias excêntricas para se popularizarem, mas sem serem totalmente explicados

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Em algum momento muito em breve, espera-se, o governo de Joe Biden tentará explicar à população americana o que eles acham que seus caças derrubaram sobre o Lago Huron, no norte do Canadá e no Alasca, sejam balões, drones ou algo um pouco mais estranho.

Se isso acontecer, daremos um passo importante para resolver um antigo e obscuro mistério: o que são todos os objetos voadores não identificados –desculpem, desculpem–, os fenômenos aéreos não identificados (UAP, na sigla em inglês) que os militares seguem encontrando nos céus acima do planeta?

Balão chinês sobrevoa Billings, no estado americano de Montana
Balão chinês sobrevoa Billings, no estado americano de Montana - Chase Doak - 1º.fev.23/AFP

Talvez não seja um passo tão grande quanto se espera. Talvez alguns dos destroços não sejam encontrados (como o governo está sugerindo), ou não identifiquemos totalmente alguns dos objetos.

Talvez o governo declare os detalhes sigilosos, ou os objetos sejam oficialmente identificados como drones ou balões, mas suas origens permanecerão incertas. Talvez a conclusão seja simplesmente que temos muito pouca ideia do que acontece em nossos céus, fazendo que as teorias mais estranhas pareçam, no mínimo, mais verossímeis do que algumas semanas atrás.

Isso se encaixaria num dos padrões de nossa era, que é o que se poderia chamar de revelação incompleta.

Às vezes, um fenômeno deixa de ser assunto de teorias excêntricas e de conversas sigilosas para ser mais popular, mas sem ser totalmente explicado ou compreendido. Ou às vezes uma controvérsia ocupa o palco por um tempo, muita coisa parece depender da resposta, mas então não é resolvida e esquecida.

O que está em jogo não é uma teoria da conspiração (embora possa dar origem a elas), mas uma pergunta ou um segredo –algo reconhecido como importante, teoricamente explicável, mas que escapa ao alcance.

A história do UAP até agora tem sido um exemplo óbvio. Nos últimos anos, o governo e a mídia admitiram a existência de um fenômeno estranho. Mas não houve pressão sustentada da corrente dominante (porque seria muito estranho e paranoico) sobre autoridades ou instituições para ir mais a fundo do que está acontecendo. Quais são alguns outros exemplos? Que bom que você perguntou. Aqui está uma lista.

Quem explodiu os oleodutos Nord Stream?

Na semana passada, Seymour Hersh publicou uma história em seu Substack alegando que mergulhadores da Marinha dos EUA plantaram os explosivos que sabotaram os gasodutos que ligam a Rússia à Alemanha. Há boas razões para se duvidar da história, a começar por sua aparente dependência de uma única fonte e pelo exame de várias questões factuais e de plausibilidade. Hersh é famoso por contar histórias importantes e também por entender outras histórias de maneira totalmente errada.

Mas alguém explodiu os oleodutos. Foi a Rússia? Partes do funcionalismo ocidental sugeriram isso a princípio, mas depois de meses de investigações ainda estamos esperando evidências convincentes ou um argumento convincente de por que interessaria a Moscou tornar muito mais difícil reiniciar rapidamente o fluxo de energia que eles estão tentando usar para chantagem.

Foram os EUA, agindo para forçar a Rússia a um isolamento mais profundo, enfraquecendo seu impulso imediato de energia sobre a Europa? O governo Biden nega qualquer envolvimento, e teria sido um ato bem imprudente para um governo muito cauteloso em relação ao envolvimento direto com os russos.

"No mundo cada vez mais transparente de hoje", escreveu Sergei Vakulenko, da Fundação Carnegie, logo após a sabotagem, a verdade sobre quem fez isso "talvez não fique enterrada por muito tempo". Mas, muitos meses depois, temos a duvidosa afirmação de Hersh e não muito mais.

Quais eram os segredos de Jeffrey Epstein?

