Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores representaram a maior ameaça às instituições desde a redemocratização. O alvo preferido de suas ofensas, ameaças e vandalismo é o Supremo Tribunal Federal.
A reação da corte, liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, incluiu processos criminais contra bolsonaristas mais exaltados e a derrubada de seus perfis de redes sociais.
Após o 8 de janeiro, Moraes afastou o governador do Distrito Federal e decretou a prisão preventiva do então secretário de Segurança Pública. Recentemente, ordenou busca e apreensão na residência de Bolsonaro e a prisão de seu aliado para investigar possível fraude nos dados sobre vacinação.
Mesmo quem apoia as medidas de Alexandre de Moraes reconhece que várias delas são "inovações jurídicas". Ainda que discordando pontualmente de algumas decisões, muitos justificam a postura "militante" do STF diante da ameaça à corte e à democracia. Portanto, a legitimidade dos fins exigiria maior tolerância com os excessos nos meios empregados. Implicitamente ou mesmo explicitamente, isso significa dar ao ministro carta branca para "inovar" desde que promova o objetivo de salvaguardar a democracia.
Esse é um argumento legítimo, mas cabe perguntar quantas páginas essa carta branca tem. A frase de Lord Acton —"o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente"— pode soar clichê, mas está no âmago da ideia de Estado de Direito e de separação de Poderes. Em matéria de direito penal, já há questionamentos importantes não só a determinadas medidas, mas à ideia de que violações de direitos podem ser aceitas em prol do combate ao golpismo.
Outro aspecto da atuação de Alexandre de Moraes e de alguns colegas do Supremo merece escrutínio: sob a justificativa de combater movimentos antidemocráticos, ministros da corte têm se movimentado pela aprovação do PL das Fake News (PL 2.630/20). Esse apoio aparece em manifestações públicas e em encontros com autoridades para defender o projeto de lei. É questionável se ministros do STF deveriam apoiar um texto sobre cuja constitucionalidade podem vir a ter que decidir, mas nem é esse o maior problema.
Mais problemática é a insinuação feita em decisão de Moraes de que, se o Congresso não aprovar o PL das Fake News, o próprio Supremo regulará as redes sociais. O STF se atribuir o poder de legislar positivamente e criar uma lei que foi discutida e rejeitada pelo Legislativo já é bastante questionável à luz da separação de Poderes e da democracia. Ministros usarem esse poder para pressionar o Congresso extrapola todos os limites republicanos.
Ademais, com fundamento no combate às fake news e milícias digitais, Moraes mandou remover conteúdo contrário ao projeto do blog oficial do Google e ordenou que os presidentes de empresas como Google e Meta expliquem para a Polícia Federal o uso de suas plataformas para disseminar críticas a esse projeto. Recentemente, obrigou o Telegram a remover mensagens críticas ao PL e a enviar aos seus usuários um texto de retratação à proposta.
Por mais legítima que seja a intenção do PL das Fake News, isso não justifica usar a competência e o poder de coação de uma corte constitucional para favorecer um lado de um debate público e legislativo. O STF precisou atuar em uma situação de excepcionalidade, mas, se limites não forem estabelecidos, acabará criando outro.
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