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Ana Paula Corti e Márcia Jacomini

Educação paulista na vanguarda do atraso

Cataclismo curricular multiplica desigualdades e negligencia a formação

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Ana Paula Corti

Doutora em educação (USP), é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), membro da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e da Associação Brasileira do Ensino de Ciências Sociais (Abecs-SP)

Márcia Jacomini

Doutora em educação (USP), é professora do Departamento de Educação da Unifesp, pesquisadora da Repu e do Grupo Escola Pública e Democracia (Gepud)

No dia 7 de agosto de 2023, o Ministério da Educação anunciou os resultados da consulta pública sobre a reforma do ensino médio e divulgou documento com sugestões para revisão da lei 13.415/2017. Entre as propostas do MEC está o retorno de 2.400 horas para as disciplinas da base comum e a diminuição dos itinerários formativos (conjunto de disciplinas que os estudantes poderão escolher), que passam a ser chamados de Percursos de Aprofundamento e Integração de Estudos.

No entanto, o estado de São Paulo, primeiro a aprovar o novo ensino médio em 2020, já havia se antecipado novamente, anunciando em julho uma nova proposta curricular para a etapa, que mantém 1.800 horas para as disciplinas da base comum —destoando, portanto, da discussão nacional.

Alunos do ensino médio na Escola Estadual Padre Saboia de Medeiros, em São Paulo (SP) - Bruno Santos/Folhapress - Folhapress

A velocidade com a qual a Secretaria da Educação de São Paulo (Seduc-SP) anuncia propostas educacionais e volta atrás é impressionante e altamente prejudicial à qualidade do ensino e à formação dos estudantes. De acordo com os canais digitais da Seduc-SP, em 2024 haverá a redução dos itinerários formativos de 12 para 3 e a introdução de novas disciplinas obrigatórias no currículo: educação financeira, projeto de vida, redação e leitura e aceleração para o vestibular.

Os novos itinerários passam a ser: linguagens e suas tecnologias + ciências humanas e sociais; ciências da natureza + matemática; e ensino profissionalizante. O itinerário profissional, que era realizado em parceria com o Centro Paula Souza por meio do Novotec (programa estadual que oferta cursos técnicos e profissionalizantes gratuitos), foi descontinuado pela pasta, e o ensino profissional será ofertado nas próprias escolas estaduais.

Resta saber como o governo paulista pretende transformar da noite para o dia, e sem investimentos, escolas sucateadas —que não têm professores em número suficiente nem mesmo para a formação geral— em escolas de ensino profissional. Considerando que nem toda escola ofertará o itinerário profissionalizante, muitos estudantes terão que se deslocar para outra unidade, que pode ficar distante de suas residências.

Outras duas medidas foram anunciadas pela pasta: uma portaria em que diretores passam a assistir aulas de professores e encaminhar relatórios à Diretoria de Ensino e a retirada de São Paulo do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Em relação ao PNLD, o governo de São Paulo recuou após a Justiça determinar que a Seduc volte a aderir ao programa. Contudo, ela manterá material próprio digitalizado na forma de slides para os estudantes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio.

O que mais impressiona nas medidas anunciadas é que elas não incidem sobre os pontos críticos da educação paulista. Não foram embasadas em evidências de pesquisa nem em pareceres técnicos confiáveis, tampouco no diálogo com os profissionais do magistério e especialistas da área.
Esse conjunto de medidas causou muita insatisfação e indignação na comunidade escolar e na sociedade. Uma reforma curricular ruim, remendada por outra pior, em curto espaço de tempo, irá produzir efeitos nefastos na formação de estudantes que são o balão de ensaio duplo de uma gestão irresponsável.

O secretário paulista da Educação, Renato Feder, durante entrevista à Folha - Mathilde Missioneiro/Folhapress - Folhapress

É fundamental suspender a portaria que atribui ao diretor a tarefa de vigiar os professores e esperar as mudanças que devem ocorrer na lei 13.415/2017, sob pena de a rede fazer uma segunda "reforma da reforma" num período de seis anos.

O avesso do experimentalismo paulista é a multiplicação das desigualdades educacionais e a negligência com a educação de adolescentes, que veem suas chances de ingressar na universidade minguando, e assistem ao rebaixamento de sua formação como cidadãos e futuros trabalhadores. Estão sendo excluídos do acesso a conhecimentos importantes e seus prejuízos devem ser contabilizados, bem como suas desvantagens frente a alunos de redes privadas, que mantiveram os conhecimentos curriculares.

É um cataclismo curricular o que está acontecendo em São Paulo e, ao contrário dos eventos naturais, ele pode, e deve, ser contido pelas instituições encarregadas de proteger o direito à educação.

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