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Daniel Wei Liang Wang

Quantas páginas tem a carta branca a Alexandre de Moraes?

Se limites não forem estabelecidos, o Supremo acabará criando outro

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Daniel Wei Liang Wang

Professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP)

Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores representaram a maior ameaça às instituições desde a redemocratização. O alvo preferido de suas ofensas, ameaças e vandalismo é o Supremo Tribunal Federal.

A reação da corte, liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, incluiu processos criminais contra bolsonaristas mais exaltados e a derrubada de seus perfis de redes sociais.

Após o 8 de janeiro, Moraes afastou o governador do Distrito Federal e decretou a prisão preventiva do então secretário de Segurança Pública. Recentemente, ordenou busca e apreensão na residência de Bolsonaro e a prisão de seu aliado para investigar possível fraude nos dados sobre vacinação.

O ministro do Supremo Alexandre de Moraes durante cerimônia no TSE - Adriano Machado/Reuters - REUTERS

Mesmo quem apoia as medidas de Alexandre de Moraes reconhece que várias delas são "inovações jurídicas". Ainda que discordando pontualmente de algumas decisões, muitos justificam a postura "militante" do STF diante da ameaça à corte e à democracia. Portanto, a legitimidade dos fins exigiria maior tolerância com os excessos nos meios empregados. Implicitamente ou mesmo explicitamente, isso significa dar ao ministro carta branca para "inovar" desde que promova o objetivo de salvaguardar a democracia.

Esse é um argumento legítimo, mas cabe perguntar quantas páginas essa carta branca tem. A frase de Lord Acton —"o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente"— pode soar clichê, mas está no âmago da ideia de Estado de Direito e de separação de Poderes. Em matéria de direito penal, já há questionamentos importantes não só a determinadas medidas, mas à ideia de que violações de direitos podem ser aceitas em prol do combate ao golpismo.

Outro aspecto da atuação de Alexandre de Moraes e de alguns colegas do Supremo merece escrutínio: sob a justificativa de combater movimentos antidemocráticos, ministros da corte têm se movimentado pela aprovação do PL das Fake News (PL 2.630/20). Esse apoio aparece em manifestações públicas e em encontros com autoridades para defender o projeto de lei. É questionável se ministros do STF deveriam apoiar um texto sobre cuja constitucionalidade podem vir a ter que decidir, mas nem é esse o maior problema.

Mais problemática é a insinuação feita em decisão de Moraes de que, se o Congresso não aprovar o PL das Fake News, o próprio Supremo regulará as redes sociais. O STF se atribuir o poder de legislar positivamente e criar uma lei que foi discutida e rejeitada pelo Legislativo já é bastante questionável à luz da separação de Poderes e da democracia. Ministros usarem esse poder para pressionar o Congresso extrapola todos os limites republicanos.

Ademais, com fundamento no combate às fake news e milícias digitais, Moraes mandou remover conteúdo contrário ao projeto do blog oficial do Google e ordenou que os presidentes de empresas como Google e Meta expliquem para a Polícia Federal o uso de suas plataformas para disseminar críticas a esse projeto. Recentemente, obrigou o Telegram a remover mensagens críticas ao PL e a enviar aos seus usuários um texto de retratação à proposta.

Por mais legítima que seja a intenção do PL das Fake News, isso não justifica usar a competência e o poder de coação de uma corte constitucional para favorecer um lado de um debate público e legislativo. O STF precisou atuar em uma situação de excepcionalidade, mas, se limites não forem estabelecidos, acabará criando outro.

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