Descrição de chapéu Pelé, o Edson

Mito de que Santos parou guerra na África foi contestado após 50 anos

Pesquisador alega que não fazia sentido o governo da Nigéria levar o time de Pelé para uma cidade que ele não controlava

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São Paulo

Em 4 de fevereiro de 1969, o Santos disputou na Nigéria um amistoso que seria responsável por dar vida a um mito que resistiu por mais de 50 anos até começar a ser contestado. A história retratada pelo clube e exaltada em cânticos da torcida relatava que o time liderado por Pelé havia sido motivo de um cessar-fogo durante um grande conflito no país africano.

A narrativa era alimentada por testemunhos de jogadores que defenderam o time santista naquele duelo, como Edu. O ex-ponta-esquerda até hoje afirma que viu homens armados no entorno do hotel no qual os atletas ficaram e que havia um clima de tensão na cidade de Benin, local em que ocorreu a partida contra a seleção do Estado do Centro Oeste.

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Pelé dribla o goleiro em jogo no estádio Fonte Nova, em 1969; neste ano, o Santos fez uma excursão pela África - Antônio Pirozzelli - 17.nov.1969/Folhapress

"As luzes da cidade não eram acesas à noite. Tinha só a iluminação do hotel e a das casas. Lembro que eu perguntei ao gerente o porquê daquilo, e ele disse que era para evitar o bombardeio dos inimigos", afirmou à Folha o autor de um dos dois gols da vitória do time brasileiro por 2 a 1 —Toninho também marcou.

De fato, a excursão do Santos pela África entre janeiro e fevereiro daquele ano ocorreu em uma época na qual a Nigéria estava sob uma guerra civil. O estopim foi uma onda de violência entre diferentes etnias, que culminou na criação da república independente de Biafra, a região mais rica em jazidas de petróleo no território nigeriano, em maio de 1967.

O cenário que teria sido encontrado pelos santistas, porém, começou a ser desmistificado por José Paulo Florenzano, pesquisador que afirma que a cidade de Benin já não estava mais sob controle das forças de Biafra na ocasião do amistoso.

O jogo realizado no estádio Ogbe seria, na verdade, parte da propaganda de guerra do governo nigeriano. Era uma forma de amenizar as críticas da opinião pública mundial, que estava contra a violência das tropas nigerianas no conflito. A presença dos santistas indicaria uma situação controlada na região.

"Se você perguntar, do ponto de vista do governo nigeriano, qual o interesse que ele teria de levar o Santos para uma cidade que ele não controla, na qual seria necessário negociar um cessar-fogo? Que tipo de mensagem isso passaria para a sociedade nigeriana e para o mundo? Seria um contrassenso, um absurdo em termos de propaganda de guerra", disse Florenzano à Folha em 2019, quando ele lançou uma série de artigos sobre a excursão santista à África, publicados no site acadêmico Ludopédio.

A passagem pela Nigéria não estava nos planos da delegação santista, que antes havia disputado dois amistosos no Congo e na República Democrática do Congo. Esses países estavam em meio a uma crise diplomática, algo que exigiu uma negociação do Santos para poder transitar de um local a outro.

A mistura de fatos ocorridos no Congo com os conflitos na Nigéria também alimentou o mito de que o time alvinegro havia parado uma guerra durante a viagem.

O historiador Gabriel Pierin, do Centro de Memória do Santos, reconhece que não havia um conflito armado precisamente no momento em que o time passou pela região de Benin. Mas destaca que a guerra iniciada em 1967 só terminou oficialmente em 1970.

"O Santos foi jogar em meio a uma região emblemática. O clube jogou no período em que se estendeu a guerra [na Nigéria]. Evidentemente, as pessoas não pararam uma troca de tiros para o Santos jogar. Mas não era o lugar ideal para você levar uma equipe em meio à tensão que estava envolvida naquele lugar", afirmou o historiador. "O período que o Santos jogou lá foi durante o período em que durou a guerra naquele lugar. Não se pode diminuir o episódio em função disso, afinal havia uma guerra."

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