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Oscar prefere concentrar prêmios, apesar de safra de filmes acima da média

Ao distribuir boa parte dos troféus para 'Oppenheimer', Academia mostra certo engessamento enquanto tenta ser pop

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Ryan Gosling canta "I'm Just Ken", de "Barbie", no Oscar Patrick T. Fallon/AFP

Neste ano, mais do que de costume, o Oscar tomou o caminho do Emmy, em que anualmente seus votantes parecem ter visto as mesmas coisas, concentrando indicações e depois estatuetas em um punhado de títulos –no caso, "Oppenheimer" e "Pobres Criaturas", com 11 dos 23 troféus da noite.

Christopher Nolan com as estatuetas do Oscar de melhor filme e direção, por "Oppenheimer" - Carlos Barria/Reuters

Foram sete estatuetas para o longa-metragem de Christopher Nolan, que biografou a bomba atômica de forma tão eloquente que não apenas fez sucesso entre os votantes e críticos, mas também com o público. Assim, termina sua jornada como a terceira maior bilheteria do ano passado e celebrado pelos clubinhos mais exclusivos de Hollywood.

Além de melhor filme, "Oppenheimer" levou para casa direção, ator –para Cillian Murphy–, ator coadjuvante –para Robert Downey Jr.–, montagem, fotografia e trilha sonora, enquanto "Pobres Criaturas" ficou com atriz –para Emma Stone–, direção de arte, figurino e cabelo e maquiagem, implodindo, juntos, as campanhas de seus concorrentes.

Nolan conseguiu um feito e tanto, ao levar o público para as salas de cinema com um filme tão maduro e autoral. Por outro lado, parece exagero destinar sete estatuetas ao seu filme, num ano em que a safra de títulos estava especialmente acima da média.

Há anos não chegávamos ao Oscar com uma coleção de indicados tão forte. Quase não há obras dignas de desdém nesta cerimônia. É um alívio depois de vermos "No Ritmo do Coração" e "Green Book: O Guia" laureados com o prêmio máximo há não mais do que cinco anos.

Por isso mesmo é uma pena ver "Oppenheimer" excessivamente celebrado. Não que não mereça, embora seu trabalho correto em muitas categorias não tenha chegado ao excepcional.

Seria mais plural por parte dos votantes olhar além do óbvio e do cômodo, em vez de reforçar na surdina o status quo de um cinema masculino, branco e bélico –em suma, bastante americano—, em especial no ano em que as novas políticas de diversidade do Oscar entraram em vigor e em que a perspectiva feminina deu o tom da temporada, de "Anatomia de uma Queda" a "Vidas Passadas".

Por mais que "Pobres Criaturas" seja um filme de tons feministas –apesar da direção masculina–, a surpreendente vitória da diva Emma Stone sobre a ativista Lily Gladstone fez com que "Assassinos da Lua das Flores" voltasse para casa como "Os Fabelmans" no ano passado –de mãos vazias, após meses como favoritos, louvados por serem a síntese do gênio de Martin Scorsese e de Steven Spielberg, respectivamente.

Não que discursos devam se sobrepor à forma, mas Gladstone e Scorsese passaram a maior parte da campanha fortes, quase imparáveis, muitos poderiam argumentar.

Na sem graça corrida de atriz coadjuvante deste ano, por outro lado, o caminho esteve sempre livre para Da’Vine Joy Randolph, de "Os Rejeitados", diante de uma competição insossa, mas que celebrou um trabalho com mais nuances do que uma primeira leitura faz parecer.

Mas as outras indicadas eram fracas, e a Academia decidiu ignorar, por exemplo, nomes como Penélope Cruz, com o timing cômico que rompe com a sisudez de sua personagem em "Ferrari", ou Julianne Moore, que rompe com a fachada de suburbana inocente em "Segredos de um Escândalo". São das melhores atuações de ambas, que por sua vez são das melhores atrizes de sua geração.

Quando se olhou para fora do óbvio, a corrida ficou nas mãos de quem tem a maior máquina publicitária. Assim, "Nyad", da Netflix, emplacou Annette Bening e Jodie Foster nas corridas de atriz e atriz coadjuvante. "Segredos de um Escândalo", picotado para distribuição internacional, não conseguiu nem emplacar Charles Melton, mesmo quando apostas o definiam como grande adversário de Robert Downey Jr.

Com uma safra tão reforçada, até categorias outrora desinteressantes causaram emoção. Como escolher quem teve o melhor som, por exemplo, entre a explosão avassaladora de "Oppenheimer", o concerto primoroso de "Maestro" e o terror sonoro de "Zona de Interesse"? O último levou a melhor na batalha.

Outros que apresentaram trabalhos melhores do que muitos dos indicados em certas categorias, mas talvez não tenham nem sido vistos pelos votantes, foram o surpreendente "Garra de Ferro", o sensível "Monster", o arrasador "Todos Nós Desconhecidos", o criativo "Saltburn", o tenso "O Assassino" e o bom contraponto à lenda de um rei feito em "Priscilla".

Eles não precisavam estar na corrida de melhor filme, mas "Priscilla" e "Saltburn", por exemplo, têm trabalhos de direção de arte e figurino superiores ao indicado "Oppenheimer", e "Todos Nós Desconhecidos" tem um roteiro muito mais bem trabalhado, com respeitosa liberdade, do que a pseudo-adaptação "Barbie".

Por outro lado, por mais comentado e indicado que o filme da boneca loira tenha sido, relegá-lo ao prêmio de melhor canção original, para Billie Eilish e "What Was I Made For?", é também frustrante. O Oscar pareceu abraçar seu cinema popular, mas, agora notamos, com ressalvas, não garantindo nem prêmios técnicos a ele.

Ao menos o público se divertiu com o momento mais espalhafatoso, louco e memorável da noite, quando Ryan Gosling entoou "I’m Just Ken" diante de luzes cor-de-rosa e dezenas de homens replicando sua dancinha constrangedora do filme de Greta Gerwig. Exalando um estranho sex appeal, o ator mexeu o corpo, fez carão e nos lembrou o que significa ser uma estrela em Hollywood.

Um respiro bem-vindo em meio à alta voltagem política da cerimônia, que deixou os broches fofos do tapete vermelho para, de fato, assumir posicionamentos —na exibição de um trecho do documentário "Navalny" que ataca a Rússia de Putin, ao não cortar o discurso que condena a mistura que se faz entre o Holocausto e a violência na Faixa de Gaza, pelo diretor de "Zona de Interesse", ou na leitura de um post de Donald Trump criticando o apresentador Jimmy Kimmel, que soube improvisar e fazer graça da situação.

Foi um Oscar que, em termos de festa, tomou o caminho para voltar à boa forma, enquanto, nos prêmios, fez o correto porém cômodo, o que não significa ter escolhido o que era mais interessante.

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