Deixe de lado a discussão sobre ele ter se matado: mais de três anos após o aparente suicídio de Epstein, são os maiores mistérios sobre o predador-aliciador que continuam sem solução.

Não entendemos totalmente como ele ganhou seu dinheiro; a história de sua ascensão, como consultor do magnata do varejo de roupas Leslie Wexner, ainda parece um esboço em que faltam detalhes cruciais.

Não entendemos completamente por que ele gozou de tanta clemência em sua briga na era Bush com a polícia e os tribunais. Epstein "pertencia à inteligência" –foi assim que Alexander Acosta, promotor da Flórida que se tornou secretário do Trabalho no governo Trump, supostamente explicou sua própria parte nessa clemência. Mas ainda não sabemos a verdade sobre os possíveis laços de Epstein com nosso próprio governo ou outros, como seus supostos métodos de chantagem e vigilância funcionavam etc.

Além disso, falando como alguém com um interesse cauteloso em espiritualidades excêntricas, gostaria de saber mais –ou apenas alguma coisa– sobre a estranha estrutura semelhante a um templo numa de suas ilhas particulares, cuja inspiração e propósitos ainda são obscuros.

A Covid-19 vazou de um laboratório chinês?

Aqui, os obstáculos para certas respostas são óbvios: a evidência crucial é controlada por um Estado autoritário cada vez menos cooperativo, o debate científico é obscurecido pelo interesse escuso que algumas de nossas próprias instituições de saúde e ciência têm na pesquisa de "ganho de função", e a questão esteve emaranhada desde o início com as guerras culturais da era Trump.

Mas imagine se, vários anos depois de um grande terremoto atingir Los Angeles ou San Francisco, ainda não soubéssemos se foi um terremoto normal ou uma demolição induzida acidentalmente por experimentos geológicos conduzidos por um grande rival geopolítico.

É onde estamos hoje com a pandemia, e nossa incerteza sobre suas origens está ligada a questões cruciais sobre a probabilidade de futuros surtos, a inteligência e a segurança de projetos de pesquisa científica com financiamento público e, claro, nosso relacionamento com a China. Por mais energia que nossas instituições estejam aplicando para resolver essa questão, parece que mais seria uma boa ideia.

O que aconteceu entre Brett Kavanaugh e Christine Blasey Ford?

Esse é um caso em que os partidários de ambos os lados têm certeza de que sabem a resposta, e todos os outros seguiram em frente –e talvez seguir em frente seja apenas a coisa razoável.

Mas os partidários de Ford continuam trabalhando, convencidos de que o que falta é uma rede mais ampla, mais alegações além das dela: um documentário sobre o caso de Doug Liman, diretor de "Swingers" e "A Identidade Bourne", aparentemente se concentra novamente nas alegações e supostos incidentes do tempo de Kavanaugh em Yale.

O juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh, então indicado ao tribunal, depõe a comitê do Senado americano, em Washington
O juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh, então indicado ao tribunal, depõe a comitê do Senado americano, em Washington - Saul Loeb - 27.set.18/AFP

Mas o que eu pensava durante as audiências no Senado em 2018, e ainda penso hoje, é que a acusação inicial de Ford deveria ser mais passível de investigação focada. O que significa que, se Ford estava dizendo a verdade ou mentindo, ou se lembrando mal de alguma forma importante, deveríamos ser capazes de obter pelo menos um pouco mais de certeza de todas as pessoas diferentes que estavam conectadas à suposta festa –dos nomes na agenda de Kavanaugh à própria família Ford a conexões mútuas de Kavanaugh e Ford e muito mais. Pensei então que alguém na grande Georgetown sabia mais do que havia sido revelado, de uma forma ou de outra, e ainda penso isso hoje.

Gostaria de ler o relatório final do FBI que os senadores leram antes de votar, por insuficiente que fosse. E quem sabe –talvez encontre esse relatório sob um altar no templo de Epstein ou preso a uma das cordas que os pilotos pensaram ter visto penduradas do UAP perto do Lago Huron pouco antes de derrubá-lo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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