Psicanálise deve descer do pedestal para dialogar com críticos, diz Christian Dunker

Autor se contrapõe a Pasternak e Orsi e afirma que lógica de condomínio cria entraves à reinvenção da prática psicanalítica

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Eduardo Sombini
Eduardo Sombini

Doutor em geografia pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima

No ano passado, houve uma reação intensa ao enquadramento da psicanálise como pseudociência em "Que Bobagem!", obra da microbiologista Natalia Pasternak e do jornalista Carlos Orsi.

A contenda motivou Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, e Gilson Iannini, do Departamento de Psicologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a escrever o livro-resposta "Ciência Pouca É Bobagem: Por Que a Psicanálise Não É Pseudociência" (Ubu), publicado em dezembro.

O trabalho parte das críticas à psicanálise que vieram à tona —derivadas de um debate travado há décadas em todo o mundo, segundo os autores— para discutir, de forma mais ampla, a cientificidade e a eficácia do campo psicanalítico.

Dunker e Iannini investem em três frentes para se contrapor à conceituação da psicanálise como pseudociência.

Retrato de Christian Dunker, coautor de 'Ciência Pouca É Bobagem' - Mariana Pekin - 30.abr.23/UOL

Os autores apresentam evidências para sustentar que a psicanálise tem resultados clínicos, afirmam que uma crença estreita no cientificismo guia parte dos críticos e defendem que as bobagens, vistas como expressões sem significado em outras áreas do conhecimento, são essenciais na escuta psicanalítica.

Dunker, convidado deste episódio, não faz, por outro lado, uma defesa cega de seus colegas: em sua avaliação, muitos psicanalistas brasileiros se acostumaram a habitar um condomínio elitista, se recusam a dialogar com profissionais de outros campos e justificar suas práticas e precisam descer do pedestal para enfrentar a transformação que a psicanálise deve sofrer nos próximos anos.

A ciência tem uma história, e a psicanálise tem uma história. Ou ela acompanha, como diz Lacan, o horizonte da subjetividade da sua época, as formas de sofrimento da sua época, os conflitos da sua época, as determinações da sua época ou ela continua a ser um foco de defesa anacrônico de práticas do passado. Para que isso aconteça, acho que precisamos de mais ciência, mais contato da psicanálise com os saberes, com o debate público, mais inscrição da psicanálise nas políticas públicas. A gente gostaria de falar de política de infância, política para a mulher, política antirracista, política contra o ódio

Christian Dunker

professor da USP e coautor de 'Ciência Pouca É Bobagem'

Em nota enviada pelo Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak e Carlos Orsi afirmam considerar "que seu posicionamento sobre a psicanálise foi extensivamente debatido nos últimos meses por ocasião do lançamento do livro 'Que Bobagem!', que contribuiu para que a discussão sobre a legitimidade científica da psicanálise fosse colocada em evidência no Brasil pela primeira vez".

"Eventuais desdobramentos, como o lançamento de novos livros que abordam esta temática, são um reflexo desse fato e uma boa notícia, à medida que confirmam que os pontos levantados em 'Que Bobagem!' são relevantes e merecem ser debatidos."

O Ilustríssima Conversa está disponível nos principais aplicativos, como Apple Podcasts, Spotify e Stitcher. Ouvintes podem assinar gratuitamente o podcast nos aplicativos para receber notificações de novos episódios.

O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.

Já participaram do Ilustríssima Conversa Rodrigo Nunes, professor de filosofia que propõe pensar a política como ecologia, Betina Anton, autora de livro sobre os anos do médico nazista Josef Mengele no Brasil, Marcelo Medeiros, que discutiu a concentração de renda no país, Larissa Bombardi, geógrafa que pesquisa o uso de agrotóxicos, Flavia Rios, coorganizadora de dicionário de relações étnico-raciais, Bruno Paes Manso, autor de obra sobre os valores difundidos por facções criminosas e igrejas pentecostais, Gabriela Leal, antropóloga que estuda cultura hip-hop e grafitti, Antônio Bispo dos Santos, pensador quilombola que propõe o conceito de contracolonização, Luiz Marques, que discutiu por que este decênio é decisivo para lidar com a catástrofe climática, Bela Gil, que defendeu a remuneração do trabalho realizado por donas de casa, entre outros convidados.

A lista completa de episódios está disponível no índice do podcast. O feed RSS é https://folha.libsyn.com/rss.

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