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André Sturm

É urgente regular as plataformas de streaming no Brasil

Produtores brasileiros precisam ser donos do conteúdo produzido no país

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André Sturm

Cineasta, é presidente do Siaesp (Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo) e ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo (jan.17 a jan.19)

Na última década, qualquer pessoa notou o exponencial crescimento das plataformas de streaming no Brasil e no mundo. De veículos de mídia, tornaram-se gigantes da produção de conteúdo audiovisual.

O senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou um projeto para criar uma regulação para as plataformas, assim como já há para outros agentes do setor (salas de cinema, TVs, TV a cabo). O relator do projeto, senador Eduardo Gomes (PL-TO), teve a excelente ideia de realizar uma audiência pública recentemente e convidar todos os lados para apresentarem seus pontos de vista. Netflix e Amazon, cineastas e produtores, governo e sociedade tiveram seus representantes.

Mulher suja de terra olha para o horizonte
A atriz Alice Carvalho em cena de "Cangaço Novo", série brasileira da Amazon que se tornou uma das produções mais vistas em dezenas de países - Prime Video/Divulgação

Defendi a importância de se criar uma norma que obrigue as plataformas a investir um percentual fixo de seu faturamento na aquisição dos direitos de exibição de produções brasileiras independentes. Aqui é fundamental explicar a importância do termo "independente": empresas que não sejam ligadas direta ou indiretamente a emissoras de televisão ou a plataformas. Hoje, as plataformas investem, mas exigem dos produtores que abram mão de todos os direitos patrimoniais. Uma subversão do modelo de negócio, existente há mais de oito décadas.

Já imagino até um certo colunista desta Folha dizendo que não deve haver interferência no que é produzido. Se houver público para a produção brasileira, as plataformas investirão. E se elas investem, devem ser donas. Pergunto a você, leitor: qual foi o primeiro país do mundo que criou cota nos canais de TV aberta para o conteúdo de produtoras independentes? Foram os Estados Unidos, assim que a televisão começou a tirar público das salas de cinema.

As grandes empresas de cinema conseguiram aprovar essa lei que, na prática, permitia que as TVs de produzissem apenas jornalismo e esporte. Todo o demais era adquirido fora. Quando você assiste a um filme americano nos cinemas ou na TV, perceba que sempre passam duas vinhetas. A primeira é da Warner ou Fox, por exemplo, que distribui. A segunda é da produtora e dona dos direitos patrimoniais.

Os produtores brasileiros precisam ser donos do conteúdo aqui produzido. Em 2011, discutíamos no Congresso a aprovação de uma lei para criação de uma cota de exibição de conteúdo brasileiro na TV paga. À época, uma operadora fez até um comercial em que dizia não haver produção brasileira de qualidade para ocupar o espaço. A lei foi aprovada com a exigência de apenas 3% de cota. O sucesso foi tal que hoje, na média, os canais pagos exibem 18% de produção brasileira independente!

O comediante Jerry Seinfeld era um rapaz de classe média que conseguiu vender uma ideia para uma emissora nos EUA e criar um programa com seu sobrenome nos anos 1990. O sucesso crescente permitiu que, a cada temporada, vendesse mais caro a sua série. No último ano, em 1998, o comercial na sitcom era o mais caro da TV americana. Com a venda para mais de 90 países, lançamento em DVD e reprises, Seinfeld é um bilionário. Se ele fosse submetido às regras impostas hoje pelas plataformas no Brasil, não seria dono de sua série e não teria sido um empresário de sucesso.

As plataformas devem ter liberdade para escolher qual conteúdo comprar e de qual produtora. Mas precisam exibir produções brasileiras independentes e garantir visibilidade das mesmas. Importante também que seja criada a cobrança da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional) sobre o faturamento das plataformas —e não por título, como nos demais setores. Esse recurso permitirá ao governo federal realizar políticas públicas para apoiar a diversidade temática e territorial na produção nacional.

Filmes e séries brasileiros fazem sucesso no país e no exterior. Precisam estar acessíveis nas muitas plataformas, com os direitos patrimoniais nas mãos de brasileiros.

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