A fuga de dois detentos de um presídio federal em Mossoró (RN) na última semana deu início a um teste inédito no sistema penitenciário federal do Brasil. As cinco penitenciárias, inauguradas a partir de 2006, foram criadas com o objetivo de isolar criminosos de alta periculosidade e desarticular organizações criminosas.
Quase 20 anos depois, a primeira fuga do sistema foi considerada grave, e o Ministério da Justiça e Segurança Pública anunciou um pedido para a nomeação de mais policiais penais federais e o reforço de muralhas, como a de Brasília, nas quatro outras unidades.
Os presos que fugiram de Mossoró usaram materiais da própria cela e de uma obra no pátio da penitenciária. As investigações ainda apuram se houve facilitação da fuga.
Entenda como funciona a rotina nos presídios federais, que têm regras rígidas de visitação e controle com câmeras e gravação de áudio a todo o tempo.
QUANDO FORAM CRIADOS OS PRESÍDIOS FEDERAIS?
A primeira das cinco penitenciárias federais no Brasil foi inaugurada em Catanduvas, no Paraná, em março de 2006. A conclusão das obras aconteceu três anos depois do anúncio de cinco unidades pelo primeiro governo Lula (PT). No fim daquele ano, seria inaugurada a penitenciária federal em Campo Grande (MS).
Em 2009, o governo entregou as unidades de Porto Velho (RO) e Mossoró (RN), e em 2018, já na gestão Michel Temer (MDB), foi inaugurada a penitenciária em Brasília, vizinha ao complexo penitenciário da Papuda.
As diretorias de cada presídio estão subordinadas à diretoria do Sistema Penitenciário Federal, que faz parte da Secretaria Nacional de Políticas Penais. Esta, por sua vez, está alocada no Ministério da Justiça e Segurança Pública.
PARA QUE ELES SERVEM?
O objetivo das unidades, anunciado pelo governo já em 2003, era desarticular o crime organizado a partir do isolamento e da vigilância constante de lideranças de facções com o envio para essas unidades.
Na época, já se admitia que as prisões dos sistemas estaduais haviam se tornado locais para a organização das atividades criminosas do lado de fora, especialmente o tráfico de drogas.
Para isso, era preciso ampliar o controle com unidades que pudesse monitorar toda a rotina e a comunicação dos presos com revistas e inspeções minuciosas, acompanhamento dentro da penitenciária e gravações em vídeo e áudio, incluindo aquelas de visitas familiares e com advogados.
QUEM VAI PARA PRESÍDIOS FEDERAIS?
A periculosidade dos presos é determinada de acordo com fatores como o papel estratégico ou ser uma liderança de organização criminosa, como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, preso em Mossoró.
Também são considerados aqueles que cumprem penas por crimes relacionados a terrorismo ou promoção de ódio e comportamento violento. Outro caso é a segurança do preso, seja pelo risco de morte ou por ele ser um colaborador. É o caso de Élcio de Queiroz, acusado de atuar em milícias e que confessou ter participado da execução da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018.
COMO É UM PRESÍDIO FEDERAL?
As unidades brasileiras foram inspiradas no modelo americano das supermax, penitenciárias de segurança máxima. O formato dos cinco presídios é o mesmo, com cerca de 12.300 m² de área construída e capacidade para 208 presos, que ficam em celas individuais de aproximadamente 7 m² agrupadas em quatro pavilhões.
Eles têm duas horas diárias de banho de sol, sendo acompanhados e algemados da cela ao pátio, assim como a outros espaços. Recebem seis refeições diárias e têm acesso a assistência jurídica, de saúde, de educação, psicológica e religiosa.
As celas são inspecionadas frequentemente, e as visitas acontecem apenas por parlatório ou por videoconferência, com agendamento. Visitas presenciais têm regras de vestimenta, quantidade de pessoas e quatro etapas de revista, entre físicas e eletrônicas. Se desobedecerem às regras, os presos ficam sujeitos a penalidades como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em que ficam isolados do contato com outra pessoa e tomam o banho de sol na própria cela.
Todas as rotinas são supervisionadas por um número de agentes que varia, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, entre 200 e 250.
O QUE ACONTECIA ANTES DA CRIAÇÃO DOS PRESÍDIOS FEDERAIS?
Até a construção dos presídios, agrupados no Sistema Penitenciário Federal, sob o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Brasil tinha uma unidade de segurança máxima, em Presidente Bernardes (SP).
Além disso, o RDD também foi implementado em Avaré e Taubaté, com o controle estrito de presos durante os banhos de sol, por exemplo, para evitar reuniões.
Ainda, o sistema federal ajudou a resolver uma questão ligada à recusa dos estados de presos. Como mostrou reportagem da Folha em 2005, a administração penitenciária de São Paulo só permitiu a estadia de Fernandinho Beira-Mar em Presidente Bernardes por 30 dias. Ele precisava ser retirado do Rio de Janeiro por questões de segurança e chegou a ficar na superintendência da Polícia Federal em Maceió (AL).
QUAL É A DIFERENÇA ENTRE PRESÍDIO FEDERAL E ESTADUAL?
A principal diferença anunciada é o nível de controle, mas os dois sistemas também diferem na quantidade de presos. Enquanto o sistema federal precisa manter a ocupação baixa, evitando que chegue perto da capacidade de 208 detentos em cada unidade, sistemas estaduais convivem com a superlotação.
O fator é um dos impedimentos para o mínimo de segurança e de assistência aos presos nas unidades. Os presídios federais, por sua vez, precisam ter vagas disponíveis para transferências dos presos entre uma unidade e outra e a acomodação de novos internos, com uma função considerada mais estratégica.
Para um acompanhamento rigoroso e vigilância em todos os momentos, o sistema federal tem um custo que pode chegar a 16 vezes o gasto com detentos do sistema estadual. Em 2020, segundo estudo publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, o valor médio gasto por preso foi de R$ 35.215,60.
O BRASIL VAI TER MAIS PRESÍDIOS FEDERAIS?
Em 2017, o governo Michel Temer prometeu a construção de cinco novas unidades. O anúncio foi feito após um massacre que deixou 56 mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas. O então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, teria um ano para entregar as novas penitenciárias.
As unidades teriam 250 mil metros quadrados de área e seriam construídas a aproximadamente 50 quilômetros de distância de um aeroporto. Na época, os estados que manifestaram interesse em receber os presídios recuaram. Não há planos para novas unidades no governo Lula, segundo a coluna Painel.
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