A primavera esta chegando, mas nem tudo é um mar de rosas. Talvez chova, talvez se molhem as "plantinhas" que na escola nos garantiram fazer a fotossíntese.
Essa seca violenta melindrou nossas hortas, pomares e lavouras tropicais. Sofrem os mirrados pés de café, sobreviventes insistentes das geadas verdadeiras e das que apenas ameaçaram pairar, como o encontro gelado de frio e calmaria, sobre as áreas de plantio. O Paraná e o sudoeste paulista foram as regiões mais comprometidas nessa maré de poucos graus, sendo que parte significativa da sua produção de café, trigo e milho foi mesmo pro brejo.
Em escala menor, as hortas de verduras e hortaliças refletiram na salada mirrada que se tentou pôr à mesa. Se bem que, no inverno, saladas não são exatamente objetos do desejo. Agora que a água ameaça cair de verdade, oxalá não inunde os territórios, pois faça chuva ou faça sol, o bom mesmo é obter o equilíbrio necessário, distante dos prejuízos da seca ou de outras calamidades tão familiares.
Recuperado o solo de seus traumas, os mercados, felizes com a vinda da "simpática" estação, começam a exibir suas cores, que variam entre tons de verde e coloridos de várias gamas, expressos em alfaces, chicórias, pimentões, berinjelas, jabuticabas e o resto da turma do "partido verde".
É interessante observar, sem intenção de ser nacionalista, a entrada pela porta da frente de frutas como physalis, pitaya, tamarillo, mirtilos, cassis e outros "berries", enquanto desconhecemos nossas frutas do Norte ou Nordeste, como umbu, graviola, cajá, siriguela... Compramos as novidades que importamos com o glamour de pronunciar "cod fish ao molho de frutas do bosque e pimenta rosa". Pimenta rosa, tão usada pelos franceses, é a nossa arueira. Quanto ao cod fish, sinônimo de mero ou bacalhau fresco, com todo o respeito, já deu o que tinha que dar, e talvez agora fosse a hora de valorizar os nossos pirarucus, vermelhos e surubins. Existe na feira um peixinho baratinho e muito bom, reconhecidamente empregado na cozinha francesa, mas desprezado pela nossa, que se chama trilha. É barato que nem sardinha, e extirpar suas numerosas espinhas com pinças de sobrancelhas requer trabalho árduo, mas que, na mesa, transforma-se em puro deleite.
Não importam as trilhas e pirarucus. É chique consumir o já oficializado e insistente salmão, que não nada nos nossos mares, mas não sai da nossa rede. Veio pra ficar, assim como o tomate seco!
E, por falar em primavera, algumas hortas dispostas em cidades vizinhas de São Paulo, a um raio de no máximo 100 km da capital, produzem em suas estufas as novidades de mercado, que variam de flores comestíveis (calêndula, amor-perfeito, capuzin, borago) a minilegumes (berinjelas, abobrinhas, morangas, rabanetes, porros, cenouras, vagem, milho), passando por cerca de cinquenta tipos diferentes de alfaces e ervas frescas, como cerefólio, estragão, endro-dill, ciboulette etc. Comer flores em saladas, que o espírito curioso indaga: mas tem gosto do quê? De flor, ora.
Voltam as cores, as flores, as folhas e os grelhados e guarda-se espaço para a "Santa Ceia", ou ceia de Natal, também com seu modelinho importado dos Alpes. Peru transportado em trenó, arrastando cachos de nozes, amêndoas, castanhas e avelãs, batizado pelo Papai Noel, que, no calor dos trópicos, veste aquela roupinha leve, vermelha e branca, abotoada até os ossos. Jantar pouco frugal anuncia o nascimento de Cristo num modelo gastronômico estereotipado. Se Jesus fosse brasileiro e se fôssemos um pouco mais também, arriscaríamos uma galinha de cabidela, uma tainha recheada com farofa de pitu e banana-da-terra, um cuscuz-paulista, e nas cestas de frutas um arranjo "importado" do norte-nordeste de umbu, graviola, siriguela, jambo, mangaba e cupuaçu. Afinal, abstraindo as traições do tempo, adubando, quase sempre dá.
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