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STF vai decidir se bares e restaurantes são obrigados a servir água filtrada de graça

Lei paulistana que visa reduzir consumo de plástico chegou ao Supremo e divide opiniões no setor de serviços

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Garçom serve água filtrada de graça no restaurante The Fire, em Guarulhos (SP)

Garçom serve água filtrada de graça no restaurante The Fire, em Guarulhos (SP) Eduardo Anizelli/ Folhapress

São Paulo

Desde 9 de fevereiro, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, tem sobre sua mesa um processo que vem agitando salões de bares e restaurantes paulistanos. Cabe a ele julgar se os estabelecimentos devem ou não ser obrigados a fornecer água filtrada de graça aos clientes.

Para entender por que a ação foi parar em Brasília, é preciso voltar no tempo até setembro de 2020, quando a Câmara Municipal de São Paulo aprovou uma lei de autoria do vereador Xexéu Tripoli (PSDB).

Sancionada pelo então prefeito Bruno Covas, a Lei Água da Casa determina que bares, hotéis, restaurantes, lanchonetes, padarias, cafeterias e estabelecimentos congêneres podem vender água mineral à vontade, mas têm também a obrigação de servir água filtrada de graça a quem pedir –e de anunciar a prática de forma clara nos cardápios.

Tripoli era do ramo —já foi sócio do restaurante paulistano Capim Santo— e tem histórico alinhado a pautas ambientais. São de autoria dele as leis que baniram os canudos de plástico e os descartáveis, como copos e talheres, por exemplo.

A Água da Casa, ele explica, também tem como alvo a redução do consumo de plástico —no caso, as garrafas individuais servidas nas mesas.

"Como o prefeito havia assinado o Novo Compromisso Global da Economia do Plástico, liderado pela Fundação Ellen MacArthur com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, criei uma lei que desse um impulso inicial."

Além de prever penalidades que variam de advertência a multa de R$ 8.000, o texto fixava o prazo de 365 dias para que os estabelecimentos se adaptassem. Em setembro de 2021, entrou em vigor.

Um mês antes, porém, a Confederação Nacional de Turismo, a CNTur, que reúne 130 sindicatos patronais, ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Restaurante The Fire participa de ação para anunciar início das atividades da Sabesp em Guarulhos, com água filtrada é oferecida gratuitamente aos clientes
Restaurante The Fire participa de ação para anunciar início das atividades da Sabesp em Guarulhos, com água filtrada é oferecida gratuitamente aos clientes - Eduardo Anizelli/Folhapress

Segundo o presidente da CNTur, Wilson Luís Pinto, a lei é uma interferência indevida do Estado e fere a livre iniciativa.

"Se o dono do estabelecimento quer oferecer algo de graça, por concluir que pode abrir mão desse lucro, tudo bem. Mas não pode ser obrigado."

Os desembargadores do TJ paulista acolheram o pedido da CNTur e suspenderam a norma. A Procuradoria da Câmara Municipal de São Paulo apelou então para o STF.

Enquanto a decisão não sai, o assunto atinge ponto de fervura nos restaurantes e bares paulistanos. Proprietário dos wine bars Bocca Nera, em Pinheiros, e Bardega, no Itaim Bibi, Rafael Ilan Bernater deixou de oferecer água de graça assim que a vigência da lei foi suspensa –-e se viu na mira de uma campanha de cancelamento pelas redes sociais.

"Os clientes passaram a exigir a água gratuita de forma grosseira. Teve gente segurando garçom pelo braço e advogado ameaçando fechar o estabelecimento. Fiz um post esclarecendo que a lei não está mais em vigor e, nos comentários, me chamaram de mesquinho e desumano."

A receita da venda de água mineral, afirma Bernater, é fundamental para fechar as contas. "Se o STF decidir que devemos dar água, vamos respeitar, como já fizemos entre setembro de 2021 e junho de 2022.

Mas esse custo vai ser repassado para outros produtos. O setor já sofreu com a pandemia e vem penando com a inflação."

Proprietário da rede 1900 Pizzeria, com oito unidades, Erik Momo concorda com ele. "O Estado não pode me obrigar a dar, de graça, algo que eu compro. Pago pela água da torneira, precisaria ter um filtro regulamentado para tratá-la", argumenta.

A venda de água mineral é considerável em sua rede. Em 2022, por exemplo, 217 mil clientes consumiram 75 mil garrafas plásticas de 300 ml, a R$ 6,80 cada uma, diz ele. Mas a questão, segundo Momo, é mais ideológica do que financeira.

"A água mineral representa 7% do meu faturamento de bebidas e 0,84% da receita total. Deixar de vender água não vai quebrar meu negócio, mas me obrigar por lei não faz sentido."

No campo oposto estão empresários como o chef Marco Aurelio Sena, do bar Tantin, em Pinheiros, que oferece água de graça por livre iniciativa –-e aplaude a lei municipal.

A foto mostra um salão de restaurante com mobiliário rústico e plantas ornamentais
Salão do restaurante Capim Santo, localizado no Museu de Casa Brasileira, em São Paulo - Divulgação

Só metade dos clientes dele exige mineral engarrafada, os demais aceitam a filtrada gratuita –a casa higieniza a caixa d’água mensalmente, mantém os laudos à disposição para consulta e pôs filtros em todas as saídas, para que a água das torneiras já saia potável.

"Na Europa, a consciência ambiental é maior. Leis assim fazem as pessoas torcerem o nariz, mas elas existem pelo bem da comunidade e causam um prejuízo mínimo."

Há também o time que oferece água gratuita, mas não concorda que a prática seja obrigatória. Dele faz parte Gil Leite, sócio do grupo Le Jazz, com quatro restaurantes, um bar e uma padaria.

"É uma gentileza que reforça nosso conceito francês. Quando abrimos, diziam que ninguém tomaria, mas as pessoas adoram. Se for por opção própria, acho ótimo", afirma o empresário, que mantém filtros de carvão ativado nas casas.

Viabilizar a oferta de água gratuita requer investimento, mas dá retorno para a imagem da casa. Sócio da hamburgueria Meat Downtown Burgers, no Jardim Paulista, Alexandre Barreiro gasta R$ 2.340 por mês para adquirir água mineral em galões de 20 litros.

Ele escolheu uma marca que garante pH 9,11, dentro do considerado ideal pelo Ministério da Saúde. "O único processo é abastecer as jarras de 1,2 litro e gelar. O retorno vem na forma de simpatia."

Nas lanchonetes Milk & Mellow, o proprietário Paulo Bueno oferece mais de uma opção à água mineral. De graça, os clientes podem tomar água filtrada em carvão ativado, mas quem preferir um copão de 400 ml com água purificada e pH neutro paga R$ 3.

"Cerca de 65% do público pede água na mesa e, desses, 30% preferem a purificada. Só uns 2% escolhem a filtrada", ele diz.

Embora tenha apoiado a Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela CNTur, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo emitiu um comunicado aos seus associados lembrando que a questão vai muito além dos aspectos legais: "A entidade recomenda manter, quando solicitada, a água filtrada gratuita. Cortesia e atenção fazem parte de um bom atendimento, que fideliza clientes".

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